Meu avô paterno, Atílio Mondadori, tinha uma estância que ficava a uns 15 km da cidade, e para lá nos dirigíamos, invariavelmente aos sábados e aos domingos, meus pais e eu.
Digo estância, embora atualmente as pessoas se refiram às propriedades rurais como fazenda, pois era assim que chamávamos aquele lugar mágico, com suas árvores imensas que sombreavam as casas, a horta, a parreira, a mangueira, o caminho de pedregulhos, bem lisinho, o açude e a lagoa.
Lá existiam duas casas, a de baixo, que era a sede, e a de cima, que ficava em um local mais alto, distando mais ou menos duas quadras uma da outra, ambas igualmente lindas, a de cima ainda mais bela, com um imenso moinho, girando lentamente ao sabor do vento.
E as laranjeiras.
As laranjeiras em flor, dando frutos, podadas, no rigor do verão, as laranjeiras, plantadas pelas mãos de meu Avô e seus empregados, cuidadas por ele, que a tudo via e por tudo zelava, eram um cenário de beleza e encantamento permanente para mim.
Muitas, incontáveis vezes, caminhei com meu Pai sob a sombra de seus galhos que, no inverno, carregavam-se de laranjas tão perfeitas quanto doces, uma calda, um manjar.
Saímos, ele e eu, naquelas tardes frias, ele, com seu pala marrom, eu, com um casaco vermelho que minha Mãe tinha mandado tecer no Alvear, de faquinha em punho, para colher as laranjas e comê-las ali mesmo, lambuzando-nos com aquele suco delicioso e nada mais precisávamos dizer e nem falar, para quê?
Tínhamos tudo!
Tínhamos um ao outro, a família enorme e, como se não bastasse, a ventura de ter aquela terra maravilhosa com suas laranjas e todos os demais frutos e legumes que ela produzia, sem contar o leite morninho tirado na hora, saboreado ao pé do fogo, no galpão.
Que tempos!
Toda a semana, em nossa casa da cidade chegavam os produtos da estância: ovos, leite, pão caseiro, queijo, lenha para a lareira e, claro, as laranjas.
Meu Pai gritava, louco de faceiro, Liasinha, ajuda a abrir o portão, vamos descarregar as laranjas da estância! E abriam-se as bolsas, de onde rolavam as frutas encantadas!
Meu Avô Atílio morreu, e tudo mudou.
Começaram a rarear as entregas de leite, de laranjas, as idas ao campo, a lenha não vinha mais e meu Pai, amargurado, sorvendo seu mate junto ao fogão à lenha de nossa casa, não raro, chorava.
Deram-lhe o pior pedaço de terra da estância, quando da partilha: sem casa, sem mangueira, sem açude, sem lagoa, sem sede.
Sem nada.
Terra nua.
Terra pelada.
Sim.
Trinta anos depois, a justiça divina botou o dedo na moleira dos que fizeram meu pai chorar: o banco hipotecou tudo, mas tudinho o que era de meus tios.
A única terra que sobrou, ilesa, foi a do meu Pai, que não tinha cola e nem devia um fiapo a ninguém.
Lembrei de tudo isso quando avistei, hoje, uma laranjeira carregadinha de frutos.
Pensei no legado de amor e companheirismo que recebi de meus pais, do quanto aprendi com eles, de como superaram tantas coisas, de como eram doces.
Tão doces quanto as laranjas da estância!
Amiga tu me emociona mesmo.
ResponderExcluirBjo