quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Memórias Afetivas

Eu não estava nem um pouco a fim de ir a Santa Catarina, uma vez que, de lá, tenho péssimas recordações, e as memórias afetivas, embora guardadas em algum cantinho do coração, um dia ressurgem.
As razões pelas quais eu não gosto mais de ir a Santa Catarina , bueno, isso é outra história.
Ficou curioso?
Quem sabe um dia eu escreva sobre isso.
Mas o fato é que, como sou altamente democrática e não me agrada fazer o papel daquela que põe areia nos planos, fui.
Em nome da parceria e da unidade, fui.
Mas confesso que fui de má vontade, com o pezinho atrás.
Tanto falaram sobre Bombinhas, alçada à categoria de nona maravilha do mundo que não seria eu, uma reles mortal, a dizer o contrário.
Então, sucedeu-se isto:
Saímos de Porto Alegre pela manhã cedinho, até chegarmos, no início da tarde, a Bombinhas.
Aí começou o suplício: carros, carros, carros e mais carros; primeira, segunda, pára; primeira, segunda, pára. E eu ali, firme na paçoca,  mas a procissão ia por dentro, isto é,  comecei a xingar mentalmente aquele trânsito todo e a mim mesma, por ter a mania de ceder quando não estou a fim de ceder.
Lá pelas folhas tantas, chegamos.
A pousada, belíssima, realmente. A vista, idem.
Mas a praia, meu amigo, a praia, a praia é uma bomba!
Corta: eu, quando vou à praia, gosto de ir à praia, ou seja, quero andar pela areia, sentindo-a sob os pés, quero me estirar numa cadeira e me torrar ao sol, quero, mais tarde, bem mais tarde, saborear uma caipirinha, quero entrar e sair da água. Não sou como algumas mulheres que vão à praia para ficar plantando flores em seus jardins ou recebendo no final da tarde, cheias de jóias e penduricalhos, cabelinhos escovados.
Na praia, torno-me um bugre, não sei que horas são e nem tampouco me interessa, sei lá que roupa vestirei, aliás, levo pouquíssimas, haja vista que irei comprar, sem dúvida, uns vestidinhos floridos do primeiro ambulante que passar.
Feitos os esclarecimentos, vamos aos fatos:
Faixa de areia estreita, e aquilo já me deixou meio assim, afinal, veraneio no Rio Grande do Sul há décadas, com seu marzão e sua faixa de areia enorme, larga, fresquinha.
Completando o quadro, havia uma horda de hunos modernos - os argentinos, que fumavam um cigarro atrás do outro, como se estivessem na sala de suas casas, soltando aquela fumaça fétida de cigarro mata rato.
E o mar?
Bem, eu tinha a memória de um mar azul, transparente e convidativo, mas o que vi foi uma água marrom esverdeada, igualzinha a do meu amado Rio Uruguai viejo.
Ué, mas Bombinhas não era uma maravilha? eu pensava, quieta, ruminando, sob o calor abafado, que nem ventinho fresco soprava.
Nem tudo foi ruim.
No dia seguinte, fomos para Quatro Ilhas, esse sim, um lugar lindo, agradável, uma praia com cara de praia.
No quinto dia, deu-se que amanheci enjoada e aí começou o vomitório e não parou mais.
Resumo da ópera, voltamos para Porto Alegre, eu com febre e devolvendo até a água mineral que tomava e, claro, jurando a pies juntilhos que nunca jamais em tempo algum retornaria a Bombinhas, mas vão para o diabo que os carregue, praia suja, forrada de coliformes fecais, barulhenta, poeirenta, enfim, um nojo.
Dias depois, já recuperada, fui para Capão da Canoa.
No hotel que conheço, na praia que adoro.
Quando, no final da tarde, sentada num banco de uma pracinha senti aquela brisa maravilhosa vinda do mar, concluí que a intuição não falha e que as memórias afetivas, também não.
Não tinha como dar certo a minha ida a Santa Catarina.
Já em Capão da Canoa, só coisas boas vivi,  momentos espetaculares passei, junto com amigos, família, conhecidos, enfim.
E ali, tudo fluiu.
Estava tão bom, que até o mar vestiu-se de um azul transparente para me esperar.
Uma semana deliciosa, que me fez esquecer Bombinhas, a bomba, e me fez prestar muita atenção àquela vozinha interior que, muitas vezes, teimo em não querer atender.
Essa foi a primeira lição de 2016: ouça mais a si mesma, menina.
Separe o joio do trigo.
Abrace suas memórias boas.
E as ruins, que se explodam.
Como Bombinhas, a bomba.








quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

La Espiral

Lembro que, nas noites de verão na casa de minha avó materna, Adelaida, que ficava em Alvear, usavam um repelente para mosquitos chamado Espiral.
Era uma espiral verde,  pequena, engatada num pedacinho de metal. Acendiam a ponta daquela coisa fedorentíssima, a qual transformava-se em brasa e passava a queimar, lentamente, durante toda a noite.
Era um cheiro insuportável, mistura de flit com cheiro de queimado , e meu nariz, imediatamente, entupia.
Tá aí uma coisa que sempre detestei, dormir longe de casa.
Mas minha mãe maravilha adorava.
Para ela, era um programa e tanto ir passar unos dias en Alvear, en mi casa paterna, como ela dizia, à guiza de explicação.
Ocorre que não há, efetivamente, lugar melhor de se estar que na casa que nos viu nascer, crescer e embalar sonhos.
Eu, na condição de filha mais nova, criança ainda, com meus sete, oito anos, era arrastada, a contragosto para aquela
temporada, só que nada podia fazer.
Meu pai ficava no Itaqui, fulo da vida, mas não dizia nada, e nem precisava, apenas olhava para minha mãe com olhos de fogo.
O Alvear de minha infância era triste e poeirento, com seu silêncio de sepulcro na hora da sesta, momento venerado pelos argentinos mas por mim detestado, eu queria brincar, correr, nadar, mas precisava ficar quietinha, estirada sobre uma colcha que minha mãe colocava sobre o chão de ladrilhos vermelhos do corredor de entrada da casa da avó, el saguan.
Não se podia dar um pio, ou apareceriam Carlanco e Cambireca,  um casal que ficava andando sob o sol escaldante do verão apenas para levar consigo crianças teimosas que não queriam sestear.
Passava o dia, naquela base, mas o brabo, mesmo, era a noite.
Sentavan -se todos na calçada sob a luz da lua e das estrelas, pois havia uma única lâmpada no meio da rua, destinada a iluminar toda a quadra.
Os mosquitos zuniam adoidado, mas ninguém parecia se importar com eles, a conversa e as risadas ecoavam, minhas tias Alba e Maria Luísa, a avó Adelaida e minha mãe, uma alegre reunião das mulheres Fernández.
Chegava a hora de dormir e o tormento começava, lembro-me tão bem da voz de minha avó para minha mãe,  Kila, prede la Espiral.
Noite dos infernos, eu passava, chorando baixinho, louca de saudades do meu pai, da nossa casa, da minha cama.
Passados dois ou três dias, voltávamos para Itaqui.
Eu chegava e me atirava nos braços do meu pai, chorando e reclamando muito, e ele ria, ria a bandeiras despregadas, uma vez que ele, por seu lado, igualmente detestava o cheiro de espiral.
Muitos anos depois, me apaixonei por um argentino e aí, o Alvear transformou-se na cidade mais linda do mundo, e o cheiro de espiral ou de flit que minha tia Maria Luísa colocava no quarto usado por mim em nada me incomodava.
Eu chegava ao raiar do dia e, depois de ter dançado a noite inteira nos braços de aquel morocho divinome jogava na cama e dormia sorrindo, inebriada com tanta felicidade.
O que não faz o amor, hem?
Mas essa é uma outra história.