domingo, 28 de dezembro de 2014

O Não Desejo

Nunca um Natal foi tão difícil para mim como este último.
O pior, disparado, foi aquele fatídico Natal de 2003, ano em que meus Pais foram embora.
Não houve Natal mais infeliz que aquele.
Muitos anos depois, dos quais, diga-se de passagem,  perdi a conta pois é deses somatórios que a gente quer esquecer, decidi que precisava resgatar, de algum lugar, a alegria.
Não a alegria de outrora.
Aquela ficou no passado - tão presente sempre, e não voltará mais.
Mas uma alegria nova.
E logrei êxito.
Após  longos anos, consegui arrumar a árvore com aquela disposição que brota do coração, da felicidade de poder celebrar.
Eis, então, que outras mortes se anunciaram.
Não a morte física, mas aquela que acaba com o afeto e com toda a ilusão.
E como é difícil lidar com ela, pois, embora as pessoas estejam aqui, deste lado da vida, é como se não estivessem.
A morte do amor fraternal, o rompimento praticamente definitivo do elo daquilo que, um dia, foi uma família.
São tantas as razões, que seria enfadonho, até para mim, enumerá-las.
Uma, entretanto, sobressai: o não desejo.
Porque para perdoar, é preciso que haja o desejo da união.
Para retomar, é preciso que haja o desejo da reconstrução.
Para estar novamente juntos, é preciso que haja o desejo do amor.
E nada disso há.
Nem nunca houve.
Então, quando nos deparamos com a rude realidade, com a frieza, com a dureza e com o nenhum caso, torna-se bastante difícil assar o peru e enfeitar a casa.
Mesmo assim, continuei, porque sou teimosa como uma mula e não desisto fácil, ainda mais quando se trata de amor e de afeto.
Segui em frente.
Por mim mesma.
Por minhas filhas e pelo meu amor.
Nessas questões nebulosas costumo ir até o fim, até o fundo, ao âmago, e não me importo com arranhões e nem com o escuro, e nem com nada, vou em busca das respostas e,  para isso,  ponho-me a pensar e tampouco me importo com a dor de cabeça lancinante que virá.
Não há nada pior que o silêncio rancoroso e a ausência de respostas.
Nesse clima, arrumei minha árvore.
Pesado.
Triste.
Com muitas outras mortes dentro de mim que eu nunca desejei, mas que aí estão.
Como tantas vezes em minha vida, procurei, procurei e encontrei as respostas.
E concluí que ninguém pode dar aquilo que não possui.
Precisamos fazer determinadas escolhas para seguir vivendo, inobstante o não desejo do outro.
Independentemente das circunstâncias de cada um.
Poderia ficar horas discorrendo sobre estes temas tão tristes em uma época em que a regra é a alegria, mesmo aquela falsa, que somente existe para as fotos do Facebook.
Prefiro, entretanto, deletar, em definitivo, pessoas  que desprezaram, ao longo de tanto tempo, o meu amor e a minha amizade.
Aí está meu propósito para o Ano Novo: mais leveza, menos fardos.
Menos vulto, más claridad.
Como já referi em postagens anteriores, parafraseando Mario Quintana
"Todos esses que aí estão atravancando meu caminho, eles passarão... eu, passarinho."














segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Divisor de Águas

O ano finda e, inevitavelmente, começamos a fazer um balanço de tudo.
Das realizações profissionais e materiais às questões afetivas, tudo passa pelo crivo da síndrome de conclusão de ano, isto é, aqueles momentos em que ficamos a sós e relembramos os laços que estreitamos, os projetos que saíram do mundo das ideias e viraram realidade, as amizades novas, o avanço que obtivemos em algumas áreas e o retrocesso em outras tantas.
As alterações no panorama afetivo são, a meu ver, as mais significativas.
Este ano foi, para mim, um divisor de águas.
O que era, e o que é.
O que foi, e o que será.
Não sem tristeza, trago à baila algumas decepções sofridas e que, espero, passem a integrar o rol daquelas coisas desagradáveis que queremos esquecer.
Queremos, mas não conseguimos, não sem antes fazer uma grande depuração, capaz de expelir e vomitar tudo até que não sobre mais nada.
Entretanto, é difícil expulsar de nossos corações pessoas que, durante largo tempo, fizeram parte de nossas vidas.
Que, um dia, lá atrás, num passado longínquo, formaram um núcleo denominado família.
Este foi, de longe, o mais doloroso e árduo embate que enfrentei na vida.
Uma guerra onde os grande vencedores foram a maldade, o desamor, a falta de caráter, as palavras duras, o olhar raivoso.
Prefiro render-me ao amor e à alegria a ter que carregar o fardo, insuportavelmente pesado, de amar e não ser amada, de clamar por abraços que nunca virão e por uma amizade que, hoje vejo, era apenas ilusão de ótica de  minha parte.
Há momentos em que sentimos, nitidamente, que a estrada se afunilou e chegou ao fim. Não há como continuar, e impossível é retroceder.
O que nos resta, então?
Parar, observar o horizonte que se descortina e fazer a opção: continuar estagnado, chorando pelas ilusões perdidas, ou levantar a cabeça e avançar, despojando-se de todos os maus sentimentos e deixando para trás os olhares rancorosos que destilam veneno.
É isso, ou sucumbir numa tristeza profunda, num murmurar de lamentos.
Prefiro responder às batalhas da vida com um sorriso aberto e desconcertante, com a altivez que aprendi com minha Mãe e com a força que herdei de meu Pai, sempre disposto a levantar após cada  tombo.
Filha de Edgard e Célia, fruto de um amor que foi alegre, colorido e risonho, deles recebi o legado do amor, da alegria e da força.
Essa é a minha marca!
É assim, com fé em Deus e muita disposição que pretendo iniciar o novo ano.
Pois, como já disse Cecília Meireles, aprendi com as Primaveras e me deixar cortar para poder voltar sempre inteira.

Uma ótima semana a todos, meus queridos amigos!










ótica de minha parte.

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Lucrécia, a Peidorreira, em Buenos Aires.

La senõra Babú estava em estado alfa, vale dizer, completamente histérica.
Aproximava-se a data do casamento de sua afilhada no Rio de Janeiro e ela já havia combinado com Lucrécia: precisavam ir a Buenos Aires escolher os vestidos para o casório.
 Afinal, a parentela estaria pensando que ela e Lucrécia seriam as primas pobres?
As interioranas de lá do fim do mundo, que os cariocas nem sabiam aonde ficava?
Pero eso, jamás!
Está bem que Lucrecita tinha aquele costume horrendo de peidar incontrolavelmente, sabe-se Deus de onde vinha aquilo, talvez uma espécie de magia ao contrário, pois até Asdrúbal, o cachorro, que já estava velho e caindo aos pedaços seguia o fedor dos peidos refestelando-se, ele também, no piso da copa, para peidar junto.
Os olhos de Asdrúbal, grandes e melosos, reviravam-se de satisfação.
Perro de mierda, pensava la señora Babú, vontade tenho de chutá-lo para bem longe ou, quem sabe, uma bola de veneno...controlá-te, Babú!
Concentra-te en el vestido.
Pero que macana!
Imagínate si Lucrécia começar a peidar dentro do avião...
Com tais elucubrações, quase teve um piripaque, a pressão foi a 20 e o calor, insuportável, fruto do nervosismo, a fazia suar em bicas.
Mesmo assim, com tudo isso, ficou decidido: iriam, e logo, a Buenos Aires.
Subiram no Flecha Bus, um ônibus espetacular que as deixaria na manhã do dia seguinte en  la Capital Federal.
Em torno de 1.200 km, 16 horas de viagem de Posadas a Buenos Aires...e Lucrécia estirada na poltrona do ônibus...pssssss...
O popular fedorão espalhava-se e ela via, olhando de soslaio, as pessoas revirando-se nos assentos, sem saber de onde vinha quela cheiro pavoroso...sempre a mesma história.
Como Lucrécia ria com aquilo!
Ria muito!
Para con eso, Lucrécia, repreendeu-a la senõra Babú, embora soubesse ser inútil aquele pedido.
Chegaram.
Foram para o hotel e, depois de um par de horas de descanso, saíram em busca dos vestidos.
La senõra Babú não era exigente, mas tinha um problema: não tinha espelho em casa, pois deseja usar um modelito que não a deixasse com aquele ar de matrona argentina.
Pensava nos corpos sarados das cariocas, bronzeadas e magras, vivendo quase que exclusivamente para o culto do corpo, e chegou à conclusão que, nem em mil anos, perderia aquele ar um tanto quanto antiquado.
Pero que infierno!
Decidiu-se por um vestido de renda, meia manga, azul noite...era bonito, até.
O problema, como sempre, era Lucrécia.
Enquanto a mãe estava no provador, ela encarregou-se de espantar a clientela, daquela mesma forma que sabemos.
Pssssss...
Afinal, gostava de privacidade.
Depois de ter feito a funcionária da loja baixar meia dúzia de vestidos entrou,  provador adentro e, sem nenhum pudor ou vergonha, peidou alto e bom som para que todos ouvissem.
La senõra Babú só gritou: estou saindo, Lucrécia, nos vemos mais tarde no hotel, e se mandou.
Rapou fora!
Estava saturada daquela maluquice da filha que a fazia corar de vergonha.
Lucrécia, ao sair do provador, sentiu o olhar dos funcionários sobre si e nem bolas deu.
Uma delas, timidamente, perguntou: vos no sos Lucrécia? Te conheço do Facebook...
Si, soy yo...prrrrrrrrrrr.
Precisava fazer a jus à fama, que já tinha chegado até Buenos Aires.
Era uma maravilha, a Internet.
Vou levar este.
E comprou um vestido belíssimo, de arrasar, todo dourado e com um decote punhal.
Verdade que os peitos não estavam lá grande coisa, mas ainda podia  usar um decote como aquele.
Ademais, nem sob tortura pensava em perder para as cariocas.
Gerardo que se bobeasse, para ver!
E assim, dois dias depois, la señora Babú  e  Lucrécia deram por encerrado seu périplo portenho, e voltaram a Posadas com as malas atulhadas de roupas e acessórios para a grande viagem que se aproximava: iriam de Posadas até Alvear, onde cruzariam o Rio Uruguai e chegariam a Itaqui, para visitar alguns parentes.
Na noite seguinte,  rumariam para Porto Alegre onde,  finalmente, pegariam o voo.
Rio de Janeiro, lá vamos nós!


*Continua num outro dia.













terça-feira, 18 de novembro de 2014

Reforma Interna

Estou há dez dias sem escrever uma mísera linha, que seja, ao menos para alegrar um pouco meu fã clube de meia dúzia de gatos pingados, que reclama, diariamente, da falta de postagens.
É que não tenho como fazer tudo ao mesmo tempo, embora quisesse, muito, proceder dessa maneira.
Os dias vão passando, e não há tempo.
Sinal de que dezembro se avizinha.
Então, desde já, peço desculpas aos meus queridos amigos, que me brindam com seu tempo para ler o que escrevo, e aviso, de antemão, que será assim até o final do ano: postagens esporádicas.
Hoje vou falar sobre obras.
Obras de alvenaria e pequenos reparos.
Tenho sido largamente criticada por gostar de fazer obras e arrumações.
E são críticas pesadas.
Devo dizer a vocês, entretanto, que não me importo com isso embora, além do estresse causado pela reforma em si, precise aturar cara feia, o que gera também, mais estresse.
Preciso?
Pois é.
Ao mesmo tempo em que sou alvo de tantas reclamações enquanto me esforço para embelezar o entorno, também penso.
Penso muito.
E, juntamente com as obras e reformas que tenho levado a cabo todos estes meses, concluí que está mais do que na hora de fazer uma reforma geral, ampla e irrestrita em mim mesma.
Uma mudança radical, assim como quem mudou do carpete para o porcelanato, numa comparação grosseira.
Há um tempo,  na vida, em que ficamos adiando as reformas interiores de que necessitamos.
Mudanças que nos farão respirar melhor,  acordar bem para levar adiante o dia que se descortina,  sem nenhuma interferência que se origine do mau humor ou de seja lá o que for.
Talvez eu devesse ter me reformado a mim mesma por primeiro, ao invés de ter pintado paredes e trocado pisos.
Quem sabe, se eu tivesse mochilado na Europa por uns seis meses e tivesse deixado as paredes descascadas para depois, talvez eu não tivesse sido tão criticada.
Fato é que, assim como os cômodos da casa que passaram por uma reforma, também eu mudei.
Foram-se,  junto com os pedaços de reboco que saíram das paredes, com o piso velho e manchado, partes de mim que tampouco me serviam mais, estavam ali apenas como uma sombra, um peso, um estorvo.
E quem, com a vibrante luminosidade do verão, consegue conviver com a melancolia do outono?
Assim como os entulhos que saíram da reforma, também eu mudei,  para mandar embora tudo que atravanca meu caminho.
Uma faxina interna para deixar tudo mais leve.
Eu, passarinho...
2014 está findando e, das muitas coisas boas que realizei este ano, a decisão de uma reforma interna foi, sem dúvida, a melhor obra que concretizei.







sábado, 8 de novembro de 2014

Com Pedras nas Mãos

Tenho sonhado com pedras.
Pedras enormes, montanhas de pedras.
Elas são de cor clara, de um bege acinzentado
Estão sobrepostas, e preciso escalá-las para poder chegar ao topo.
Apenas uma pequena nesga de céu azul, é o que consigo vislumbrar de onde estou: na base da montanha rochosa.
E eu que pensei, ingenuamente, que minhas montanhas pedregosas tivessem chegado ao fim!
Los sueños, sueños son, diria minha Mãe maravilha, a que sabia de todas as coisas.
Mas o fato é que não consigo deixar de pensar na razão de tais sonhos, que vêm se repetindo há umas duas semanas.
No significado.
Dentro de meus parcos conhecimentos sobre o inconsciente, venho buscando uma resposta para isso e hoje, mateando solita na quietude da manhã, fui lá dentro da minha alma, peguei meu coração com as duas mãos e concluí : há pessoas que têm pedras nas mãos.
Essa montanha que preciso escalar são as mãos daqueles que levantaram muros tão altos e rochosos, que somente com uma força de Hércules conseguirei subir.
A nesga de céu que consigo enxergar seria o reencontro, a alegria de saber que conseguimos transpor todos os obstáculos e partir para o abraço.
O que equivaleria a estar no céu!
Entretanto, não depois de ter derrubado muitas lágrimas, vi que as montanhas de pedra são tão íngremes quanto estanques, elas não fazem o mais mínimo movimento para me auxiliar na subida.
Ao contrário, a cada passo que dou, as mãos que carregam pedras tentam me impedir de continuar.
De outro lado, isso me fez concluir, também, que há muitos céus.
Que, do lado de cá das montanhas de pedra, há mares, há flores, há o verde fulgurante das árvores.
Há sol.
Há luz.
Não há outra saída - ou melhor, essa é a saída - que contorná-las.
As montanhas de pedra -  aqueles que detém em suas mãos apenas pedras e nunca afeto, jamais carinho, sempre desamor, talvez já estejam vivendo a triste sina da pedra: imóvel, imutável, congelada em sua forma de ser.
E sem nenhuma vida!







Codinome: Beija Flor -Final

Sobre a cama, Florência ardia em febre, e delirava.
Sonhava com lugares que nunca antes visitara, enxergando fantasmas atrás das cortinas.
Acordava gritando, dizendo palavras que ninguém conseguia entender o que significavam.
E, dia após dia, definhava.
Graciela não saía da cabeceira da irmã, desvelando-se em cuidados, consolando o desatinado Maurício que, vendo sua amada naquele estado deplorável, sentia que a vida perdera todo sentido.
Solícita, Graciela servia-lhe chá, uma infusão de ervas de delicado perfume, para acalmar-lhe os nervos em frangalhos, e ali ficavam, os dois, aos pés da cama de Florência, conversando por horas a fio, Graciela usufruindo de cada palavra, de cada gesto, de cada olhar de Maurício que, certamente, seria dela.
Era apenas uma questão de tempo...
Florência adorava aquela irmã, e uma das únicas coisas que conseguia perceber, dentro daquele torpor, era a presença constante de Graciela, dia e noite ao seu lado.
Só não compreendia porque razão a irmã olhava para ela daquela maneira, de forma tão penetrante que a fazia voltar àquele sono de pesadelos.
Um mês transcorrera desde a noite do noivado, em que ela caíra, como que fulminada por um raio e, depois de certo tempo, acordara febril e desorientada.
A família havia tentado de tudo, dentro dos parcos recursos da época, e nenhum dos médicos que a examinara sabia dizer, a fim de contas, qual era seu problema e de onde se originava aquela doença, que parecia não ser doença.
Um encantamento para o mal, era a razão de ser daquele estado de coisas.
Uma vibração maligna permanentemente expressada por Graciela através do olhar, o qual refletia o desejo de mandar Florência para o outro mundo, a fim de poder ficar com Maurício.
Era tão simples para ela, detentora daquele poder sobrenatural...e os resultados estavam ali!
Florência tinha um terço, o único objeto que conseguia, debilmente, segurar e, nos poucos minutos em que a irmã se afastava do quarto, rezava e pedia.
Implorava a Nossa Senhora da Imaculada Conceição, cuja festa comemorava-se no dia 8 de dezembro - era, inclusive, feriado no Alvear, que a salvasse, para que pudesse realizar o sonho de sua vida: casar com Maurício, seu grande e único amor.
Nada mais pedia, a não ser poder sair daquela cama.
Da janela aberta, que dava para o pátio da casa, incontáveis flores entrelaçavam-se nos canteiros, atraindo os beija flores.
Codinome: beija flor...
Onde estás, beija flor?
Quero estar sempre ao teu lado, beija flor.
Nunca vou deixar de te amar, meu beija flor.
E, de onde estava, via os beija flores no pátio...mas pareciam tão distantes!
Doña Fábia, a tia, também começara uma novena a Virgem.
Não era possível que sua menina ficasse daquela forma.
Muito lentamente, Florência começou a melhorar.
Um dia, outro dia...
A febre cedeu, os pesadelos foram embora.
Ela conseguiu levantar, sair até o jardim e caminhar.
Voltou a alimentar-se normalmente, até que,  no finalzinho de outubro, sarou por completo.
Como seria possível aquele verdadeiro milagre?
Era o que ruminava, furiosa, Graciela, ao ver a irmã novamente dona de si.
E, o que era infinitamente pior, com Maurício ao seu lado.
Foi quando, então, numa noite de lua cheia - 31 de outubro,  exatamente no dia do aniversário de ambas, deu-se conta do que havia feito.
Do mal que perpetrara  a sua irmã gêmea, de quem tanto gostava quando eram crianças, a quem amara sempre.
Como fora capaz de tamanha maldade?
Não havia mais como permanecer perto dela, pensava Graciela, consumida pelo remorso.
Naquela noite, em que ambas festejavam os aniversários e a recuperação de Florência, após o término da festa, Graciela saiu da sala, não sem antes ter dado na irmã um longo abraço.
Ninguém prestou atenção, muito menos entendeu.
Fato é que, no dia seguinte, Graciela desapareceu .
Procurada por anos a fio, nunca mais ninguém soube dela.
E, na esplendorosa manhã do dia 8 de dezembro daquele ano, Florência e Maurício casaram-se.
A cidade inteira acorreu para vê-los, na saída da Igreja mas, acima de tudo, queriam ver a noiva.
Florência estava magnífica, como só os que amam muito, e são amados, conseguem ficar.
Nas árvores e flores da Praça de Alvear, uma revoada de beija flores parecia saudar os dois.
Codinome: beija flor...
O amor e a fé venceram a maldade, a inveja, o olho gordo, as vibrações malignas, pois nada é mais poderoso e eficaz que um amor  sincero,  que as preces feitas com a alma e o coração.
Florência e Maurício eram a prova viva disso!
Muito tempo depois, veio a notícia: Graciela morrera, completamente sozinha, jogada em um casebre, murmurando perdón,  Florência, por el mal que te hice...e cumprindo o vaticínio da parteira, quando ambas nasceram: Un gran amor no sera capaz de separar-las . Solo despues de la muerte...
























,
  - era até feirado no Alverar, que a rtirtasee daquele transe e a

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Codinome: Beija Flor - Parte 2

A cada dia mais linda e coroada por uma aura multicolorida, Florência preparava-se para o dia feliz de seu noivado com Maurício e, na pequena Alvear, de outro assunto não se falava a não ser do compromisso de ambos, marcado para o dia 22 de setembro.
Na casa da família corriam os preparativos, e todos os recantos, adornados com flores, prenunciavam o tom da festa.
Uma das filhas do casal estava dando o primeiro passo rumo ao casamento e isso, para os conservadores pais de Florência, significava muito.
Recostada a um canto do sofá da sala, Graciela a tudo observava.
Com um olhar feroz.
Com olhos de ódio.
E vibrava contra Florência, numa vibração de energia negativa tão intensa que ela própria chegava a tremer, cega pela raiva.
Por que Maurício preferira Florência, e não ela?
Ela, que era a filha perfeita, carinhosa, submissa, dedicada, que não abria o bico e aceitava, de bom grado, as decisões paternas.
Como quando quis estudar em Posadas e o pai não permitiu.
Internamente, ardia de indignação, mas a procissão ia por dentro.
Sí, papá...
Só ela sabia a frustração que aquilo lhe causara, mas engolira.
Agora, mais essa, o noivado de Florência.
E o amor por Maurício, que a fazia acordar no meio da noite molhada de suor e, depois, eram as lágrimas que ensopavam o travesseiro.
Ela tinha um dom e sabia disso. Uma forma de desejar, ardentemente, que algo saísse mal e, invariavelmente, saía.
Não fora em vão que nascera num 31 de outubro.
Muitas vezes, bastava um mero olhar, e um copo espatifava-se.
Um prato de parede caía.
A luz de uma lamparina apagava-se.
Certo dia, doña Fábia, que tudo percebia, não se sofreu e falou: sos mala, Graciela.
E ela, simplesmente, rira.
Um riso maligno.
Vamos ver até onde irá esse noivado, pensava.
A festa transcorreu normalmente, com os maravilhosos doces feitos pela melhor doceira do Alvear: tâmaras recheadas com fios de ovos, ameixas carameladas com recheio de doce de leite, pasteles de hojaldre,  e outras tantas iguarias finas.
No final da festa, quando os convidados começavam a sair Florência, de olhos esbugalhados, soltou um grande grito.
E, ipso facto, caiu.
Todos acorreram, desesperados, tentando fazê-la voltar a si.
A única que se mostrava impassível e estranhamente calma era Graciela; com um meio sorriso, observava a cena.

* Continua amanhã.







quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Codinome: Beija Flor - Parte 1

Alvear, 1940.
Os dias e as noites eram longos, preguiçosos, naquela cidade do interior da Província de Corrientes, República Argentina.
Para completar, havia a Guerra, embora não chegasse, nem de longe, até ali, mas seus eflúvios deixavam a atmosfera densa, e os dias e anos arrastavam-se numa pasmaceira que nada tinha de romântica.
Alvear, com seus quatro, cinco mil habitantes, talvez mais, quem sabe menos, parecia uma cidade melancólica e triste, embora o verde das folhas de suas árvores fosse sempre brilhante, e o canto dos pássaros, somado ao vento, fossem os únicos sons que se ouviam naqueles tórridos verões.
Nada disso importou ou fez a menor diferença para o que se desenrolou naquela primavera...
Elas eram duas irmãs gêmeas, ambas de tez morena, cabelos negros, olhos amendoados, boca grande, dentes alvos, riso fácil.
Florência e Graciela.
Quando nasceram, numa esplendorosa de noite de lua cheia, justo dia 31 de outubro de 1920, a parteira, depois de observá-las por algum tempo, vaticinou:
Un  gran amor no será capaz de separar-las. Solo despues de la muerte...
Falou tão baixo que ninguém escutou, salvo doña Fábia, tia das recém nascidas.
O tempo passou e,  vinte anos depois, as gêmeas faziam sucesso por onde passavam, deslumbrando a todos com sua beleza.
Mas ninguém  prestava mais atenção a uma delas que Maurício.
Eram vizinhos e brincaram juntos durante toda sua infância, até que, adolescentes, Maurício e Florência viram que não havia amor maior neste mundo que o deles e ali, na modorrenta Alvear, trocaram juras de amor eterno.
Tinham apenas treze anos quando tudo começou, mas sabiam que suas almas eram tão iguais que nada conseguiria separá-los, e que nem ninguém seria capaz de truncar aquele sentimento sublime.
Iam e voltavam juntos da escola, encontravam-se no armazém da esquina, na padaria, en la misa de domingo.
A paixão eclodia a cada olhar, a cada roçar de mãos, a cada palavra que dizia nada e, ao mesmo tempo, dizia tudo.
Ambos com tão pouca idade e sempre sob a vigilância dos pais e, Florência, observada por doña Fábia, combinaram um código, uma assinatura daquele amor, um codinome:  beija flor, era como ambos chamavam um ao outro.
Com amor imenso, de teu beija flor.
Com toda minha ternura, meu beija flor.
Vivo apenas para te encontrar, beija flor.
Florência era doce, sorridente, afável, de muitos amigos.
Tinha luz.
Graciela era rude, bruta, séria e emburrada.
Era escura.
Enlouquecida de inveja e corroída pelo ciúme, acompanhava o desenrolar das peripécias amorosas da irmã estando, ela também, caída de amores por Maurício.
E sabia que jamais, ao menos nesta vida, conseguiria arrancar dele um mísero olhar que fosse.
A não ser que o caminho ficasse livre, e caminho livre significava o fim de Florência.
Será?

* Continua amanhã.


.








terça-feira, 4 de novembro de 2014

Correria

E não é que a correria de final de ano já começou?
De onde vou tirar tempo para fazer tantas coisas?
Isso me angustia, viu.
Sempre correndo, sempre com algo em mãos.
Olha o paradoxo, logo eu, geminiana, geralmente envolvida com alguma coisa para que não me ataque la depresión, de quem disparo como o diabo da cruz, reclamando.
O ano está terminando.
Outra vez.
Olhamos para trás e vemos o quanto andamos e realizamos, e alguns projetos que ficaram somente no desejo mas não foram adiante.
Essa sensação de falta de tempo sempre me acomete quando volto de Porto Alegre.
A distância entre Itaqui e o Portinho é tão grande - 730 km que essa viagem, por mais que me agrade andar na estrada, cansa, e cansa muito, levo uns dois dias para retomar o prumo.
Nesse ínterim, ponho-me a pensar em todas as coisas que preciso fazer e que estão pendentes, e começa a me dar um nervoso que, de modo geral, funciona do seguinte modo: primeiro, um sono que não cura nem com um balde de café, resultado das poucas horas de sono, pois quando estou com minha filhas, dormir é o que menos quero fazer.
Durmo tarde e acordo muito cedo, como se quisesse espichar o tempo, que sempre é exíguo e nunca o suficiente.
Ademais, estranho a cama e todos aqueles sons, peculiares à cidade grande.
Resultado é quando chego de volta no meu Itaqui que fica quase no fim do mundo e vejo minha cama, atiro-me e dali não quero sair, ainda mais quando olho, na   mesinha de cabeceira, a listinha básica das tarefinhas que me aguardam.
Em segundo lugar, vem a puxada de orelhas do meu outro gêmeo, do cobrador: sai daí, levanta e vai fazer o que é preciso!
Chato!
Saio meio estilo zumbi, com muiiita preguiça e uma vontade louca de soltar tudo e sumir por aí, sem lenço e sem documento, apenas para saborear o dia que se esparrama à vontade.
Para isso, com a graça de Deus, tiro férias, o direito mais sagrado, depois do salário, do trabalhador.
Férias...
Enquanto a pilha se afazeres não diminui, vou sonhando com elas, contando os dias que faltam para que eu possa andar sem qualquer agenda.
Na mala, nada.
Nem mala quero levar.
Apenas, como no poema de Casimiro de Abreu, quero sentir -me assim:
Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
De camisa aberta ao peito, 
 Pés descalços, braços nus -
Correndo pelas campinas,
À roda das cachoeiras
Atrás das asas ligeiras
 Atrás das asas ligeiras,
Das borboletas azuis.
E que a correria seja apenas para ir atrás de borboletas...





terça-feira, 28 de outubro de 2014

A Patrulha da Elite Xenofóbica

Das eleições para presidente da república que ocorreram dia 26 de outubro próximo passado, dentre tantos conceitos e palavras de ordem, duas emergiram: elite e xenofobia.
O que é elite?
É pertencer a um grupo dominante, etc...o conceito está em qualquer site, vá lá pesquisar, eu não vou facilitar as coisas.
O que é ser xenofóbico?
Idem, procure e pesquise.
Altamente antipática, dirão que sou, meus queridos amigos.
Não.
É que me causa um certo enfado - para não dizer nojo, que pessoas ditas esclarecidas venham com esse papo pra lá de furado de que, quem é da elite é contra o povo e, por tal razão, quer o retrocesso do Brasil, isto é, não vota no sacrossanto PT.
Quando postei no Facebook que, enquanto o povo da região Sul trabalha o Nordeste se embala na rede, portanto, não são chegados ao trabalho, muitos se ofenderam e me taxaram de xenofóbica, e que eu estaria destilando ódio.
Saliento, de início, que não odeio ninguém, graças a Deus.
O ódio faz mal a minha cútis...
O povo nordestino é sofrido e, por tal razão, vem sendo usado há séculos por políticos sem nenhum escrúpulo de lançar mão de quaisquer artifícios para se manter no poder a qualquer custo.
O partido da hora, de se aproveitar daquelas pessoas, é o PT.
Aliás, está nessa há 12 anos, agora mais quatro.
Mas que também é verdade que muitos gostam de ficar se embalando na rede à espera das benesses do governo, é um fato inegável.
Benesses essas bancadas por nós,  trabalhadores da região Sul do Brasil.
É assim há décadas.
Nós trabalhamos, enquanto eles esperam.
Por  externar minha opinião que, pelo que se vê, é, também, a de 50 milhões de brasileiros, sinto ódio e melhor seria que ficasse bem quietinha, antes de ser detonada pelos politicamentiii corréétos.
A patrulha comunista está a mil por hora nestes dias pós eleição.
Mas comigo não, violão.
Os que apoiam e votam nesse partido,  cujos maiores expoentes estão vendo o sol nascer quadrado, esses acusam os que são contrários ao seu projeto de governo de ser elite, de ser xenofóbico.
Digam, amigos, quem foi a maior incentivadora dessa onda de xenofobia?
Quem, durante a propaganda política, veiculava o eles, o nós, o antes e o depois, os ricos, a elite, e os pobres?
Quem estimulou essa separação toda entre eles, os coitados cuja salvadora da pátria vai atender, e nós, a elite que é contra o povo?
Mais uma manobra desse partido que domina o Brasil e que vem repetindo tantas mentiras, tantas vezes, que as mesmas se tornam verdade - velha e manjada prática comunista.
Chegou-se ao cúmulo de partidários do PT ameaçaram pessoas em redes sociais de denunciá-las ao Ministério Público, caso continuem falando mal do governo.
Caso externem suas opiniões, seria a correta tradução desse atropelo.
A sra. presidente está descansando da campanha eleitoral mais cara da história da república.
Estará junto com o povo, em uma favela com esgoto a céu aberto?
Tá!
Quer dizer, os outros são elite.
Os outros são xenofóbicos.
Eles, os do PT, são os seres perfeitos, e que ninguém ouse dar um pio sobre nada.
Eles, os da esquerda caviar,  que defendem a distribuição de renda( mas não a deles, a sua), a invasão de terras( mas não a deles, as suas), a depredação de prédios públicos e privados( mas não o prédio deles, o seu), a roubalheira institucionalizada e os escândalos diários patrocinados por seus pares, eles pertencem a uma elite diferente da outra elite: eles podem, e andam, em carros cujo valor, nem em dez anos um trabalhador assalariado conseguirá comprar; eles moram em mansões, que nem em mil anos as pessoas conseguirão adquirir; eles viajam para o exterior com o papai, a mamãe, a titia, o papagaio e o periquito, hospedam-se em hotéis cujo valor da diária é impublicável; eles tomam vinhos importados cujo preço de uma garrafa é maior que um ano de salário de um trabalhador que percebe salário mínimo.
Quem é elite, aqui?
Façam o que eu digo, mas com o chapéu de vocês, porque o meu está bem guardadinho em um paraíso fiscal.
Jamais fui e nunca serei contra o povo, contra o trabalhador, contra a melhoria da qualidade de vida para todos, sem exceção.
Sou é contra essa ideologia desses comunas do PT   que querem, a pau e corda,  que as pessoas que também trabalham e que, se tem o que tem, se estão aonde estão, é graças ao suor de seus rostos e não às migalhas do governo,  distribuam seus bens a outros menos beneficiados.
Enquanto isso, quem não canta essa música é taxado de xenofóbico e elitista, e é contra os pobres.
E eles, onde estão numa hora dessas?
Eles também são elite, mas isso  ninguém diz, ninguém aponta.
Deveriam não apenas dizer, mas levar à cabo o que tanto pregam: abram suas mansões, disponibilizem suas contas bancárias, convidem os pobres a dar uma voltinha em seus carrões importados e blindados.
Eu não sou e nunca fui contra ninguém.
Sou é contra a vagabundagem.
Sou a favor do trabalho, de que se criem postos de emprego, que haja investimentos na educação, no saneamento, na saúde, na segurança.
Menos corrupção, mais trabalho.
Menos xenofobia, mais trabalho.
Menos discursinho hipócrita, mais trabalho.
Abaixo o assistencialismo do PT, que escraviza e aliena as pessoas, que joga os brasileiros que tem parcas condições de vida contra os que tem melhores condições de vida, como se isso fosse crime.
Crime é mandar os filhos estudar na Europa, como se sabe que muito esquerdista caviar faz.
Por que não deixa seus filhos aqui  no Brasil, fazendo um cursinho do Pronatec?
E os que não votaram no sacrossanto PT é que são elite xenofóbica.
Falam tanto que os que votaram contra o PT são coxinhas...pois eu, que nunca votei nesse partido que prega essa moral de cuecas, nem pra coxinha sirvo: sou coxão!






















Enquanto Você É Útil

Enquanto você é útil e tem serventia na sua casa, junto a sua família, no seu trabalho e na sociedade, tudo anda bem.
Há uma (falsa) ilusão de que tudo está certo,  e que você tem o domínio e o controle dos fatos.
Mas há um determinado momento em que percebemos, nitidamente, que as coisas mudaram.
É um processo que não acontece de repente, de inopino.
É uma mudança gradual, lenta mas persistente, como um pingo de água que cai, quase que imperceptivelmente quando a torneira está mal fechada; vai pingando tão devagar e silenciosamente que, no início, você nem percebe.
Um dia, subitamente, você acorda, e se dá conta que, dependendo do lugar e das circunstâncias, passou de protagonista a mera figura decorativa.
Como um enfeite antigo, posto ali, num lugar onde será visto apenas parcialmente, e talvez chame mais a atenção devido à poeira que acumula que a tudo o que, efetivamente, você é.
Quando isso acontece, vislumbro dois caminhos:
O primeiro é sucumbir a uma avassaladora depressão, que o levará a lugares escuros nunca antes percorridos, a pensamentos e sensações de angústia e desamparo inimagináveis.
Perdido na aridez de um deserto sem fim, onde não se vislumbra um oásis, você poderá deixar como está pra ver como é que fica e permanecer observando,  num marasmo profundo,  a vida escorrer, ir embora e nada será capaz de deter o fluxo da sua tristeza,  uma vez que a sua presença perdeu o sentido, pois não é mais necessária e, muito menos, indispensável.
Há outras pessoas que atropelaram o seu modo de ser e a sua maneira de fazer as coisas e de ver o mundo e esse processo é irreversível, o trem saiu, você ficou parado na estação e nem que corra muito, não será capaz de alcançá-lo.
Essa dolorosa constatação poderá levá-lo  a  acreditar que você se tornou um completo inútil.
Afinal, seu ambiente de trabalho está tomado por pessoas que não estão nem aí para o fato de você ter experiência, tanto profissional quanto de vida, a eles somente importa o momento presente e os velhos como você, melhor será que peçam as contas e se mandem para casa, dar alpiste aos passarinhos.
Seus filhos cresceram e foram embora, e, por mais dura que seja esta assertiva, a conclusão é uma, e única: eles não precisam mais de você.
Você não é mais útil, meu camarada!
O segundo é, a meu modo de ver, bem mais interessante: você se deparou com a realidade nua e crua das suas circunstâncias, e precisa - e vai, segurar as rédeas de seu próprio destino, aceitando aqueles erros tolos que cometeu e aprendendo com eles, arrependendo-se de outras tantas cabeçadas e fazendo-se o firme propósito de tentar não repeti-las; vai olhar de frente e reconhecer que já dobrou o cabo da boa esperança, afinal, tem mais de cinquenta anos e não foi bolinho o tanto que viveu, mas conclui que a vida é uma janela aberta para o imprevisível, para o frescor das manhãs e para o frio do inverno, que dispor do seu tempo é um luxo que poucos, hoje em dia, detém, e que o único chefe que possui é o seu desejo.
Maior leveza e novos projetos, nem tão mirabolantes e um tanto quanto utópicos como os anteriores...
Apenas viáveis.
Reconhecer suas limitações e acordar, a cada manhã, bem ciente de quem você é, daquilo que quer mas, fundamentalmente, do que não quer, numa espécie de inversão do processo pois,  agora,  é você quem decide e determina o quê, e quem, é útil para a sua vida.
Você continua útil, antes de mais nada, para si próprio, dono de si mesmo, com  plena capacidade de discernimento de suas decisões e escolhas.
Essa conquista,  só adquire aquele que, num dia qualquer, sentiu-se inútil e teve a força e a coragem suficientes para seguir percorrendo o restante do caminho.


























































































































sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Conversando Com Meus Botões

A minha Mãe maravilha, a dona Kila, que sabia das coisas, tinha um hábito que carregava desde os tempos de internato no Colégio do Sagrado Coração de Jesus, em Buenos Aires: acordava por volta de 6, 6 e meia da manhã.
Aquilo era costume seu,  do qual não abria mão.
Eu ficava abismada com aquilo, não entendia a razão que levava uma pessoa a sair da cama tão cedo, inclusive nos finais de semana.
Ela me dizia, nena, es la hora del dia que mas gosto. Fico sozinha, escutando el canto de los pajaritos, rezo, leio, penso na vida...es una hora que tengo solo para mi.
As mães são sábias.
A minha era.
Eu tive a suprema ventura de ter uma Mãe tão linda, que me ensinou tantas coisas que, cada vez que sinto saudade dela, e isso ocorre sempre, ponho-me a pensar que ela cumpriu, magistralmente, sua missão de mãe, e que não tenho o direito de ser egoísta a ponto de querer tê-la para sempre: os anjos, a toda certeza, precisam muito mais dela do que eu.
Me acolheu e me amparou sempre que precisei, o que não a impediu de ter puxado minhas orelhas e de ter sido dura comigo quando precisei.
Arrependo-me das vezes que a fiz chorar, com discussões inúteis.
Lembro-me de todas aquelas brigas tolas e que, por sorte, não foram muitas, não fecho os dedos de uma mão para contá-las.
Hoje, aos 53 anos, vejo que Minha Mãe maravilha, a que sabia de todas as coisas, tinha razão, e eis-me aqui, a imitá-la: acordo cedinho, 6 e meia, 7 horas, faço meu matecito e, escutando o canto dos pássaros, ponho-me a pensar na vida, numa conversa solitária com meus botões, solitária mas altamente produtiva, pois aquela horinha em que estou só é a que serve para repor minhas energias, a que uso para meditar, para respirar fundo e encarar mais um dia.
Nas coisas mais simples, vejo uma extrema beleza: o jasmim encantado carregado de flores, dançando ao toque da brisa matinal, a orquídea que acabou de florescer, o beija flor que vem, todas as manhãs, exibir-se para o sol que recém começa a surgir, os canários e sua música, as árvores, saudando a manhã...
Minha Mãe maravilha, a que sabia de todas as coisas, me transmitiu o amor à natureza e à contemplação, e a tudo o que alimenta nosso espírito e nutre nossa caminhada diária: a fé, a sintonia com as energias positivas,  a alegria, o bom humor.
Obrigada, Mãe!
Longe dos meus olhos estás, mas sempre perto do meu coração!



quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Eleições

Evito falar sobre política, religião e outros afins pois, dependendo da vontade - ou da má vontade do leitor, muitas vezes somos mal interpretados.
Mas não tem como não falar sobre o assunto que mais palpita: o das eleições presidenciais.
Falta pouco mais de uma semana para que nós, brasileiros, decidamos quem vai governar o Brasil pelos próximos quatro anos.
Eu não sou e nunca fui PT.
Nunca votei no PT.
Eu sou PDT, e o meu Partido, embora coligado, ou ligado, ou aparentado, não é o PT!
Não gosto do PT, do seu discurso politicamentiiii corrréto enquanto, na porta ao lado,  roubam adoidado e seus dirigentes fingem que não é com eles.
Não gosto da forma como eles colocam as questões, como se fossem verdades absolutas, que somente eles sabem de tudo e o resto é um monte de gente incompetente que não tem a mínima noção de nada.
Essa postura mentirosa me enoja, essa coisa de jogar os brasileiros uns contra os outros não me cai bem, esse discurso de ricos e pobres, da elitiiiii contra os coitadinhos...
O Brasil é rico.
Riquíssimo!
Tanto é assim que, com tamanhos desmandos, ainda continua a produzir e a avançar.
Não gosto desse discurso esquerda caviar, onde somente os de outros partidos políticos são abonados, são ricos, e eles, os pobres do PT, são os pais da pátria.
Isso é um baita engodo, e o  povo, mais uma vez, cai direitinho nesse conto do vigário.
O que existe, de fato, é que os que assumem o poder não querem mais largar o osso.
E o povo fica aí, morrendo nas filas dos hospitais, passando fome, sem luz, sem água, sem saneamento, sem nada.
Fica recebendo migalhas.
Mas chega no dia da eleição, vão lá e votam na mesma situação.
Que a qualidade de vida das pessoas melhorou, e muito, é inegável.
Mas será que somente o PT detém o monopólio de fazer a coisa certa?
Eu não suporto aquele papinho do estamos investigando, estamos punindo, nunca antes na história deste país...
E os escândalos se sucedem, dia após dia.
E os ilustres pensadores das políticas do PT estão na cadeia!
Enquanto não tiver um governo que pare de roubar e dê comida e educação para o povo, o Brasil não terá jeito.
Mais saúde, mais educação.
Com muito trabalho - que não é privativo do PT, com muita seriedade - que não é privativa do PT, talvez nos reste um fio de esperança de ver a coisa melhorar, e de a atual esculhambação acabar.
Uma coisa, porém,  eu digo a vocês, meus amigos queridos: o  PT não solta o osso, não larga a teta, tá agarrado na barra da saia deste país e não quer arredar pé do poder.
Está apelando pra tudo.
Jogando pesado, jogando sujo.
Dia 26, votemos com os olhos voltados para o futuro, de mãos dadas com a esperança.
Chega de tanta corrupção, de tanto desmando, de tanta bandalheira.
Que Deus nos ajude!





sábado, 11 de outubro de 2014

Novas Histórias de Lucrécia, a Peidorreira - Parte 2

Após quatro horas na clínica de beleza em Santo Tomé, Lucrécia e suas amigas precisavam, urgentemente, de um lanche.
Tinham saído de Posadas pela manhã cedinho, o almoço fora frugal, quase nada, considerando a necessidade premente de emagrecer e, ainda, porque os tratamentos da tarde não requeriam estômago cheio.
Foram parar numa lancheria que ficava na rua principal da cidade onde, depois das 6 da tarde, costumavam reunir-se estudantes, aposentados e grupos de amigos, a fim de apreciar o final do dia saboreando una cerveza helada.
Escolheram uma mesa e abancaram-se, pedindo o menu ao garçom que, de início, já achou estranho o modelito de Lucrécia, em plena luz do dia vestindo uma saia de couro preta e uma blusa de renda da mesma cor, brincos dourados e grandes e um cabelo escovado, lisérrimo, fruto da escova progressiva que há pouco fizera.
Ali ficaram as três amiga, empanturrando-se com pães de queijo e torradas de presunto e queijo regadas a Coca Cola.
Eu mereço, pensava Lucrécia, comendo vorazmente a meia dúzia de pãezinhos que chegaram.
Mexia-se todo o tempo na cadeira, louca de dor nas pernas e no abdômen, fruto da criolipólise e das massagens absurdamente fortes a que se submetera para melhorar o visual.
Por la belleza, todo!, sentenciara  la senõra Babú, e Lucrécia, embora obediente aos conselhos da mãe, jurara a si mesma: criolipõlise, nem em mil anos!
Nunca mais!
Comia e peidava solto e bem como ela gostava, o som alto da música não deixava ninguém escutar nada e, se por acaso ouvissem, pouco se lhe dava.
Afinal,  era conhecida em toda aquela região e sua fama, divulgada pelas redes sociais, era objeto de permanentes comentários.
No fundo, ela adorava tudo aquilo.
Andava pensando, inclusive, em candidatar-se à vereadora nas próximas eleições a fim de levantar  a bandeira dos pobres e oprimidos peidorreiros, discriminados em todos os locais.
Como se o povo não peidasse!
Terminado o lanche, quase uma hora depois, dirigiram-se à farmácia, a fim de completar o tour de beleza.
Lá chegando, Lucrécia entrou porta adentro e nem ligou para o fato de a farmácia estar apinhada de gente e, ao lado, precisar pegar uma ficha para ser atendida.
E foi logo perguntando, moço, tem betacaroteno? e ômega três? e chia, tem? Quanto custa a caixa? Quero a maior, com 60 comprimidos...e, sem esperar a resposta, já lascava outra pergunta: quanto custa aquele pote de Nívea para pele extra seca?
A expressão do funcionário da farmácia era a de um misto de sufoco com riso e, sem saber ao certo o que fazer, apenas disse: usted tiene que aguardar, hay personas que llegaram primero...
Lucrécia riu alto, mas por dentro.
Esperar, ela?
Sabia uma maneira infalível de botar todo mundo pra correr dali, e rápido.
Tinha comido muito pão de queijo com Coca Cola, a pressão estava grande.
Pssssssssss....
E soltou um surdo poderoso e insuportavelmente fedido.
Recostada no balcão com cara de otária, ficou observando de soslaio o povo que debandava sem entender de onde vinha aquele cheiro nauseabundo.
Sorria,olhando para os produtos das prateleiras, nem era com ela.
Por fim, ficaram apenas as três amigas e o funcionário, que tratou, rapinho, de entregar a Lucrécia tudo o que ela queria para poder, ele também, rapar fora dali.
E foi assim que Lucrécia, a peidorreira, deu por encerrado seu  périplo na clínica de beleza em Santo Tomé, onde não pretendia mais voltar, pois sentira muita dor e o resultado não fora tudo aquilo que tinham alardeado.
Chegando em casa, encontrou la senõra Babú em polvorosa: tinham recebido um convite para ir ao casamento de uma afilhada, uma festança de arromba no Rio de Janeiro.
Prepará-te Lucrécia! Nos vamos a Brasil! A mi me encanta!
Um novo capítulo começava: era preciso programar a viagem à cidade maravilhosa.
( continua num outro dia qualquer).

Um final de semana maravilhoso a todos, queridos amigos!







quinta-feira, 9 de outubro de 2014

O Lado Negro da Alma

A escrita é caprichosa: você está disposta a continuar escrevendo sobre  determinado tema quando aparece um fato novo, inusitado, e tudo muda,  o foco e a direção.
Assim foi hoje, quando deveria seguir com as peripécias de Lucrécia, a peidorreira, mas surgiu um assunto sobre o qual não posso me calar, sinto uma necessidade premente de dividir com meu querido fã clube de meia dúzia de gatos pingados o que me vai na alma.
Há pessoas que tem o condão de extrair o pior de mim, de provocar dentro do meu ser um sentimento tão primitivo quanto ruim: raiva.
A raiva faz mal à saúde.
A minha saúde, faz, pois me provoca suor excessivo, taquicardia e uma vontade incontrolável de sair de minha zona de conforto e dizer tudo, absolutamente tudo o que está entalado há vários anos.
Entretanto, após incontáveis exercícios de tolerância e auto controle, aprendi a respirar, a sair de perto,  a olhar de longe para o cenário, pois a raiva nunca é boa companheira.
Hoje, por esses caprichos do destino, me vi  diante de uma situação que me deixou completamente fora da casinha.
Pela manhã, precisando ir até o prédio da Receita Federal, deparei-me com o portão da casa de meu Avô Atílio Mondadori - parêntese: aquela sempre será a casa de meus Avós, sempre será a casa dos Mondadori, embora, documentalmente, pertença a outras pessoas(que, graças a Deus, não tem meu sobrenome!) - e vi o muro que antes separava a casa do jardim completamente derrubado, que não dizer das grades de ferro torneado.
Apenas um monturo de escombros, foi o que vi pela abertura do portão.
Obras.
São apenas construções de mais de cem anos que vem abaixo, que é que tem?
Os novos donos estão pouco ligando para a história do lugar, para o verdadeiro sentido do legado, cultural e familiar, para a noção de continuidade, de preservar sem destruir, de inovar sem arrasar.
Por mais que me digam, jamais aceitarei, sem protestar,  que arrasem com a história que também é minha.
Minha e de todos os outros netos de Atílio e de Mathilde.
Não, não aceito.
Respeito as decisões e os papéis, entendo disso perfeitamente, aliás,  sou Advogada há mais de trinta anos - ao contrário de muitos burros que dão pinta de inteligentes mas nunca conseguiram passar no Exame de Ordem.
Isso é uma coisa.
Mas contra o que me insurjo, na verdade, é em como a vida é caprichosa e irônica.
Pois, a toda certeza, se meus Avós vissem tamanho descalabro naquilo que, ao longo de suas vidas, cuidaram e zelaram,  revirar-se-iam  na tumba.
Muito doloroso ver aquele espetáculo de destruição!
Estragou minha manhã, minha tarde e um pedaço da noite, até que cheguei em casa, fiz meu matecito sagrado e me pus a pensar.
Pensei no meu Pai, como sempre.
Pensei nos meus Avós.
Refiz toda a história de minha vida junto com eles, até o dia de hoje.
Não há o que fazer, a não ser rezar, como me disse, hoje, um Colega, à guiza de consolo, quando viu meu desamparo.
Rezar para que o lado negro de minha alma receba um facho de luz.
Fui informada que ali, naquele lugar onde antes era o jardim mágico de minha Avó Mathilde,  será erguida uma clínica para cachorros.
Considerando o atual contexto, não poderia haver nada mais adequado!










quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Novas Histórias de Lucrécia, a Peidorreira - Parte 1

Para felicidade geral da nação e, muito especialmente de la senõra Babú, Lucrécia, a Peidorreira, casara-se com pompa e circunstância com Gerardo, seu amigo e colega de faculdade mas, acima de tudo, companheiro de peidos e fedentinas.
La senõra Babú nem ligava mais para aquela mania esquisita dos dois, até se acostumara aos campeonatos de peido que ambos promoviam quando o Boca Júniors, o time da loucura de ambos jogava.
Quando tinha jogo, a dupla instalava-se no sofá da sala da casa de la senõra Babú e não tinha para mais ninguém, a não ser para o cachorro Asdrúbal que, de tão velho, mal cabia sobre as próprias patas, mas não deixava de acompanhar Lucrécia em suas esquisitices.
Aliás, Asdrúbal, para não ficar atrás e talvez movido por um sentimento de cumplicidade, soltava lá seus peidos, que eram, diga-se de passagem, bem piores que os de Lucrécia e Gerardo juntos.
Fato é que Lucrécia, certo dia, encasquetou que estava ficando velha e, assim sendo, precisa de alguns retoques com urgência.
Ela era exagerada, claro, mas as ruguinhas estavam ali e não havia lugar a dúvidas: a casa, ou melhor, o corpicho estava começando a cair.
La señora Babú, tão velha quanto Asdrúbal, falava todo santo dia: Si seguis asi, Gerardo te va a dejar! Movéte, Lucrécia!
Então, Lucrécia descobriu uma clínica milagrosa em Santo Tomé.
Inteirara-se de tudo pelo Facebook, pois vivia pendente das redes sociais.
A cada comentário, um peido, e vice versa.
Marcou hora e convocou duas amigas de confiança para a jornada de beleza e foi assim que, num dia lindo de Primavera, o trio rumou para Santo Tomé, sem hora para voltar.
Claro que, durante a viajem Lucrécia controlou o quanto pode sua tendência a peidar sempre que lhe aprouvesse mas, as descer do carro, já na frente da clínica, largou, sem a menor cerimônia,  tudo o que estava preso: prrrrrrrrrrrr!!!
Eram somente gases, não havia cheiro.
As amigas, acostumadas àqueles disparates nem deram bola, mas vários passantes viraram suas cabeças, escandalizados com tamanha desfaçatez.
Como sempre, ela nem tava.
Peidava, ué sais! Estava sempre com gases, o que podia fazer?
Entraram na clínica.
Foram duas horas que valeram por uma sessão de tortura, com aplicações de botox no rosto e na boca enquanto, no abdômen e na parte superior das coxas, fazia criolipólise, um método para sugar a gordura.
Uiiiiiiii!!!
Imobilizada naquela caminha, Lucrécia foi pegando pressão e tentou, de muitas formas, não peidar, afinal,  a sala estava apinhada de mulheres cravejadas de agulhas por todos os lados, só que não adiantou.
Lá pelas tantas, começou a soltar devagarinho, sem alarde.
Ela sabia que eram os piores...
Logo o fedorão se espalhou pela sala, e todo o mulherio se entreolhou, apreensivo:  algum aparelho teria queimado?
Seria o tanto de gordura sugada que fedia daquela forma?
Terminada a sessão, Lucrécia e suas amigas estavam loucas de fome e ainda precisavam passar na farmácia. A jornada de beleza incluía a compra de chia, ômega três, betacaroteno e o que mais precisasse para melhorar o visual.




segunda-feira, 6 de outubro de 2014

O Jasmim Encantado

Há muitos anos, uma pessoa de  bom coração presenteou-me com uma muda de jasmim.
E aquele jasmim era especial, pois fora colhido do jardim da casa de meu Avô paterno, Atílio Mondadori.
Minha Avó Mathilde, a quem meu Avô chamava de ricura, era a que cuidava do jasmim, que se esparramava, soberano, sobre as grades que separavam o jardim do restante da casa.
Ali, naquele espaço mágico, minha Avó plantava rosas, gerânios, amores perfeitos, lírios, margaridas...tinha um canteiro todinho de margaridas!
No meio do jardim, um chafariz, que fazia borbulhar a água, refletindo o brilho do sol.
Como era lindo o jardim da casa de meus Avós paternos!
Há uns 15 anos, aproximadamente, ganhei uma pequena muda daquele jasmim encantado, que já durava tantos e tantos anos e, creio eu, ressentido com a falta das mãos de minha Avó, mostrava-se velho e cansado, dando mostras evidentes de que desejava ir embora, pois não florescia mais com antes quando, todos os meses de outubro, cobria-se de flores, cujo perfume sentia-se da rua.
Então, outro remédio não teve, a não ser retirar o jasmim dali.
Foi uma operação triste, pois ele fazia parte da história da casa, dos dias em que minha Avó podava-o, do tempo em era preciso regá-lo e também, dos dias felizes em que, tão carregado de flores estava que havia-as para encher todos os vasos de minha tia Alba, que fazia arranjos com flores como ninguém.
Foi-se embora o jasmim da casa de meus Avós, mas sobrou uma pequena muda para mim, que me foi dada por Adalgisa Chavaré, a Mãe Gija, como era chamada por todos.
Trouxe-a para minha casa e, por vários dias, mantive-a num pote de vidro com água, trocada todos os dias, até que criasse raiz e, depois, plantei-a num canto da área.
Os dias e meses e anos se passaram e ali, naquele local, o jasmim encantado floresceu, e tornou-se um arbusto forte, grande d formoso, que proporciona uma cortina de sombra a uma parte da área no verão, e perfuma a casa, o pátio e as redondezas todos os meses de outubro e novembro com tantas flores, que consigo enfeitar todos os vasos que possuo.
As mãos que, durante anos a fio cuidaram daquela planta, me repassaram, ao que tudo indica,  a tarefa de fazer com que ele continuasse florescendo.
Desde que o plantei, o jasmim encantado e eu mantemos uma relação de amor, cuidado e muita cumplicidade: eu ajeito seus galhos retorcidos quando é necessário, molho suas folhas quando sinto que ele está com sede, e ele me retribui com flores verdes e brilhantes, flores de delicioso aroma e com ninhos de pequenos pássaros, que cantam o ano inteiro.
Agradeço tanto aos meus Avós paternos, que um dia plantaram uma pequena muda de jasmim, que era encantado e, desde o início, veio para ficar nas mãos de nossa família por várias gerações.
O amor, em suas mais variadas formas, sempre permanece!




quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Muitos Caciques

Essa velha máxima nunca esteve tão atual nos dias que correm: muito cacique para pouco índio.
Tem tanta gente opinando sobre o que não sabe, dando palpites infelizes e mega furados pensando que sabem de alguma coisa, com suas culturas de almanaque, que fico bege, só observando.
Só no sapatinho.
E, como não poderia deixar de ser, quando acontecem coisas escabrosas, estarrecedoras para quem tem um pingo de boa educação, sempre penso no meu Pai.
Se o Dr. Edgard estivesse aqui, de há muito teria me dito: larga essa merda!
Sim, seria isso o que ele teria me dito, com certeza absoluta.
Saudade do meu Pai é pouco!
Daria tudo, tudinho para poder estar com ele e dividir as aflições, os pensamentos, as ideias, ouvir suas opiniões e conselhos.
Ele, e mais ninguém, saberia o que me dizer numa hora dessas, embora eu tenha 53 anos, mas conselho de pai sempre é bom.
Algo isento e imparcial, dito por uma pessoa que somente te deseja o bem.
E isso sim é difícil, dificílimo! Alguém que te deseje o bem, sem nenhuma espécie de interesse ou mutreta.
São tantos os fatos que têm acontecido ultimamente bem ali, nas minhas barbas, que ponho-me a pensar onde diabos se meteu a educação e o caráter de certas gentes, e concluo: escafederam-se, foram plantar batatas.
Não tem e nunca tiveram nada de nada.
O custo emocional de alguém que precisa submeter-se a certas violências morais é imenso, e não paga a pena.
Mais vale um dia como um leão que cem anos como um carneiro, isso meu Pai sempre me dizia e, efetivamente, concordo.
Mais vale um dia como um leão que cem dias como um carneiro, ou seja, de que vale viver tanto, e mal, a ponto de ter que aturar baixarias atrás de baixarias, que sentir o prazer de dar uma patada com a força que somente um leão pode ter?
A resposta está dentro de cada um, e nossa tábua axiológica nos dá a medida da suportabilidade.
Enfim, resumindo: tenho nojo de gente grossa e mal educada que trata mal os outros, que se aproveita da fragilidade para destratar, que se mostra politicamentiiii corrrééétoo para esculhambar.
Entretanto, também é verdade que, se permitimos certos desmandos em relação a nossa pessoa, algo está mal dentro de nós.
Mais vale um dia como um leão que cem anos como um carneiro!



terça-feira, 30 de setembro de 2014

La Depresión

Minhas tias maternas Alba Mercedes e Maria Luisa sofriam de depressão.
Minha Mãe sofria de depressão.
E eu me pelo de medo de sofrer de depressão.
Fiquei anos e anos escutando aquela frase que me parecia fatídica, quase uma sentença de morte, que minha Mãe pronunciava num tom de voz baixo, solene: Albita está con depresión. Maria Luisa tiene depresión.
Eu não entendia, ou me fazia de louca para não entender a razão daquele sofrimento todo pelo qual minhas tias passavam.
Choravam por tudo e por nada.
Andavam caminhando pela casa feito zumbis, o olhar triste e mortiço, o sorriso de canto de boca, sem vontade. O riso, antes torrencial, transformara-se apenas num murmúrio sem graça, murcho.
Nada agradava, nada era bom.
Depois, minha tia Albita foi embora e minha Mãe se viu sem sua grande amiga e parceira de tantas viagens que fizeram juntas.
Caiu em depressão.
Dois anos depois, ela foi embora.
Um ano depois dela, minha outra tia, Maria Luisa.
Hoje me vejo pensando no dilema daquelas mulheres que tanto amei, minha Mãe e minhas duas tias, e, sinceramente, é coisa que não gostaria que me sucedesse.
Conclui que as atividades funcionam como um antídoto para esse mal, ao menos no meu caso.
Mente desocupada, mente preocupada, diz o ditado.
Não é tão simples assim, mas a vida tem me mostrado que, do outro lado da família - minhas tias paternas, essas não sofreram de depressão.
Mantinham-se em atividade constante, envolvidas com os mais diversos afazeres, que iam desde a pintura de imagens da Igreja ao plantio de rosas ou à fabricação caseira de vinho de laranja.
Estavam muito bem obrigada até o dia em que, bem velhinhas, foram observar novas paisagens.
Talvez por isso, com tais exemplos, eu fuja do ócio.
O ócio não me faz bem.
Quando me pego triste ou pensando sobre questões que fogem de minha alçada, trato logo de sair por aí, inventando coisas.
Para mim movimento, novos desafios e projetos são remédio.
No fundo,  o que a gente quer,  e precisa, é de uma reafirmação da vida.
Mesmo que já tenhamos trilhado um bom pedaço do caminho.



quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Pequenos Traumas

A vida, e devo dizer, de antemão, que de nada me puedo quejar, embora tenha passado por fases pesadas, vai te deixando, além de experiências enriquecedoras e alegres, outras  nem  tanto.
E, com isso, as marcas vão ficando.
Umas maiores, outras de menor potencial, mas elas estão lá, em algum lugar, quietas, como que esperando o momento certo para se manifestar.
Eclodir.
E eclodem.
Nós precisamos aprender a lidar com isso, que requer um esforço tremendo de autodeterminação e vontade de superar o cansaço e a desilusão que as muitas pontes que precisamos atravessar ao longo do tempo nos causaram.
 A repetição de certas cenas e palavras nos causam pequenos traumas.
Ou grandes, depende.
Muitas vezes, são questões que, de modo geral, vem de quem mais nos conhece e, sendo assim, quem agride sabe perfeitamente como ferir e atacar no ponto que faça o maior estrago possível.
E quem sofre as palavras duras, os gestos medonhos nunca, jamais esquece.
Entretanto, entendo que, embora nada saiba de psicologia - atrevo-me a dizer que de algumas coisas sei bastante, aliás, melhor dizendo,  sei o suficiente, para o bem estar de nossa saúde mental, um dia é aquele dia em que colocamos o ponto e viramos a página.
Por tais razões, há que se fechar a porteira para que o veneno destilado por outrem não invada nossa casa, nossa alma, nossa vida.
Deixemos os venenosos e os recalcados de lado e sigamos em frente, sempre em frente.
Colocar um cadeado em volta da porteira é difícil, eu sei.
Buscar reconhecer nossos traumas, aquilo que nos afeta profundamente e que nos faz mal, suas causas e, sobretudo, procurar afastar vigorosamente as consequências que deles advém é tarefa árdua.
Mas o outro lado da paisagem é extremamente compensador: ar puro, leveza e liberdade.
As melhores sensações que um ser humano pode usufruir!


Falta de Ética

Muitas vezes, fico me perguntado porque razão têm  pessoas que precisam pisar nas outras para se sobressair.
Isso, realmente, é algo que não consigo entender, e tenho observado que, nos mais diversos setores, a história se repete.
Você chega em uma determinada empresa e é bem recebida, até o momento em que começa a crescer e passar anos luz à frente, e pronto, está feito: não passa muito tempo, e logo vem aquela pessoa tentando te puxar o tapete ou, como diria meu tio Carlos Alberto, colocar a casca de banana pra ver se a gente pisa.
Eu, particularmente, detesto gente assim, e até chego a dar uma certa chance, no seguinte sentido: inicialmente me faço de morta, a fim de que a criatura pense que está mandando no pedaço e sou sua serva.
Ah, Ah, Ah....
É assim que fico, rindo por dentro.
E, lenta mas firmemente, começo a por as coisas na devida ordem, isto é, cada um no seu quadrado, cada macaco no seu galho, e por aí vai.
No segundo tempo, começam os cochichos e olhares velados, os quais, para infelicidade geral de quem faz isso, também percebo.
Percebo, e deixo passar pois, verdade seja dita, no fundo no fundo, estou me divertindo às custas da ingenuidade alheia.
Aparentemente parece fácil que alguém engane ou submeta você a alguma situação de assédio moral.
Esse é o nome que dão a isso, sim, um nome politicamentiiii corrréééto, mas o certo mesmo seria safadeza pura.
Falta de ética.
Gente que não confia no próprio potencial de caga de medo do brilho do outro.
Gente louca por um carguinho, ou por um grande cargo, que usa de quaisquer ardis para tirar do caminho quem tem talento.
A pessoa que faz isso talvez saiba muito, mas de ética não entende nada.
E, lá adiante, cairá de beiço no chão.
Ploft!
Tem gente que tem tudo para se dar bem, mas se suja só para mostrar serviço.
E esse tipo de pessoa me enoja profundamente.
Como disse antes, no início até me divirto com tantos salamaleques.
Coisa de amador, de puxa saco de quinta.
Entretanto, um belo dia, quem não tem respeito algum pelo colega de trabalho precisa levar um puxãozinho assim, bem de leve, só pra entender como é que a banda toca.
A diferença é que, dependo do ângulo, a puxadinha pode ser fatal.
É...
Não se deve mexer com quem está quieto.

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

A Toalha da Vó Adelaida

Minha Avó materna Adelaida tinha uma toalha de mesa de linho branco, toda bordada em Richelieu, uma técnica de bordado aberto criada pelo Cardeal Richelieu, que integrava a Corte do Rei Luis XIII, da França.
Muito fina, a tolha branca de linho de minha Avó Adelaida.
Chiqérrima!
Contava-me ela que aquela toalha havia sido confeccionada por las monjas del colegio de Buenos Aires, para mi casamiento, nenita.
Vejam, queridos amigos, quanto tempo essa toalha circulou pela família Fernández e, depois, pela família Mondadori.
Ela ficava guardada dentro do aparador da sala de jantar da casa da Vó, no Alvear, um móvel de madeira escura que tinha quatro gavetas imensas no meio, com seus puxadores dourados,  e duas portas de cada lado, aliás, umas senhoras portas.
Dali, a toalha só saía para ser  usada  em ocasiões especiais: um almoço de batizado, um noivado, casamento, o almoço do Domingo de Páscoa e a Noite de Natal.
Havia todo um ritual que precedia seu uso: tiravam-na da gaveta, e a empregada de minha Avó lavava-a, delicadamente, enxaguava sem torcer e estendia-a no varal, num dia de sol, para que saísse o cheiro de guardado.
Quando a toalha estava ainda úmida, era passada com aqueles ferros pesadíssimos, nos quais se colocava a brasa do fogão à  lenha dentro.
Logo após, a toalha era colocada na mesa de jantar, e aí fechavam-se as portas para ninguém tivesse acesso à sala.
Não se podia correr o risco de sujar a toalha antes da festa.
Participei de incontáveis festas familiares onde a toalha de renda de minha Avó era uma das artistas principais, tão linda era.
Até que, quando minha Avó foi embora, a toalha passou às mãos de minha Mãe, que também seguia o mesmo ritual de sua mãe e, assim, a toalha foi uma das protagonistas da festança de Bodas de Prata de meus Pais, depois, de noivados, do meu casamento civil, das festas de final de ano e de tantas outras.
Minha Mãe foi embora, e a toalha passou às minhas mãos, que também sigo o mesmo ritual de minha Avó Adelaida e de minha Mãe.
E a toalha de linho branco com bordados Richelieu continua saindo à baila para enfeitar a mesa de aniversários, de Páscoa, de Natal e de Ano Novo.
Ela é o símbolo de momentos felizes!
Lembrei-me dela enquanto arrumava mi valija para, amanhã, rumar a Santa Maria a fim de participar do casamento da filha de amigos queridos.
A felicidade deles contagia, e se torna também a nossa, pois é muito bom poder compartilhar  tão alegres e abençoados momentos.
Esses objetos - toalhas, cálices, taças, talheres, sempre evocam as mais belas lembranças e, por isso, são tão bem guardados.
A toalha de linho branco com bordados Richelieu de minha Avó Adelaida, sinônimo de alegria está lá, na gaveta do meu aparador.
A espera da próxima festa!

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Autossuficiente

É pecado ser autossuficiente?
É ruim para uma mulher ser dona de seu próprio nariz e não depender de nada,  ou de alguém para mantê-la e dizer a que horas ela precisa voltar, o quanto tem que beber, a razão social desta ou daquela roupa e mais mil e uma explicações?
Algo a ver com os conceitos de posse e propriedade do Direito Civil?
Houve um tempo em que  o modelito feminino determinava que  deveríamos ser a meiguinha, a bobinha, a burrinha, apenas bonitinha e nada mais.
Bá, que coisa terrível! acho que uma boneca de matéria plástica talvez cumprisse melhor o papel que se esperava de uma jovem mulher: que tivesse um cérebro de ervilha.
Na sala uma dama e na cama, uma prostituta.
Cruz credo!
Enfim...
Rótulos.
Abomino rótulos e frases feitas, pois eles nos aprisionam como seres humanos.
Decididamente, nunca consegui entender essa  submissão ao outro(a), como se não fossemos detentores de uma vontade própria, particular, só nossa, como se nossa vida somente fizesse sentido a partir do outro, e não, com o outro.
As mulheres chegaram até onde queriam?
Acho que sim.
Mas olha só o que aconteceu:
Em nome da famosa igualdade, uma parcela significativa de homens passou a enxergar mulheres autossuficientes como pessoas que tem que fazer isto ou aquilo, ou seja, já que pretendem ser iguais, então, que façam trabalhos masculinos também.
E muitas mulheres se tornaram um pouco homens.
Ora, isso vai de encontro à natureza feminina, e o que sempre se questionou foi uma igualdade de direitos e deveres, mas sem perder a condição de mulher.
E muitos, vários homens, quando se deparam com uma mulher independente, tratam-na como se a mesma tivesse hormônios masculinos.
Não há mais gentileza.
Gentileza? Artigo em extinção.
Cavalheirismo? Ué sais, que bicho é esse?
Romantismo? Mas sai pra lá, que coisa mais antiquada.
Resultado: os homens, ultimamente, tem  tratado muito mal as mulheres.
Como se a mulher fosse fisicamente igual ao homem,  e não o é.
Como se a mulher tivesse obrigação, sempre, de dividir a conta, de ir à oficina, de descarregar a lenha para a lareira, de fazer e acontecer.
Não.
Há tarefas que são inerentes a quem pertence ao sexo masculino, outras, a quem é do sexo feminino, e outras, comuns a ambos.
Essa inversão de valores tem gerado mulheres solitárias e insatisfeitas, em busca de um modelo de homem que está em extinção: aquele cara bem humorado, educado, que abre a porta para a mulher passar, que acolhe, que protege.
Proteção afetiva.
Afago.
Abraço apertado.
Cumplicidade.
Afeto.
Mulher autossuficiente não deixa de ser mulher apenas por ser independente.
Tem gente que não entende esse porém, de jeito nenhum.















sábado, 13 de setembro de 2014

Para Graciela, Minha Amiga Flor

Tenho uma amiga argentina que conheci quando tinha 16 anos, e foi mais ou menos assim:
Num dia lindo do mês de dezembro de 1977, fui ao Alvear com minha mãe e, lá chegando,  minha tia Maria Luisa me convidou para ir até a casa de uma amiga sua, chama Mabel, para encomendar uma torta doce para o Natal, que se aproximava.
Como lembro tão bem daquele dia de calor, eram umas 11 da manhã e nós duas saímos por aquelas ruas poeirentas do Alvear, caminhando devagarinho, de braços dados, sob a sombra das árvores, pois Alvear era assim, não tinha calçamento nas ruas mas as árvores sombreavam todos os espaços, e o calorão diminuía com o ventinho fresco que soprava.
A casa de dona Mabel, a amiga de minha tia, distava apenas três quadras dali, uma casa antiga, grande, de paredes imensas e largas, típica moradia argentina com seu saguán (corredor) e, logo à direita, uma sala espaçosa.
Dona Mabel era linda, tinha olhos castanhos grandes e brilhantes, boca carnuda e um sorriso maravilhoso, voz clara e forte, cabelos castanho claros, curtos. Abriu a porta com um avental e um vestido estampado, vestido de verão e, sorridente, nos fez entrar.
Ela olhou para mim e falou, mas que menina bonita, es la hija de Kila? Tu es muy bonita, falou, com aquela mistura encantadora de espanhol e português.
Nos serviu um suco de pomelo bem gelado e ficou acertando os detalhes da torta com minha tia.
Lá pelas tantas, surgiu à porta da sala aquela que seria minha grande amiga, aquele tipo de pessoa que a gente conhece, convive um tempo, a vida separa mas o coração não esquece, porque o amor não tem tempo, o amor é imortal e a amizade sincera também.
Graciela é seu nome, mas todo mundo a chamava de Cotita ou Coty, e assim foi que nos conhecemos.
Começamos a conversar e minha tia perguntou, não queres ficar um pouco mais por aqui?
Eu fiquei, encantada com minha nova amiga, tão bonita e charmosa que a gente não se cansava de olhar para ela: cabelos longos, passando, e muito, dos ombros, magra, não muito alta, olhos castanho claro, a mesma boca de sua mãe, dona Mabel, um narizinho pequeno, fininho e levemente arrebitado, aquele nariz era muito show!
A Cotita parecia uma flor,  de tão delicada!
Minha amiga Cotita arrasava corações no Alvear, e logo nos enturmamos que tal maneira que, parecia, éramos amigas de infância!
Convidaram-me para almoçar.
E aí, meus amigos, eis que, quando me sento à mesa, apareceu aquele que seria meu namorado por dois anos, o irmão da Cotita, recém formado na Marinha Argentina, um moreno de arrasar, de tão lindo que era, e que grudou o olho em mim e eu nele, nem me lembro, a bem da verdade, qual  foi o cardápio do almoço, só tinha olhos para Leon, esse era o nome dele.
Dali por diante, para resumir, foi o seguinte: o verão mais fantástico que passei em minha juventude, perdidamente apaixonada pelo irmão da minha melhor amiga, mimada pela sogra e cercada de amor, afeto e carinho por todos os lados.
Sexta feira à tarde eu me mandava para o Alvear e ficava na casa de minha tia Maria Luisa, e a programação começava cedo: à tarde, íamos tomar banho no Rio Uruguai,  Leon nos levava numa caminhonete, aos solavancos, numa estradinha de terra completamente esburacada, e quem dava bola para isso?
A tardinha voltávamos, para logo mais, à noite, nos reencontrarmos num barzinho horroroso que tinha em Alvear, era o único, eu acho, mas quem dava bola para isso?
É como eu digo, quando estamos felizes e com pessoas verdadeiras ao nosso lado, todos os lugares são belos.
Fiz muitos passeios  de chalana com meu amado Leon, fui a muitos bailes com minha amiga Cotita e passei momentos extraordinariamente felizes com aquela família que tão bem me recebeu: dona Mabel, seu Leon, o pai, minha amiga Cotita e seu irmão Leon.
Esses amores, a gente carrega no peito para o resto da vida, e não há distância capaz de esmaecer ou apagar o que nos fez felizes.
Há tempos eu queria escrever para ti, minha amiga Cotita, apenas para te dizer que guardo todos vocês num lado muito especial do coração.
Apenas para dizer-te, minha amiga querida, que te amo muito!




Hipocrisias Socias

Tá tudo virado, ultimamente.
Nem ia falar sobre tais assuntos, mas é tal o volume de aberrações que vem se sucedendo que não se pode calar.
Primeiro, a questão do racismo.
Sim, nada a ver o que fez aquela jovem durante o jogo.
Agora, usar essa próxima para servir de exemplo é de uma tal hipocrisia que enoja.
O que ela fez é grave e fora de propósito.
Tá.
Mas o que vem sendo feito contra ela, de maneira sistemática, é infinitamente  pior!
Eu, sinceramente, se tivesse que ver o rosto de uma de minhas filhas, banhado em lágrimas,  estampado na capa de um jornal de grande circulação pedindo perdão, perdão, por um ato que teve muito de ingenuidade, e pouco de crime, morreria de desgosto!
Perdão?
Perdão, somente se pede a Deus, e fim de linha!
Para o resto, existe a Justiça, e ela que se encarregue.
O que ela fez foi errado, mas nada justifica o tamanho do escândalo em torno do fato, até porque tais
situações existem desde o tempo do Brasil Colônia,  e agora é essa jovem a que tem que pagar.
E pedir perdão.
E o povo todo acossando, pressionando,  julgando.
Joga pedra na Geni, joga bosta na Geni...
Essa situação já passou de todos os limites do aceitável, mas é que sempre tem um grupito que toca a manivela, e se encarrega de que  ela não pare de rodar.
Essa pessoa tem 23 anos, e garanto que muitos, muitos estavam gritando coisas até piores, mas ela foi o bode da vez.
Cambada de hipócritas, isso sim!
Na frente das câmeras, todos politicamentiiii corrrééétos; em casa, entre quatro paredes...
Ninguém discorda que essa jovem agiu mal.
Agora, esfolar a menina em praça pública é muita sacanagem.
Será que ela vai ter que ir embora do Brasil?
De sua cidade?
Do seu Estado?
Para aprender?
Para aprender o quê?
Que ela, e somente ela serviu de bode expiatório para um montão de gente reacionária, hipócrita e racista?
Agora, o casamento gay.
Mas casem, gays!
Amem-se, e vivam felizes para sempre!
O amor é um sentimento sublime, e não importa se ele se dá entre homem/mulher, duas mulheres, dois homens.
É amor, e toda forma de amor vale a pena.
Agora, a troco de que santo inventaram de fazer essa celebração - celebração, e não guerra, dentro de um Centro de Tradições?
O nome já diz tudo: Centro de Tradições, de costumes do tempo da pedra, tais como não poder dançar de saia curta e blusa decotada, e outras bobagens mais.
Querem enfiar, goela abaixo, dentro de um Centro de Tradições aquilo que vai de encontro a tudo o que ali é apregoado.
Não pode. Não dá.
Não é a união que não pode, é o local que é impróprio.
Até agora, estou sem entender qual é o papel da ilustre Magistrada que teve essa ideia, e depois andava lá, olhando os estragos provocados pelo incêndio.
Sempre aprendi que o juiz de direito tem que ser imparcial, e a ele cabe aplicar a lei ao caso concreto.
Vai ver que isso também mudou.
Tá tudo errado.
Tá tudo virado.
Assim como não se pode subir na torre da igreja e pintar a bunda de vermelho, e a ninguém é permitido ingressar numa sala de audiências de bermudão e chinelo de dedos, não dá para interferir em uma sociedade que possui um estatuto que, por seu turno, foi elaborado pelos associados.
Isso não é preconceito.
Isso são regras que foram feitas por uma entidade privada. 
Que, como tal, tem que ser respeitada.
Por que, se assim não for,  vou querer entrar numa audiência de biquíni e, se me tirarem, alegarei que estava com calor, que sou livre, que o Brasil é nosso, que estão tolhendo meus direitos de cidadã...chamem o pessoal dos Direitos Humanos, a imprensa e o síndico.
O circo estará formado.
Nós vivemos em uma sociedade organizada, e organização não é preconceito.
Mesmo que existam normas antiquadas e fora da casinha,  precisam ser respeitadas e, para mudá-las, a sociedade como um todo tem que ser consultada.
A vida em sociedade exige  limites e respeito.
Acima de tudo, coragem para deixar de lado a hipocrisia social e encarar as mudanças de frente.
Libertar-se de  tantos  pré conceitos sobre o que é, de fato, preconceito.














quinta-feira, 11 de setembro de 2014

O Relho

O meu pai, meu adorado pai,  Dr. Edgard, tinha um relho.
Aliás, um não.
Eram dois, lembro-me bem.
E costumava guardá-los, postos em pé, atrás da porta da lavanderia.
Nunca entendi qual  era o sentido de guardar dois relhos atrás da porta da lavandeira, que ficava fora do corpo da casa, até um tanto distante mas, vá lá, isso era com ele.
Fato é que, volta e meia, o Dr. Edgard ia  lá, passava a mão nos dois relhos e trazia-os para a cozinha.
Sei lá...
Ele gostava dos relhos de tamanho médio que mandara fazer sob medida, de um couro fininho e trançado e cabo de madeira.
E eles intimidavam.
O cachorro, só de olhar para eles, parava de acoar e deitava-se, mansinho, aos pés do meu Pai.
A gurizada da rua, que adorava jogar pedras no portão da garagem e ficava espiando pela fresta, quando via  o Dr. Edgard levantar de sua cadeira de balanço e sair na calçada com seu relho em mãos, disparava.
Inclusive, tinha uma história que ele contava:
Quando namorava minha Mãe e ia ao Alvear, precisava  ir do Porto até o centro da cidade de carruagem, a qual era puxada por dois cavalos magros. O cocheiro surrava os pobres bichos sem dó nem piedade embora, por diversas vezes, meu Pai tivesse pedido a ele para que parasse. Lá pelas folhas tantas, furioso com a situação, mandou o cocheiro parar, e descer. E deu uma surra de relho no cocheiro que, segundo dizem, apanhou mudo, e foi tamanha a repercussão do fato que o mesmo desapareceu do mapa e foi embora do Alvear.
Acredito que, de tanto ver e ouvir contar histórias com os tais relhos, também passei a nutrir por esses objetos uma especial predileção.
É que eles me fazem lembrar do meu Pai, e de uma lição que aprendi com ele e carrego comigo: não se leva desaforo pra casa. Dá de relho...
Isso me marcou, meus amigos queridos.
Essa frase, trago-a gravada no peito.
Para escândalo do poliiiitiicamentiiii corréééétos, obviamente.
Então, certa feita, tinha uma criatura que andava infernizando minha vida.
Eu pensei, pensei, pensei...
Engoli.
Mas, um belo dia, a frase, a famosa frase do meu Pai ficou bailando na minha frente: não se leva desaforo pra casa. Dá de relho...
Eu sorri, ri alto para os meus botões.
Um relho, um simples relho, foi o que resolveu a questão.
Apenas mandei um recadinho: me deixa em paz, ou vais apanhar de relho...
Como todo covarde, que na hora do pega, dispara, essa pessoa nunca mais me incomodou.
Se assustou com a possibilidade de levar uma tunda de laço, aliás de relho, de uma mulher: eu.
É.
Tomara que não.
Mas, vai que um dia...



sábado, 6 de setembro de 2014

A Sombrinha Vermelha

Lisiane tinha uma sombrinha vermelha, pela qual nutria especial predileção. Comprara-a nas Lojas Renner num dia de sol mas, da vitrine, a sombrinha estava ali, olhando para ela, e não importavam nem a hora - imprópria, estava com os minutos contados, nem o valor -  longe do final do mês o dinheiro era curto, mas ela precisava comprar aquela sombrinha.
Aquela.
Entrou na loja, pediu para vê-la e, de perto, encantou-se ainda mais, pois a sombrinha vermelha parecia ter vida própria, tão exuberante era.
O cabo era de madeira, firme, forte. O tecido era um misto de gabardine com seda,  um tom de vermelho perfeito, nem muito claro que beirasse o laranja, nem muito escuro que parecesse vinho.
Não.
Era vermelho.
Encarnado, a cor predileta de Lisiane.
Olhou, abriu e fechou a sombrinha e ali mesmo decidiu: iria comprar aquele objeto do seu desejo.
Saiu dali radiante, empunhando sua nova aquisição como se a mesma fosse uma joia de incomensurável valor.
É que, na verdade, a sombrinha, embora linda, era o de menos.
O importante era que Lisiane havia bancado seu desejo.
E, naquele gesto simples, ela entendeu tantas coisas de sua vida...
Era infeliz, e sabia, mas não tinha coragem de mudar e chutar o pau da barraca.
Não gostava da profissão, mas lhe faltavam forças para colocar um ponto e começar algo novo.
Queria sorver da vida até a última gota, mas tinha medo de voar.
A compra da sombrinha vermelha foi uma carta de alforria para Lisiane.
Ela saiu da loja decidida a mudar e mandar para longe tudo o que atravancava seu caminho e terminava com sua alegria.
Foi lá,  e fez.
Hoje, um dia chuvoso e cinza,  lembrei dessa história que me foi contada.
Associei o tempo à sombrinha vermelha mas, sobretudo, àquilo que ela simbolizava: o poder ser, o querer, a liberdade, o fato de andar sobre as próprias pernas e ser dona de si.
O poder da escolha.
Pois, embora sejamos seres com plena capacidade de discernir o que é bom e o que é ruim, o que nos agrada e o que nos faz feliz, muitas vezes  precisamos de algum objeto que nos faça enxergar tais valores.
Algo que nos sirva de amparo em dias de chuva.
Mesmo que seja uma simples sombrinha vermelha!



quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Edegariana

Edegariana é um estado de espírito que me é peculiar, isto é, aplica-se àquele dia em que acontecem determinados fatos que me tiram do sério.
E digo, quando tenho uma reação edegariana, que a mesma é uma maneira de homenagear meu Pai que, quando provocado, era um Deus nos acuda.
Nisso, em parte, diferimos.
Importante que se diga, e se frise, que não costumo reagir na hora h.
Não.
Quando sou agredida, de modo geral, me calo.
É que me pega de surpresa, de onde não espero, e minhas reações, invariavelmente, são as seguintes: primeiramente, fecho a boca, o sorriso é o primeiro a debandar.
Em segundo lugar, sinto que minhas narinas de abrem, tal como um bicho acuado quando sente o cheiro do perigo.
Por derradeiro, passo a olhar bem para o meu interlocutor, presto muita atenção naquele ser que sofrerá, oh, sim, será vítima de minha vingança maldosa e maligna.
Sou exatamente assim, mas também sei ser imprevisível, como costumam ser os geminianos autênticos, e é preciso um pouco de manha para saber lidar com estes e outros detalhes tão pequenos do meu ser.
Pois tenho sempre um sorriso largo e um abraço à disposição dos meus amigos e dos meus afetos.
Entretanto, também é verdade que  guardo um cantinho especial para aquelas pessoas que pensam que me conhecem e vem me cutucar com vara curta.
E o que viria a ser uma vara curta?
A lista é longa.
O que me  tira do sério é a mentira.
Aquela falsidade toda escorrendo, feito uma baba nojenta pelo canto da boca, delatada pelo olhar.
Quer saber se alguém está sendo verdadeiro? Olhe no olhos da pessoa, e você terá sua resposta.
Dois pesos, duas medidas, outro item de minha lista.
Pois se é assim, por que, um tempo depois, tem que ser assado?
Tampouco me agradam os invejosos - bueno, isso merece uma postagem à parte.
Gosto das coisas claras e ditas olhando no meu olho, pois respostas dúbias dão margens a interpretações errôneas.
Dissimulação, outro item da listinha básica que me deixa possuída.
Fiz todo esse floreio para falar que meu Pai, o Dr. Edgard, era afável, risonho e extremamente companheiro, para ele não havia tempo ruim.
Mas quando saía do sério...
Depois que ele foi embora - e hoje faz 11 anos e, não por casualidade, eu estava pensando na melhor forma de traduzir meu aborrecimento com algumas circunstâncias quando me veio à cabeça sua presença num dia de temporal, sempre penso nele en las buenas y en las malas, fiquei pensando o que ele faria se estivesse no meu lugar.
Então, respirei fundo e sorri.
Senti, dentro de mim, uma força muito grande, a força do Dr. Edgard.
Senti-me completamente Edegariana.
E aí, tudo clareou, algo como abre alas, que eu quero passar.
Eu vou passar.
De trator.
Por cima de você!






segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Em Setembro, A Primavera!

Eis que, finalmente, chegou Setembro com toda a força da alegria que lhe é peculiar.
O vento, levemente Norte, não pode faltar, fazendo cair sobre nossas cabeças as folhas das árvores e fazendo redemoinhos entre as sujeiras das ruas.
Nada disso importa a nós, mortais, que estávamos esperando, ansiosamente que agosto,  o mês aziago, o mês do cachorro louco e do desgosto fosse embora de vez.
E foi.
Para brindar  nossa paciente espera, Setembro chegou soberano, trazendo um sol imenso e um céu azul, dia mais que perfeito para dar início às comemorações da Semana da Pátria.
Não há cristão que resista a um rufar de tambores, aos clarins e às saias esvoaçantes das balizas.
É tudo muito lindo, é sinônimo de alegria, ver toda aquela juventude postada em frente a Praça, engalanados com seu melhor uniforme, as botas brilhando, as luvas, os quepes com seus penachos vermelhos, brancos, azuis, verdes, amarelos.
Todas as cores de nossas bandeiras, todas as cores do Itaqui, do Rio Grande e do Brasil ali representadas.
Fomos submetidos, os Itaquienses, a um longo inverno, que trouxe a enchente do Rio Uruguai e causou tantos estragos e tamanha desolação que a gente sentia vontade de chorar ao deparar-se com aquele quadro.
As águas foram embora e restou aos Itaquienses limpar a sujeira, o barro, reconstruir, lavar, pintar.
Que mês longo foi agosto, com sua carranca.
Hoje, finalmente, chegou Setembro!
E veio a pleno, como um cavaleiro da esperança, arauto de boas novas e de dias melhores e mais felizes.
Os pássaros, já no alvorecer, deixaram seus ninhos cantando, loucos de felicidade com a temperatura amena e quando o primeiro raio de sol apareceu, todas as flores se abriram para saudá-lo.
Setembro chegou, graças a Deus.
Semana da Pátria, Semana Farroupilha e a gauchada se assanhando novamente, pois a vida segue e a Primavera está quase aí, com seus perfumes e seus dias coloridos.
Novos ventos soprando, gente nos parques, praças e nas ruas, saudando a nova estação.
Terminou nosso longo inverno, graças a Deus.
Que Setembro nos seja propício!

Uma semana maravilhosa a todos!


domingo, 31 de agosto de 2014

O Quanto Andei

Muitas vezes, escrevemos abobrinhas e coisas alegres e um tanto quanto sem fundamento apenas para driblar a dor e dar uma gambeta na saudade, preencher o tremendo vazio e pensar apenas nas coisa boas.
Como diz uma frase, enumere apenas as coisas boas.
Tá.
Mas a saudade é assim, chega sem avisar e não faz cerimônia, invade o coração da gente, e aí...o resto, vocês já sabem.
Faz 11 anos que não vejo meu Pai.
Onze anos!
É muito tempo, tanto tempo que não sou capaz de imaginar, logo eu, que não ficava um mísero dia sem vê-lo, agora me tocou estar longe dele.
É muito duro ter que andar sozinha.
Sozinha sem a presença do Pai, é o que eu quero dizer.
Andei tanto, desde o dia 3 de setembro de 2003 que, só de pensar, me canso.
Mesmo que eu tente fugir, um dia a saudade chega...
Estas questões tremendas são muito difíceis de entender, mais ainda, de tentar explicar.
Explicar a razão pela qual choro porque sinto falta da minha casa, da casa paterna, com seus sons, seus cheiros, sua luz.
Com sua história, que também é a minha história.
Não há casa igual à casa paterna, mas só quem teve é que sabe avaliar a dor da perda.
É, eu lutei para ficar com a casa de meus Pais durante cinco anos, anos infernais, e foi tal o desgaste emocional que desisti, pois a casa ficaria e eu iria embora, assim estavam as coisas.
É uma ferida que nunca cicatrizou a talvez jamais feche, saber que fui banida daquele espaço de amores onde nunca mais poderei entrar como eu entrava, sabedora de que ali me esperavam todos os abraços que eu queria receber, e dar.
Nunca mais recebi um abraço como aquele que costumava receber do meu Pai.
E nunca mais ouvi  palavras doces, de alento, de força, não como as que somente ele sabia dizer.
O meu pai era um homem carinhoso, alegre, afável, educado, meu pai sabia das coisas.
Perfumado.
Dançava um tango e uma valsa como ninguém!
Mesmo que eu viva 100 anos,  jamais vou esquecer de sua voz, dos seus olhos esverdeados, da sua risada, daquele amor imenso, dos tantos cuidados que ele me dispensou.
Quantas vezes me embalou?
Quantas vezes me buscou na rodoviária?
Quantas vezes me consolou?
Meu Pai fazia tudo o que estava ao seu alcance para me vez feliz.
Dia 3 de setembro, 11 anos sem ele e sem  aquele abraço apertado que nunca mais terei.
Perdoem-me, amigos, vocês sabem que sou de véspera.
Vou passar a mão naquele mesmo remédio de china velha que ele também  tomava, apenas umas gotinhas para engambelar a tristeza, e nada mais me resta a não ser chorar.
Forte eu sou, mas não tem jeito, hoje eu tenho que chorar.







sábado, 30 de agosto de 2014

Histórias de Lucrécia, a Peidorreira

Lucrécia nascera em Encarnacion, no Paraguai, mas a família mudara-se para Posadas, na Argentina, quando ela era ainda bebê.
O nome era esquisito, mas sua mãe, la senõra Babú, uma paraguaia gordota e baixa encasquetara que, quando tivesse uma filha, chamar-se-ia Lucrecia, e assim foi.
Ela tinha aquela mistura de castelhano com guarani que a tornava especial, diferente, como se  não bastasse o nome: Lucrecia era uma menina gordinha, morena, pele azeitonada, olhos negros repuxados e uma boca grande de muitos sorrisos.
Arteira e agitada, Lucrecia era a alegria da casa, não fosse por uma peculiaridade enjoada: peidava muito.
Isso incomodava sobremaneira a la senõra Babú, que tentava corrigir esse defeito da filha mas não lograva êxito.
Lucrecia, por seu lado, sabia que  não deveria agir assim mas era mais forte que ela e quando se dava conta, pá...soltava um peido nos momentos mais inconvenientes.
 Estavam almoçando, e ouvia-se  aquele som que vinha de baixo da mesa: podia contar que fedia!
Quando tinha uma visita, então, nem se fala!
Lucrecia estava terminantemente proibida de aparecer, deveria ficar bem longe do living, só que os sons eram inconfundíveis, e as visitas entreolhavam-se, num misto de constrangimento e riso, suficiente para terminar qualquer reunião.
Na missa, na hora da comunhão, prrrrrrrrrrrr!
Muitas vezes Lucrecia escondia-se, pois sabia que sua mãe não tolerava aquilo.
Quietinha, postava-se atrás da cortina da sala e ali ficava, peidando à vontade num fedor insuportável, ela e o cachorro, seu cúmplice de fedentina.
Asdrúbal, um pastor alemão que chegara à casa da família quando Lucrécia nascera seguia-a por todos os lados e, quando a menina enroscava-se nas cortinas, sabia: era peido na certa!
Então, Asdrúbal jogava-se aos pés de Lucrécia e apenas levantava os olhos, impressionado com aquele cheiro terrível que exalava e se espalhava pela sala, mas não tinha o que fazer.
Lucrecia cresceu e na escola era ainda pior: estavam no bom da aula, naquele silêncio quando de repente, prrrrrrrrrrrr, ela soltava um peido sem a menor cerimônia.
E ria, ria muito, isso é que era o pior.
A risada de Lucrécia , somada aos peidos que largava, era algo intolerável.
Um acinte!
La senõra Babú, apavorada, decidiu consultar um médico, aliás, foram vários, mas nenhum deles conseguiu resolver aquele problema tremendo.
E ela, volta e meia, repetia, como uma espécie de mantra: Lucrecia, peidando assim, jamais arrumarás namorado!
E aí, ficaria com uma solteirona peidorreira entalada dentro de casa, o que significava, para la senõra Babú,  um completo desastre.
Lucrecia cresceu e transformou-se em uma mulher linda, mas o defeito de fábrica persistia.
Um dia estava na academia quando decidiram fazer um exercício de agachamento: práááááá´!!! E o fedorão tomou conta da academia inteira!
De outra feita, ela bem que tentou impedir, mas foi pior.
Bem pior
Saiu um surdo tão poderoso quanto nauseabundo que correu com todas as pessoas que por ali passavam.
Pobre Lucrecia!
A coisa estava tomando proporções tais que até criaram uma página no Facebook especialmente para ela Histórias de Lucrecia, a Peidorreira! e aquilo se espalhou qual rastilho de pólvora!
Lucrecia, embora soubesse de seu problema, e bem ciente estava dos estragos que fazia, no fundo, no fundo, divertia-se imensamente.
Aquilo era um problema para sua mãe, la señora Babú, mas não para ela.
Ela a d o r a v a quando, ao deitar-de, peidava embaixo das cobertas e depois, ao sacudi-las, saía aquele cheiro fétido, o que a levava a dar enormes gargalhadas.
Ela nem tava.
Azar, pensava. Quem não quiser sentir, que saia.
Muitas vezes, na faculdade, ia até o bar apenas com o intuito de soltar um peido fino e silencioso, e ficar observando as caras e bocas que as pessoas faziam.
Depois, corria para o banheiro para rir, escondida,  do tamanho do estrago.
Que mania, que pessoa!
Talvez o fizesse para chamar a atenção, mas poderia ter inventado algo mais criativo.
Só que aquilo era, a bem da verdade, um misto de safadeza inocente com uma vontade incontrolável de divertir-se às custas dos outros.
Era isso, apenas isso, mas  ninguém entendia!
Assim vivia Lucrecia e assim viveu até seus 24 anos quando, sem aviso ou estardalhaço, um belo dia...
Foi no bar da faculdade, como sempre, onde tudo acontecia.
Ela viu entrar aquele carinha lindo, não muito alto, dono de um sorriso de arrasar quarteirão.
Parou tudo, congelou e ficou olhando para ele, que também a olhava pois, apesar do defeito, Lucrecia era muito bonita.
Resumo da ópera: apaixonaram-se perdidamente, namoraram por um par de anos, casaram-se e foram felizes para sempre.
O que tinham em comum?
Tudo!
Ambos gostavam de praticar esportes, de viajar, de dançar, de sair para jantar com os amigos.
Mas havia uma prática que ambos curtiam, acima de tudo: adoravam ir ao cinema, só para sacanear...
E, lá pelas tantas, saíam às gargalhadas, bem no meio da sessão, deixando o povo atordoado com o mau cheiro.
Os peidorreiros também amam!