quarta-feira, 21 de novembro de 2018

O Túnel Estreito

Até a terceira sessão de quimio, ou seja, a metade do tratamento, eu estava indo muito bem.
Valente.
De repente, um belo dia, quando saí para almoçar, já na calçada senti uma sensação estranha: que lugar é este? o que estou fazendo aqui? Por que estou aqui?
Mas decidi prosseguir, subi na lotação e desci na frente do restaurante, onde tinha marcado com minha filha Karina.
Então, comecei a chorar e não parei mais.
Não conseguia.
Lembro que sentei num bloco de pedra pintado de branco, posto na calçada a título de banco, e ali fiquei, repetindo: eu quero ir pra casa; eu quero ir embora pra casa; me leva pra minha casa.
Senti uma saudade tão avassaladora de Itaqui e do meu gato Bibo que, lá pelas tantas, qual disco arranhado, as frases se resumiram a: me leva pra Itaqui, eu quero ver o meu Bibo, preciso ver o meu Bibo, me leva pro meu Itaqui!
Foi brabo!
Não sei como cheguei até o hospital, recordo que minha filha estava comigo, meu genro Pedro e, a partir dali, entrei num túnel estreito chamado transtorno de ansiedade dissociativa, assim me diagnosticaram.
Passei a sentir medo de tudo, até de tomar banho.
E se eu caísse no banho?
Fazia o impensável, em se tratando de Porto Alegre: deixava a porta do apartamento sem passar a chave.
Ia até o supermercado comprar pão todos os dias - eu, e meus hábitos interioranos, e sentia medo de passar mal, e um dia, realmente passei, comecei a suar muito, apesar do frio, e pedi ajuda.
O shopping Iguatemi, que adoro, me pareceu, de repente, claustrofóbico: muitas pessoas, muito barulho, muitas luzes.
Definitivamente, estava enlouquecendo, era o que eu pensava.
E chorava, com pena de mim.
Chorava de saudades de mim.
Por onde eu andava?
Todas as manhãs, tomando mate, que por sorte não enjoei, me perguntava: afinal, o que era aquilo que eu sentia?
Daquele tempo, que começou em agosto, até o final do tratamento, os dias foram complexos.
Demorei para entender e, sobretudo, aceitar, que não podia me curar sozinha, precisava do auxílio valioso da muletinha, como me disse carinhosamente o médico, algo temporário, sim, mas fundamental para minha qualidade de vida e dos que me cercavam.
Nunca gostei de tomar remédios, mas minha rebeldia cedeu lugar à razão, pois  não quero mais, Deus me guarde, nunca mais quero sentir o que senti naquele dia de agosto no qual, numa calçada de Porto Alegre, me perdi de mim mesma e de minhas referências, também elas, desaparecidas.
Meu corpo, a primeira delas que sumiu.
Acreditem, amigos, acho lindo ser gorda, e eu estava(e ainda estou) magra, e aqueles ossos saltados, cruzes, que coisa mais feia!
A vida em compasso de espera, contados, os dias, entre uma sessão de quimio e outra.
Vinte e um dias.
Frequentava uma ONG, fazia uma que outra tarefa, caminhava, mas fazia tudo inventando uma  vontade que estava longe de sentir.
Aquela pessoa medrosa e apavorada que se assustava até com o barulho da tampa da chaleira caindo não era eu.
Passados dois meses do final do tratamento, o pânico e o medo decidiram ir embora.
As  pequenas vitórias e conquistas diárias, somadas, foram trazendo a sensação de retorno à normalidade e ao meu cotidiano simples, me adicionando força.
Não preciso mais pintar as sobrancelhas nem os cílios: de uma dia para o outro, eles reapareceram!
O cabelo está crescendo e, embora sua falta não tenha me afetado, não posso negar que fico feliz quando me olho no espelho e vejo que ele vem voltando.
A travessia daquele túnel estreito, onde me debati durante meses, cheia de temores, chegou ao fim.
Saí para a luz do amanhecer que chegava, carregado de promessas, e corri para me abraçar.






















quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Cicatrizes

 Mutilada.
Assim me senti, num dia qualquer daquelas " semanas de anos".
Pelo tempo comum,  do dia 7 de janeiro até o dia 25 de setembro de 2018.
Pensava em tudo que eu não tinha mais dentro de mim, e que precisou ser retirado.
Melhor não pensar.
Há fatos que são tão complexos que a mente decide: não!
Mas eu me refiro, na verdade, às marcas físicas e emocionais, às cicatrizes que ficaram.
Marcas de guerra.
Nunca, em tempo algum, me revoltei.
Apenas me perguntava: onde terei errado?
Para logo após entender que não era essa a pergunta e, sim, " o que é que eu preciso aprender?"
O que é que eu preciso enxergar e começar a praticar, o que é que eu preciso mudar?
Pois antes de tudo, eu era um ser pedante e cheia de mim.
A tal ponto que ignorava o sofrimento alheio, por puro comodismo: era mais fácil ficar sentada no sofá que sair para secar as lágrimas de um amigo, ou cuidar de um doente.
O que é que eu preciso aprender?
A romper o casulo do meu egoísmo e ir ao encontro do outro sem que ele me chame, vou porque preciso aprender a ser solidária.
O que é que eu preciso enxergar e começar a praticar?
Os sentimentos do outro, a vida do outro, as angústias do outro, e praticar a  paz, a serenidade, o perdão, a paciência que nunca tive, e, novamente, a solidariedade, o tentar estar no lugar do outro.
O que é que eu preciso mudar?
Infinitas coisas.
São mudanças estruturais, daquelas que a gente faz quando, por exemplo, havido um terremoto, nossa casa é destruída e poucas coisas sobram.
Assim me sinto, amigos.
Um terremoto passou pela minha vida e fez terra arrasada, arrastando todas as inúteis quinquilharias que  acumulei e que de nada me serviram quando me vi frente a frente com minhas cicatrizes: as físicas, e as da alma.
Estas últimas vieram todas à baila, e me impuseram: muda! aprende! enxerga! pratica!
As cicatrizes físicas, marcadas na pele, literalmente,  ficaram para contar a minha história, e não tenho problema algum com elas pois, de alguma forma, me fazem lembrar, todos os dias que minha fé e minha coragem, o terremoto não derrubou.








Nossa Senhora de Guadalupe

Tudo o que eu puder dizer sobre Nossa Senhora de Guadalupe será pouco.
Ínfimo, haja vista os tantos milagres que realizou em mim.
Não há como duvidar, embora, muitas vezes, o demônio tenha vindo me assoprar, zombeteiro e cheio de si, que nada daquilo era verdade.
É que nós, seres humanos, e eu, principalmente, sou muitas vezes como São Tomé, preciso ver para crer.
O que não deixa de ser um absurdo e uma falta de fé.
Em todo o percurso do deserto que atravessei e ainda atravesso, eis que daquele tempo ficaram resquícios e ainda não os curei de um todo, nada teria sido possível sem a fé que me amparava.
Uma fé fraca, eu diria.
Mas tudo o que eu pedia, e peço, é que jamais, em tempo algum, Deus permita que eu perca a fé.
Que não se aparte de mim a energia dos seres de luz,  pessoas de carne e osso iguais a nós, que andaram por esta Terra, mas foram tocados pelas Divinas Mãos, e operaram milagres.
Eu fiquei tão abismada com o que me aconteceu que até o presente momento ainda me encontro bastante perdida, pois se antes do diagnóstico e de seus desdobramentos havia uma Lia, agora emerge outra, e esta, nem eu mesma sei muito bem quem é.
Estamos nos reconhecendo lentamente, ela eu eu.
A começar pela figura que vejo no espelho, a qual não traduz o que eu era há um ano.
Dez quilos mais magra, com uns parcos fios de cabelo - brancos, as orelhas parece que dobraram de tamanho, e as rugas se multiplicaram.
Procuro não olhar para minhas fotos de antes, ainda não estou preparada.
Quando conseguir juntar as duas Lias, terá havido a superação.
Por enquanto, estranho muito ter que pintar as sobrancelhas todos os dias, e os poucos cílios que sobraram.
A cor, entretanto, está voltando.
Tão difícil quanto enfrentar a quimioterapia é desbravar o caminho que se abre após o final do tratamento.
Tudo está tão diferente, a começar por nós mesmos, que é um exercício complexo recomeçar.
De onde?
Qual o ponto?
Para onde vou?
Enfrentar os medos que nos rondam, cada um aprenderá, certamente, a melhor forma.
A família ajuda, os amigos ajudam, os conhecidos ajudam.
Todos procuram te amparar, e externar sua solidariedade e afeto.
Mas nosso eu interno, aquele eu que se quebrou todinho, que se viu reduzido a nada, esse é o que precisa ser reconstruído todos os dias, devagar, lentamente, com infinita paciência.
Não há fórmula para isso, nós mesmos precisaremos descobrir qual a alquimia, a magia que nos fará nascer outra vez.
Nossa Senhora de Guadalupe, da qual minha Mãe era devota e, devo confessar a vocês, não sei como essa devoção chegou até mim, a Ela tenho recorrido, juntamente com Nossa Senhora Aparecida, com Santa Rita de Cássia, com Santo Antônio, com São Miguel Arcanjo.
São Eles que, nas horas negras e de muita aflição, de uma forma ou de outra, me respondem.
Estive no fundo de um poço e hoje, quando olho para trás - exercício que procuro não fazer, pois me deixa ruim, vejo como, em todos os momentos, tive as Mãos sagradas de Nossa Senhora a me amparar, a não me deixar só.
Assim como em outra situação dolorosa de minha vida ocorrida há muitos anos, Santa Teresa de Jesus me resgatou, desta vez, Nossa Senhora de Guadalupe está aqui, presença constante e amorosa.
O tempo vai passando e a sensação de que aquele tempo está ficando cada vez mais distante,  cada dia se torna mais real.
Tenho contado com o valor inestimável dos médicos, de psicólogos, de amigos maravilhosos que me pegam no colo e me cuidam, me mimam, me transmitem força e energia do bem.
O que seria de nós, meus amigos, sem amor?
Ao lado dos medicamentos tradicionais, o amor é um bálsamo poderoso, pois cura e restaura nossa alma, recolhendo, conosco, os pedacinhos partidos.
Gentilmente, a ternura que só os que amam conhecem vai nos ajudando a  formar um desenho novo, um quadro cheio de cores e de muitas histórias, marcas, cicatrizes e vivências.
Essa trajetória, sob os raios luminosos de Nossa Senhora de Guadalupe, tem como guia maior a fé, norte dos caminhos a seguir, bandeira que devemos erguer bem alto, para que todos saibam que, sem fé, e sem amor, nossa vida não tem sentido.





quarta-feira, 5 de setembro de 2018

O Galã Da Praça

Há uma praça linda que fica a quatro quadras do apartamento das minhas filhas e lá costumo caminhar, sempre que possível.
É bom que se diga que chego ali e me jogo num banco para recuperar o fôlego, sureco em razão da quimio,   observar o entorno, que é muito bonito, repleto de árvores, flores, muitos pássaros, grama verdinha, e um clima de muita tranquilidade.
Após algum tempo, começo a caminhar lentamente, pois também não consigo andar rápido, mas isso não me impede de curtir muito aqueles momentos.
Dia desses, havia um casal fazendo, também, sua caminhada.
Passaram por mim e ficaram me olhando.
 Certamente eu, com a careca brilhando ao sol e com a boca pintada de batom bem vermelho devo ser uma figura, no mínimo, pitoresca.
Sem contar as orelhas de abano!
Nem tô!
A ausência de cabelo nunca me incomodou, não comprei perucas nem lenços e uso touca em razão do frio, mas quando está calor, saio bem campante pra sentir o sopro do vento me esparramando a melena que, de momento, não possuo.
Sei que o casal me cumprimentou com um boa tarde, ao qual, educadamente, respondi.
Na outra volta, o senhor, que deveria estar com seus setenta e vários, ao passar por mim, perguntou: tá caminhando sozinha, amiga? e eu, sim.
No dia seguinte, logo ao chegar na praça me deparei com o senhor, que veio ao meu encontro e lascou: hoje vou caminhar contigo!
Eu não sabia muito bem se ria, se chorava ou se disparava, mas como fui educada pela Dona Kila e estudei do Colégio das Freiras, o nosso amado Santa Teresa, dei uma paradinha e falei um tá...
Aquele sem um pingo de vontade, abestalhado, uma mistura de cansaço, sol na careca, quimio...
E muito, sobretudo, porque sou cem por cento interiorana, não consigo internalizar aquele viés de desconfiança que as pessoas de cidades grandes têm, é algo inato: não fale com estranhos...
Não possuo esse instinto, à primeira vista confio, acredito, sei que não é bom, mas não me aguento, chego na padaria do supermercado e cumprimento os funcionários, que já me conhecem e me dizem oi, meu anjo, oi, querida, tudo bem contigo, entro e saio do prédio e converso com os porteiros, com as pessoas da manutenção, que igualmente me tratam muito bem e sempre querem saber de mim, vou a três salões de beleza e todos me conhecem.
E adoro interagir com as pessoas, essa é a Lia.
Como diria minha Mãe, com sua voz tão suave e  um misto de escândalo e riso no olhar: pero nena...
Volta.
A praça estava cheia de gente.
Não caminhei e me sentei no primeiro banco que encontrei, vai saber...
E a sua esposa, não veio hoje? perguntei.
Eu sou viúvo, aquela senhora é minha vizinha, aliás, ando procurando uma companheira, sabe, detesto ficar sozinho, qual é teu estado civil?
Assim, na bucha!
O senhor queria saber o meu estado civil!
Francamente!
Certas coisas acontecem somente comigo, fala sério!
Não é possível, pensei: estou levando uma cantada barata, às 15 horas, careca, orelhuda e com muitas rugas à mostra, com a cara no sol.
Que tal, hem!
Analisei minhas possibilidades, caso fosse algum tarado ou coisa parecida: havia muitas pessoas ali e o cidadão, bem mais velho que eu, magro; talvez eu conseguisse fugir com facilidade...o sol e a quimio estão afetando tuas faculdades mentais, por favor!
Fato é que dei um desdobre no galã da praça e me arranquei de volta pra casa.
Não deu pra caminhar.
Afinal, era só o me que faltava na vida caminhar a passo de tartaruga com um desconhecido numa praça de Porto Alegre, escutando sandices.
Com um gosto amargo na boca,  me senti uma completa imbecil ante aquela situação tão inusitada.
Não voltei mais à praça, mas fiquei ruminando com aquilo.
Mas que desaforo daquele homem! Pensa que sou idiota! 
E a minha voz interna, rindo litros, respondendo: sim, ahahahahah!
Tenho um defeito grave, não deixo nada sem resposta e, naquele dia, deixei.
Esse fato só piora o bate papo com a maldita vozinha interna.
Resumindo: a educação do Colégio das Freiras está sendo substituída pela minha porção Felipe Néry que até então se resguardara (tempos maravilhosos em  que eu era selvagem e brigava na saída do colégio com pedradas e muito cuspe).
O tempo chuvoso dos últimos dias me impediu de sair para caminhar, o que conta a meu favor, já que estou pegando pressão.
O galã da praça que me aguarde!
E minha insuportável voz interna, também.







quinta-feira, 30 de agosto de 2018

O Afeto Que Cura

Desde o diagnóstico, a cirurgia e seis sessões de quimioterapia, das quais já fiz quatro, tenho vivido tantas emoções e sensações distintas que passei meses sem postar absolutamente nada e, inclusive, sequer abri a página deste blog que criei com tanto carinho e desejo.
Para poupar meus leitores de ler coisas tristes e pesadas, pois era assim que me sentia e, não vou mentir, ainda me sinto, na maior parte do tempo.
Entretanto, com a proximidade do final do tratamento, estou me permitindo sonhar outra vez.
Há um sem número de pensamentos que vão e vêm, e neles, nos bons, estou me segurando.
Não tem sido fácil esta trilha que Deus me mandou caminhar.
Um caminho tão pedregoso e árido que, para atravessá-lo e chegar ao oásis, ao topo da montanha e avistar uma paisagem deslumbrante, à beira do mar e sentar e apenas observar o vai e vem das ondas é preciso coragem, força e muita, mas muita Fé.
Fé, com letra maiúscula.
A força do pensamento de mãos dadas com a Fé, com Aquele que nos criou, seus Santos, seus Anjos, com nossas crenças espirituais.
Bem difícil, mas fundamental.
Para conseguir, tenho me valido de terapia, de meditação, de lugares que me acalmam e, claro, de um calmantezinho fraco; não é o remédio de china velha que meu Pai tomava, mas tem me ajudado, e muito.
Como me disse o médico, uma muletinha.
Que procuro, valentemente, não tomar todos os dias, mas é preciso reconhecer que há dias e dias.
Estou em Porto Alegre desde o dia 7 de janeiro, desde o início do ano, portanto.
Nesse tempo, tenho contado com o apoio incondicional da minha Família, dos amigos, dos vizinhos, dos conhecidos e até de desconhecidos, como aquele motorista de táxi que, ao me ver tão acabrunhada,  me disse, ao final da corrida: Não fique triste, senhora. Ele, Deus, existe, e no final, dá tudo certo, acredite!
São pequenos milagres que nos acontecem e sequer nos damos conta.
É um Anjo que nos assopra, Deus está contigo.
É um amigo que não viamos há muito tempo e que surge, vem, nos abraça, nos diz com todas as letras um eu te amo muito, amiga!, segura nossas mãos, nos abraça outra vez, nos diz palavras positivas que nos impulsionam para a frente, que nos estimulam a continuar.
É o afeto que cura!
Sim, amigos, o amor é o mais poderoso de todos os remédios.
Sem AMOR, eu nada seria, nada!
E esse amor me tem sido dado, as pessoas que me cercam e até meus seres de luz o tem enviado, em forma de sonhos fugazes mas, nem por isso, menos intensos.
Eu não posso e nem devo ser injusta e mal agradecida, por isso não nomeio ninguém, mas os meus afetos sabem que estão, cada qual com sua parcela, construindo, dia a dia, lado a lado comigo, a minha cura.
E foram esses mesmos amores que me levaram, hoje, a abrir a página do blog e a publicar esta postagem.
A recomeçar a caminhar, mesmo de que forma lenta e gradual, sem a ajuda de muletinhas, mas sustentada pela Fé e pelo amor daqueles que querem o meu bem, que gostam de mim e que externam em palavras, gestos, mensagens e muitos beijos e muitos abraços, o seu afeto.
O afeto que cura!
Obrigada, amigos!!!



segunda-feira, 23 de abril de 2018

Exílio Forçado

Exilada do meu pago
Meu adorado Itaqui
Saudade que afoga o peito
E a gente não acha o jeito
De ficar longe de ti

Num tempo nem tão distante
Pensei até em me mudar
Para uma cidade grande
Para voltar a estudar
Sair muito
Passear

Mal sabia que seria
De maneira obrigada
Da minha terra exilada
Pra passar as madrugadas
Solita e triste chorando
De tanta falta de ti

E que tal o desvario
De ter pensado que um dia
Bem campante eu estaria
Vivendo longe de ti

Somente agora vejo
Que de ti, minha terra amada
Jamais quero me apartar
Por isso rogo a Deus todo dia
Que o tempo ande ligeiro
Para que eu possa voltar

Voltar para a minha rua
E ver do meu pátio a Lua
Ouvir a chuva cantar
Acordar com os passarinhos
E o vento soprando suave
Itaqui dos meus amores
Eu te canto com louvores
Para sempre vou te amar







domingo, 22 de abril de 2018

A Mulher Que Não Queria Fazer Plástica

Faz tempo que penso sobre a questão das cirurgias plásticas, as quais crescem no Brasil de forma estratosférica.
O que leva uma mulher a procurar tais recursos?
A mim não cabe responder, pois isso é muito particular e está ligado, certamente, a questões e fatores de ordem interna.
Falo de mim, e por mim, exclusivamente.
De início, deixo claro que não teço, aqui, qualquer crítica a quem é adepta da cirurgia estética, ao contrário, admiro e invejo, eis que sou, assumidamente, vil para a dor e tenho um pavor atávico a clínicas, hospitais e assemelhados e, assim sendo, não penso em me internar de foma espontânea, entrar sã e sair cheia de cortes e hematomas que resultarão, dali certo tempo, em um resultado muito bom, não resta dúvida.
Mas não é a minha praia.
De criança magra passei a ser uma adolescente gorda, talvez resultado da Emulsão de Polivitaminas que minha Mãe me dava todos os dias, após o café da manhã.
Como lembro daquela cena: eu, paradinha ao lado do filtro de água que ficava no balcão da copa e a Mãe, com uma colherinha de chá, me fazia engolir aquele líquido que tinha um gosto de mel levemente amargo.
Tá.
Fato é que minhas gorduras localizadas, peitos grandes, bunda grande e culotes fazem parte da minha vida e me acompanham desde os treze anos.
Viveram comigo grandes emoções, desde o primeiro beijo à primeira transa, celebraram o amor, a formação acadêmica, os foras, dois casamentos, o nascimento de minhas filhas, a volta para minha cidade natal, Itaqui, depois de doze anos de Capital...as delícias e as tristezas da Vida, enfim.
Meu corpo resistiu bravamente a todos os embates e seguiu, lépido e faceiro, embora os sinais do tempo começassem  a se tornar bem visíveis, pois aos 56 anos não há mágica.
Apenas a mágica da cirurgia plástica, ou os tratamentos menos invasivos, Botox, preenchimento, etc...
Foi assim que optei pelo tão festejado Botox, e disso faz quatro anos.
Olhando, hoje, fotos minhas daquela época em que, toda botocada e de sobrancelhas feitas...ahhh, esqueci o detalhe das sobrancelhas: refiz as minhas, que estavam ralas e com os fios muito claros.
Pois bem, revendo aquelas fotos nas quais, supostamente, eu deveria estar muito bem, confesso que me achei horrível!
Sim, horrível!
As sobrancelhas pareciam ter vida própria, tão marcadas estavam!
Como resultado do Botox e do preenchimento, virei uma mistura de gafanhoto com o Fofão, meu nariz ficou estranho, um arrebitado estranho...
Não ficou nada bem, hoje eu vejo.
Por que não era natural.
Por que não era eu, com minha bagagem.
No início deste ano, logo após meu diagnóstico, meu corpo começou a encolher.
Meus peitões sumiram, a bunda ficou reduzida a...bueno, não sei...e até meus culotes desapareceram.
Cara, de um dia para o outro, eu não tinha mais nem ão, nem ões, nem nada!
Minha médica falou, rindo,  que eu era um caso à parte, e que ela jamais tinha visto uma mulher chorar por ter perdido os culotes. Sendo ela professora universitária, autorizei-a a contar aos alunos o estranho caso da mulher que não queria fazer plástica e que chorava a perda de suas gorduras localizadas.
Fiz a cirurgia há oito dias.
Mais uma etapa vencida nesta luta que será de glórias, Deus é mais!
E meu corpo, que estava triste, murcho, sem viço, está se recuperando a cada dia.
Despacito vai se ajeitando.
Tenho mantido com ele longas conversas de amor, beijo-o,  agradeço a ele pela força, pelo empenho, e combinamos, nós dois, que voltaremos: ele, a envolver carinhosamente uma gorda feliz, e eu a exibir, orgulhosa, o que me identifica, pois não sou Lia sem ter ãos e ões, é meu carimbo e minha marca registradíssima, da qual não pretendo me desfazer, basta o que perdi.
Pergunte-me, então, se quero fazer uma cirurgia plástica, e a resposta será um rotundo não!
Estou muito à vontade ante passagem do tempo, e com as cicatrizes que ele deixou.
Elas me lembram, todos os dias, quem sou e como sou - modelo único e sem similar no mercado, com todas as minhas verdades, contradições, sonhos, planos, projetos, desejos...
Como me disse certa vez minha Mãe,  em um de seus lances geniais: nena, increíble como no tenés complejos...
Não os tenho!
Concluo, portanto, com tudo o que tenho visto e vivido nestes últimos meses, que minha aversão à cirurgia plástica e a seus derivados, e meu amor inconteste por meus culotes e gorduras, efetivamente, merecem estudo.















segunda-feira, 16 de abril de 2018

Sincronias

A gente conversa com uns e outros e todos são unânimes quando afirmam que nada é por acaso.
Nesta minha jornada em busca da cura tenho experimentado sensações dignas de nota, e o objetivo de por no papel as vivências desses dias difíceis é dividi-las e quem sabe poder ajudar outras pessoas, ainda que de uma pequena maneira.
O corpo físico fica decrépito, feio, sem viço, sente os traumas.
O espírito, entretanto, embora acabrunhado num primeiro momento, logo se reergue, apoiado em nossas crenças, na fé que nutrimos e alimentamos dia após dia, mesmo naquelas horas negras em que só fazemos chorar.
Duvidar do poder Divino, jamais!
Assim aconteceu comigo, e faço este relato para que fique gravado:
Internada para exames pré operatórios uma semana antes da cirurgia, vivi dias tristes,  cinzentos, onde sentia um profundo desespero e uma vontade infernal de cortar a pulseira de identificação de paciente e sair em desabalada carreira rumo à liberdade.
Que liberdade? Eu estava doente e precisava permanecer ali.
Não tem plano B,  me disse uma amiga.
Verdade.
Não havia escapatória.
Das janelas amplas do corredor do andar onde eu estava olhava a rua, de uma lado, e a parte interna do hospital, do outro lado.
Decidi me exercitar.
Subia e descia a escada entre os andares, várias vezes ao dia.
Olhava pelas janelas e agradecia a Deus por mais um dia, por estar sendo cuidada, por ter bons médicos,  pela minha disposição de lutar e de vencer, pois se não havia plano B para sair dali, tampouco eu pensava em outra coisa que não a cura completa.
Lutar e lutar até vencer.
Lembrava de meus avós e de suas vidas, de meus tios e tias, de meu Pai e de minha Mãe, e pedia forças.
Pedia e pedia, pois acreditava, e acredito.
E fui atendida, regiamente recompensada.
Refiro-me, aqui, às sincronias que aconteceram.
Havia uma enfermeira que olhava para mim e sorria. Sentia pena, eu sei, pois ela via  meu sofrimento.
Certa noite ficamos no corredor conversando abobrinhas e, a certa altura, ela me perguntou: de que signo tu és?
E eu: de gêmeos.
E tu?
Sou do dia 21 de junho.
Amigos, 21 de junho era o dia do aniversário de meu avô paterno, Atílio.
Na hora, pensei, e falei a ela: meu avô Atílio está aqui, me dando força através de ti.
E ela: nada é por acaso...
Na véspera de um dos tantos exames que fiz passei uma noite insone, a tal ponto que desisti de tentar dormir e fiquei recostada na cama, esperando o dia chegar, mas num certo momento cochilei, e sonhei, vi, e senti:
Recostado sobre a janela do quarto, em pé, olhando para mim estava Emanuel, com suas vestes brancas.
Olhava, sério, e não dizia nada, mas estava ali.
Logo após,  meu grande e amado amigo Michel Ayub, que não está mais aqui há mais de vinte anos surgiu ao  lado e, rindo, me disse, " não te preocupa com isso, tu não tens nada, que bobagem, ficar preocupada", e continuou rindo, a tal ponto que senti um sopro de ar morno em meu ouvido direito.
De fato, meu exame do dia seguinte não apresentou nenhuma alteração, tudo certo.
Estava liberada, e teria que retornar em dois dias para a cirurgia.
Já em casa, minha filha Marina me presenteou com uma sessão de Reiki e lá fui,  feliz da vida, pois estar no espaço de terapia alternativa de minha querida amiga Renata Duarte é uma bênção e um luxo.
Ao término da sessão, ela encerrou com a Oração de Proteção a São Miguel Arcanjo.
Fiquei tão impressionada com seu conteúdo que fui pesquisar e, por óbvio, também passei a rezar e a pedir por sua intercessão.
São Miguel Arcanjo, o Príncipe das Milícias Celestes, o Guardião do Paraíso, o Anjo mais próximo a Deus, invocado para por quem necessita de cura e de força para enfrentar uma dura batalha, cujo nome, em árabe, é Michel...e o meu amigo Michel era árabe...
Emanuel, que significa " Deus está conosco"...
E, já no bloco cirúrgico, veio falar comigo o anestesista, e me contou que é uruguaio e eu disse a ele que minha Mãe era argentina e ele, prontamente, me abraçando, começou a cantarolar uma música que ela cantava para mim quando eu, criança, me machucava ou ficava doente: sana sana, culito de rana, si no sana hoy sanará mañana.
Não tive como não pensar que, com milhares de anestesistas, me tocara justamente aquele, que cantou para mim uma musiquinha infantil em espanhol, a língua materna...
Estaria minha Mãe ali comigo, sabendo de toda minha aflição e medo?
Esses fatos aconteceram comigo e hoje, quatro dias após a cirurgia, considerada um sucesso pelos médicos, estou em casa me recuperando, me recompondo e, mais do que nunca, firme em minha fé em Deus e em seus Anjos e Santos, em meus seres de luz que, de uma ou de outra forma, se fizeram presentes nos momentos mais duros da minha vida.
Realmente, queridos amigos, nada é por acaso!






quarta-feira, 21 de março de 2018

A Fé Que Nos Sustenta

Quando nos deparamos com um diagnóstico ruim, vários caminhos surgem a nossa frente.
Em um primeiro momento, o impacto causado pela notícia de que estamos doentes nos empurra para um abismo que se abre diante de nossos pés, e onde só há escuridão.
Um torvelinho de emoções desencontradas passa por nossa cabeça, um sem fim de questionamentos vêm à tona, e o que sobressai, sem sombra de dúvidas, é o medo.
Medo do que teremos que enfrentar, da longa e desconhecida estrada que precisaremos percorrer, e de não termos mais o controle de nossas vidas.
Não podemos mais dispor do tempo como dantes.
O relógio está correndo e os ponteiros enlouqueceram, pois quando precisamos que o tempo passe rápido, ele teima em ficar se arrastando; se queremos detê-lo, o dia seguinte chegou.
Sem embargo da negritude inicial, um dia acordamos e enxergamos pequenas chamas que brilham: são as escolhas, acenando para nós.
Embora elas estejam ao nosso alcance, somos capazes de ficar chorando muito em um dia lindo de verão, diluindo-o em lágrimas que não cessam de cair e ensopam o rosto, a blusa, a saia, a almofada...
Depois de longo tempo, sobram olhos vermelhos e inchados, um nariz roxo, e uma sensação de vazio.
Esses são os primeiros dias.
Mais adiante, num segundo momento, começamos a reagir.
Lentamente, é verdade, pois há noites insones, nas quais o sono vem mas logo vai embora e ficamos perdidos num redomoinho de pensamentos lúgubres.
Entretanto, o pânico vai cedendo lugar a uma certa serenidade, e eis que vão surgindo ao longo desse percurso pessoas que nos estendem as mãos, verdadeiros anjos, muitos deles anônimos que sequer nos conhecem, mas fazem questão de dizer aquela palavra solidária e afetiva.
A família e os amigos se manifestam e, no dizer de Cícero, " E quando você menos espera, um abraço te surpreende com poder de cura".
Sim, os abraços são curativos!
Mas o que realmente nos impulsiona para a frente e nos faz sair da condição paralisante imposta pelo medo é a fé.
A fé, em suas mais distintas manifestações e singularidades e formas de expressão é a via que nos leva a acreditar novamente em coisas boas, a ir à luta, a sair do torpor e a encarar de frente todos, mas absolutamente todos os desafios.
Todos os caminhos levam a Deus, essa Energia Divina que nos faz acordar e enxergar um novo dia.
É Deus quem nos dá a força necessária para transpormos as pedras e os obstáculos ao longo da via.
Postos à prova, nosso maior pilar de sustentação é a Fé.
Essa Fé nos afasta do abismo, das noites de triste vigília, dos dias em que tentamos parar de chorar e simplesmente não conseguimos, cedendo lugar a um tempo novo.
Optamos por sorrir e vestir a roupa da coragem, tendo a Fé como escudo protetor e a esperança como fiel escudeira.
Escolhemos repensar nossos valores e atitudes, valorizando cada minuto desta dádiva chamada Vida.







quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Batida de Banana

Dia desses, estava com minha Nutricionista favorita - minha filha Karina, trocando ideias sobre alimentos saudáveis, refeições, lanches e outros que tais quando, lá pelas tantas, ela sugeriu que, no meio da tarde, quando eu sentisse fome, fizesse uma batida de banana, e me deu uma explicação técnica sobre os benefícios da banana adicionada ao leite.
De férias e com as tardes de verão que convidam à preguiça, estirada sobre o sofá e lendo minha ZH que amo...
Parentese: observem, queridos leitores, como sou saliente e chamo de "meus" objetos que, de forma alguma, me pertencem: o ônibus que vai de Itaqui a Porto Alegre e vice versa, meu glorioso Planaltão, o Jornal Zero Hora...é que faz tanto tempo que convivo com eles...
Enfim.
Devo estar ficando um pouco louca.
Voltemos à batida de banana.
O ar da praia dá muita fome.
Comecei a pensar em sair assim, sem pressa alguma, de chinelinho de dedo, vestidinho solto, cabelo preso, zero make, brincos e outras ervas, nem pensar, e ir até a padaria comprar alguns salgadinhos: empadinhas, croquetes, pastelzinho de massa folhada e uma coca cola bem gelada.
Que coisa boa!!!
Comentei com minha Nutri o desejo de me atracar nessas delícias e ela, com toda a calma, sugeriu:
Faz uma batida de banana.
Sem graça!
Foi o que pensei, mas resolvi aderir, escolhi uma bela banana, leite gelado, pronto, feita a batida.
Geladinha, com muita espuma, comecei a tomar e a memória foi retrocedendo até encontrar um outro dia, num outro tempo.
Meu Pai adorava batida de banana!
Cada vez que íamos a Uruguaiana, ele fazia questão de ir até uma padaria onde, dentre outras delícias, serviam batida de banana, morite!
Sentávamos, os dois, numa estreita mesinha e ele, com seu vozeirão, pedia: " companheiro, me vê duas batidas de bananas, uma para mim e outra para esta moça aqui", e ria!
Ria de pura alegria, e eu ria também, ele com sua moça de dez anos de idade, e eu com meu herói.
Era uma delícia, aquela batida de banana, cuja espuma nos deixava com bigodes brancos.
Durava uma meia hora, aquela volta toda!
Saíamos de lá de mãos dadas, felizes e cheios de energia, rindo à toa.
A receita na minha Nutri deu certo: fiz a batida, tomei três copos e aqui me encontro, com muitos planos e um gás extra.
Seria a bebida da felicidade?
Não sei.
O complemento foi um pão torrado com muito patê de fígado e requeijão.
Talvez esse seja o segredo, a final: as coisas simples da vida são as melhores!









quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Perdimentos e Reencontros

Durante longo tempo, cavalguei num Tordilho todo enfeitado.
Fiz questão de adornar meu cavalo negro com as plumas da arrogância e da insensatez e saí, mundo afora, sem olhar para os lados e, muito menos, para trás.
Não pensava no dia de amanhã, qual o quê!
Batia, em meu rosto, o vento morno da indiferença para com meus semelhantes e seus males.
Imaginava, em minha completa ignorância, que fazer caridade, ser "bom" e ir a Missa regularmente seria uma espécie de salvo conduto que me livraria "de todo o mal, amém".
Naquele tempo de tamanho perdimento existencial,  exibir-me com meu corcel emplumado, andando para lá e para cá, acompanhada pela cegueira do egoísmo, era o que me bastava.
Eu pensava que era boazinha e que o fato de não praticar atos ruins e cruéis seria suficiente.
Ledo engano.
Percorri anos a fio esse caminho, impulsionada pela soberba e, tão deslumbrada estava que não me dava conta que ia deixando, por onde passava, partes de mim, e me perdendo dos outros, ignorava solenemente os que encontrava ao longo desta via chamada Vida.
Quando, um belo dia, surgiu a minha frente um obstáculo que me obrigou a interromper, subitamente e sem aviso a marcha da vaidade, o Tordilho se empinou e quase me derrubou.
Ficamos parados ali, nós dois, olhando a cena que começava a se desenrolar a nossa frente.
Desci do cavalo, e rápido, pois não houve tempo para questionamentos.
Pouco a pouco, livrei-o dos seus muitos adereços, todos eles, concluía eu naqueles momentos, absolutamente inúteis: a arrogância saiu de fininho, envergonhada; a insensatez cedeu lugar às interrogações; a indiferença deu passo à solidariedade e me fez enxergar coisas dantes nunca vistas; o egoísmo, apavorado, escafedeu-se.
O Tordilho confundiu-se com o pretume da noite sem Lua, e também desapareceu.
A pé e sem enfeites me vi, diante de um caminho desconhecido e assustador.
Noite escura, breu, e a solidão e o medo.
Muito medo.
Para onde irei?
Eis que, pouco a pouco, começaram a aparecer algumas luzes.
E pessoas, muitas pessoas!
Cada uma delas segurou minhas mãos e foram me impelindo a seguir adiante, um passo e outro passo, um dia e outro dia.
De repente, não estava mais só.
A beleza da amizade, a pureza dos amores, o abraço solidário e desinteressado e sincero devolveram-me tantas coisas que eu havia perdido pelo caminho que, desse reencontro comigo mesma, resgatei um valor esquecido, mas fundamental: a humildade.
Agora, ando sobre minhas próprias pernas, de mãos estendidas para os outros, com os outros e pelos outros.
Não mais me interessam as futilidades que tanta energia me roubaram, menos ainda, tordilhos ajaezados.
Há tantas riquezas a nossa volta que, quando olhamos de cima, sequer percebemos: nossos bichos de estimação, flores, um céu lindo e um sol radiante, a chuva que cai e renova tudo, estar ao lado de quem amamos,ajudar quem não conhecemos...
Este é o primeiro capítulo de uma história de muitos reencontros.
Aguardem os próximos!










quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Missa De Formatura

Ontem foi a Missa de Formatura de minha filha Karina, Formanda no curso de Nutrição.
Chegar a PUCRS, por si só já é algo que me emociona.
Ali estudei, fiz amigos, namorei muito um estudante de jornalismo da FAMECOS, ri a bandeiras despregadas a ponto de o professor de Processo Civil me pedir para que eu me retirasse da sala de aula, chorei quando tirei quatro em Direito Tributário, chorei quando tirei dez em Direito Comercial mas chorei, mesmo, quando vi meu nome na lista dos que haviam concluído a graduação.
De tudo isso lembrei quando entrei, pela quarta vez, na Capela da universidade.
Minha Missa de Formatura foi às dez horas de uma manhã quente, mas meus Pais e eu estávamos tão felizes que não nos preocupamos com o calor.
Não havia ar condicionado, quiçá tivesse uma meia dúzia de ventiladores, mas nós, apinhados ali - turma grande, mais familiares, apenas sentíamos a ventura de poder agradecer a Deus.
Era o que bastava, era a medida perfeita.
Passaram-se trinta e quatro anos daquele 29 de dezembro de 1983 e, até a presente data, formei três filhas na mesma universidade.
Uma glória, admito, sem qualquer modéstia.
Pois não foi fácil para mim, mãe italianíssima e argentina, ver minhas filhas saírem de casa para escrever suas próprias histórias e começar a semear no campo de sonhos, iniciando a arquitetura de seus destinos com a semeadura de todos os dias, das noites passadas em claro estudando para provas, dos domingos e feriados inexistentes, da saudade de casa, das massas miojo, salsicha e ovo cozido, do estágio obrigatório, da elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso, da correria para conseguir conciliar estágio remunerado, estágio obrigatório, apresentação do TCC, provas finais e, finalmente, poder dizer, com aquela felicidade sem igual: "terminei, conclui, acabou, agora, só pela Formatura"!
Quem viveu esses momentos únicos sabe do que estou falando.
E eis que, mais uma vez, de outra Missa de Formatura me toca participar.
Quanta emoção ao entrar naquela Capela linda!
Sou chorona de carteirinha mas banquei a forte, afinal, quantas vezes vi esse filme, disse a mim mesma...
Não!
Nada de forte, nada de "sem lágrimas", nem pensar.
Não vou fingir que sou outra pessoa.
Aqui está uma mãe agradecida a Deus por todo esse caminho percorrido, orgulhosa de suas filhas, feliz.
Portanto, quando o coro iniciou " Tu és, Senhor, o meu Pastor, por isso nada, em minha vida, faltará", abri as comportas.
A maquiagem foi pro brejo, os olhos ficaram vermelhos, meras insignificâncias ante a celebração de mais uma vitória da persistência, da tenacidade, do estudo, da busca incessante pelo saber, do amor pelos livros.
Saboreei cada minuto daquele encontro com Deus e com as coisas que elevam nosso espírito.
Saí da Missa de Formatura com o coração alegre e sereno, sentindo na boca o gosto de uma fruta bem doce, colhida após anos de árdua semeadura.