quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Como Éramos Simples

Lembro-me dos veraneios no Uruguai, para onde íamos com toda a família durante o mês de janeiro.
Virava o ano novo e, dia dois ou três, tomávamos o rumo de Piriápolis, a encantadora praia uruguaia.
Nossa odisseia começava de madrugadinha, o sol nem havia saído ainda e já estávamos nos movimentando.
Viagem longa de quase 900 quilômetros, tinha que pernoitar pelo caminho e, somente perto do meio dia do dia seguinte, chegávamos  ao nosso destino.
Uma cidade encantadora, com um mar entre o verde e o azul, sem ondas, onde se podia caminhar com a água batendo pela cintura até muito distante da margem, una rambla que ia de uma ponta a outra da praia, e aquela brisa espetacular que só a beira mar pode proporcionar.
Passeios, restaurantes, cinema, sorveterias, tudo era feito para o deleite, o prazer e a alegria de poder desfrutar, por trinta dias, contadinhos, as delícias do verão.
Ficávamos hospedados em um hotel sito em uma esquina, em frente à praia, onde serviam café da manhã, almoço e janta.
Se porventura chovesse, ofereciam aos hóspedes um delicioso té con facturas, isto é, um chá com salgadinhos, medias lunas, alfajores, tortas e palmeritas, uma iguaria dos deuses.
Nossos dias e nossas noites eram vividos na mais absoluta paz.
Pela manhã, a praia.
Meus tios argentinos também iam e, naquela areia fofa, enfileiravam-se as barracas coloridas, e ali ficava uma animadíssima turma de, pelo menos, quinze pessoas.
De tarde, íamos até uma pequena montanha, onde se conseguia chegar em aerosilhas e, lá de cima, olhávamos para toda a cidade.
Pela noite, um vento frio pedia uma roupa mais quente e saíamos para tomar um sorvete, ir ao cinema ou simplesmente caminhar, à toa e sem direção.
Um veraneio e tanto!
Pensava eu em tudo isso, certo dia em que, estando em Capão da Canoa vi um pessoal chegando, organizando sua barraca e seus pertences, com aquela felicidade de poder estar gozando do sol, do mar, do ventinho fresco apesar do sol forte.
Eu estava ali fazia algum tempo, escutando o barulho das ondas, o som do vento nas abas do guarda sol, os pés fazendo vai e vem na areia, e sentindo-me grata por todo aquele dia.
Tudo estragou pois, de repente, o som i n s u p o r t á v e l de música sertaneja sacudiu o entorno.
Música alta, muito alta, para que todos ao redor ouvissem.
Aliás, era isso, ou ir embora.
Que inferno!
Acomodaram-se e, ato contínuo, deram início aos trabalhos: armaram uma mesinha e sobre ela um balde de gelo com champanhe.
E tiraram de uma outra bolsa, taças coloridas de acrílico.
Meu Deus do céu!
Que sacrilégio!!!
Digam o que disserem, mas, com licença, champanhe  em taça de plástico com música sertaneja não dá pra querer.
Música alta, sobrepondo-se ao murmúrio das ondas, é intolerável.
E fotos, muitas fotos para o Facebook.
Quanta patacoada!
Com essa onda de redes sociais, as pessoas querem ostentar, exibir até o que não tem e, pior ainda, o que não são.
Nunca vi, como neste ano, tantas pessoas bebendo a ponto de deixar a bebida escorrer pelos cantos da boca, ouvindo aquele gênero musical que não suporto.
Fiquei pensando, e não tive como não sentir muita saudade do tempo em que éramos simples, em que beber uma cerveja consistia numa áfrica, ouvir música alto, nem pensar, e o objetivo de ir à paia era o de despojar-se das coisas do dia a dia - sapatos, vestidos arrumados, jóias.
A intenção era sair da rotina, mudar tudo, desfrutar do mar, caminhar pela areia, rir sem motivo, muito abraço, muito beijo, muita convivência.
Sem pressa, sem música alta, sem ostentação.
Férias em família num praia.
Era isso, e nada mais.
E precisaria, será, de algo mais?
Quando saí dali, dei o bilhete azul: tchau y gracias.
Ainda faltam onze meses para as próximas férias, terei tempo para pensar; tomara encontre uma nova Piriápolis, onde a tônica sejam a simplicidade, a educação,  a calma, e os únicos  registros sejam aqueles que ficam gravados na memória e no coração.