quinta-feira, 2 de novembro de 2017

O Movimento Do Rio

Hoje acordei e meu pensamento foi ao encontro de todas as pessoas que não estão mais aqui e lembrei, com certa inquietação, a data marcada no calendário: Dia De Finados.
Tomei meu sagrado mate bem quieta, espiando a manhã de sol, ouvindo o trinar dos pássaros e o som do vento.
Muito vento, aliás; vento norte, daquele que faz redemoinhos de poeira nas esquinas.
Tenho duas alternativas, conclui:  rendo-me à tristeza e à melancolia e sigo aqui, sentadita, ou subverto a ordem das coisas e saio para uma bela caminhada, e não será um vento qualquer que me deterá.
Assim fiz, mas sem deixar de sentir aquela sensação, escondida em um canto da alma e que, volta e meia, vinha cochichar nos meus ouvidos, hoje é Dia de Finados, hoje é Dia de Finados...
Fiz ouvidos de mercador e tomei o rumo de um parque onde costumo caminhar.
Entretanto, entretanto...
Geminiana, sou geminiana...
Fui para a direção oposta, e andei, andei, até chegar na beira do rio.
 Meu Rio Uruguai amado, e tenho a audácia de chamá-lo de "meu" porque sim, temos uma comunhão de toda a vida.
Lá estava ele, lindo, imponente e revolto, agitado pelo vento, a cor marrom escuro (embora tenha dias em que está verde) e suas águas, para lá e para cá, soberanas, indiferentes às horas, aos dias e ao tempo.
Sempre andando, em contínuo movimento.
Parei, absorvendo aquele ar e sentindo o cheiro inconfundível do rio, mistura de terra, água e peixe.
Lindo, lindo!
Olhei para o outro lado da margem, onde fica a cidade de Alvear, República Argentina, berço de minha Mãe, de meus Avós e Tios, lugar de amores.
Nenhuma dessas pessoas está mais lá.
Passaram, como as águas do rio.
Mas deixaram em mim sua marca e seu legado.
Ocorreu, então, dessas magias que muitas vezes nos alcançam, e aquela sensação que eu trouxera comigo num canto escondido da alma e que insistia em cochichar para mim saiu  e foi-se embora, carregada pela correnteza.
Inspirei com força, mais uma vez, aquele ar puro e límpido, e empreendi o caminho de volta para casa.
Junto comigo vinham, de mãos dadas, as lembranças de todos as pessoas que amei, amo e amarei até fim dos meus dias e a força que todos eles, sem exceção, me transmitiram e me transmitem, diariamente.
De um outro plano, de novos lugares, mas a energia é palpável.
Suas presenças, inconfundíveis.
A melhor forma de homenagear a memória daqueles que me são caros, pensei, é vivendo.
Viver com alegria,  intensamente, celebrando todos os dias o milagre da vida, enfrentando com galhardia os ventos nortes que surgirem.
Como o movimento do rio, cujas águas sempre se renovam, a vida exige que sigamos e nos impulsiona na direção dos muitos caminhos que, diariamente, se abrem para nós.
Finda a caminhada, persistia o vento norte, mas tampouco ele me incomodou, ao contrário: lembrei da frase de Fernando Pessoa,  que serviu como uma luva para mim:
" Às vezes ouço passar o vento; e só de ouvir o vento passar, vale a pena ter nascido".









terça-feira, 31 de outubro de 2017

O Fim Dos Românticos

Haverá, ainda, algum romântico?
Restará alguém que ainda acredita na magia de um encontro onde somente os olhos dirão o que desejamos?
Pequenos gestos, fisicamente quase que imperceptíveis, mas reconhecidos pelo coração?
Terá restado um homem ou uma mulher que goste de dançar de rosto colado?
Andamos tão ocupados com as redes sociais e em aparentar, sofregamente, uma pseudo felicidade, que esquecemos as pessoas que estão ali, em carne e osso.
Há uma pressa desmedida em chegar a algum lugar, ao que parece.
Mas, amigos, onde ficaria esse paraíso, que seria a coroação de tamanho apuro?
Constato, não sem uma ponta de tristeza, que os poucos românticos que porventura sobreviveram a essa avalanche de falsidades publicadas estão cada vez mais isolados em seus delírios e lembranças de um tempo que, definitivamente, terminou.
Uma lástima, na verdade.
Hoje, ao que tudo indica,  não há motivo algum para celebrar o amor romântico, aquela maravilha de sensação, que enlevava a alma e fazia sonhar.
Não mais!
Nos dias atuais, precisa ser discutida a conta da luz, o salário parcelado, os rumos da política e suas implicações, o gás que subiu, a destinação do lixo...
Tudo politicamente correto, sim, só que ninguém lembrou de deixar um espaço para o romantismo.
De igual modo,  vejo que, em razão de tantos apelos e facilidades de toda ordem, e em nome de uma igualdade em tudo e por tudo, conquistar ( conquistar? que palavrão é esse?) alguém é tão fácil como ir até a padaria da esquina e comprar um quilo de pão.
Lamentável, mas é o que se vê.
Aos românticos, uma vez decretado o seu fim, nada mais restou, a não ser  ir parar em  outro planeta e lá,  na voz incomparável de Ella Fitzgerald,  ouvir Isn't it Romantic e dançar abraçados, levados pela "magia na noite, um sonho pode ser ouvido".






sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Novas Histórias de Lucrécia, A Peidorreira

Lucrécia decidira candidatar-se a prefeita.
Depois de muito pensar e de consultar as bases, estava decidida a lançar-se a mais esse desafio.
Foi fácil passar pela Convenção do seu Partido, o PUNM (o nome era uma infame coincidência que nada tinha a ver com o hábito pouco ortodoxo de Lucrecita, de peidar siempre que se le dava la gana)) - Partido da União Nacional das Manobras, muito embora alguns invejosos de plantão e outros tantos burraldos tivessem torcido o nariz quando ela, microfone em punho, apresentara sua plataforma eleitoral.
Foi um coro de "ohhhh e ahhhh" que, ao fim e ao cabo ela não sabia bem se eram de aprovação ou escárnio, mas o fato é que agora ela era candidata.
C a n d i d a t a.
Sacramentada essa condição, jogou-se com tudo na busca pelo voto, dentro da mais absoluta legalidade, evidentemente, eis que não queria incômodos.
E do que ela mais gostava era de participar dos comícios que, durante a semana aconteciam  nos bairros da cidade.
Sempre acompanhada de sua fiel escudeira, sua mãe, la señora Babu a qual, de tanto caminhar pelas ruas sem calçamento e tapadas de buracos, torcera um dos joelhos.
Lucrécia tinha advertido, "Mãe, não tens condições de andar assim, horas a fio, comendo poeira e ralando os pés".
Não teve argumento, pois la señora Babu  alegava que nada costumava escapar de seus olhos de lince.
Ademais, precisava estar junto para tentar controlar Lucrécia, a incontrolável peidorreira.
Aquilo ficava chato, afinal.
Lucrécia, como sempre,  nem tava!
Caminhava rápido com uma enorme bandeira do PUNM tremulando ao vento e, a cada passo dado, peido largado.
Uma vergonha!
Será que ela pensava que ninguém ouvia aqueles sons?
Azar do guarda, andam comigo por que querem e sabem do meu valor, do tamanho dos meus projetos, o resto é figuração.
A campanha ia de vento em popa e Lucrecita era líder em todas as pesquisas:
" a candidata mais votada", diziam, a boca miúda; "ganha de lavada", vaticinavam.
A chegada de Lucrécia aos  comícios era uma verdadeira apoteose, todos queriam vê-la e ouvir suas promessas, pouco importando quão mentirosas fossem:
- Educação para todos!
E o povo gritava: huhuhuhuhuhuhuhu!!!
- Asfalto!
Eeeeeeeeeeeeeeeeeeeee!!!
- Saúde!
Rufar de tambores!!!
Lucrécia, radiante, acenava para todos do alto do palanque.
Aquilo, para ela, era uma cachaça: adorava!
Ao término de cada comício, chegava em casa destruída, suada, coberta de pó e sem voz.
La senõra Babu vinha logo com uma gemada, à qual misturava um cálice de vinho do Porto.
Para recuperar a voz e o ânimo, dizia.
Y, claro, algo más: prrrrrrrrrrr
No último comício, realizado na praça da cidade, compareceram todos os caciques do Partido, além de vários deputados estaduais e federais, candidatos a vereador e assessores da campanha.
Lucrécia queria impressionar, e conseguiu.
Surgiu no palanque usando um conjunto branco de calça e blazer, apesar do calorão.
Era chique usar somente uma cor, dissera-lhe a assessora para assuntos institucionais e outras ervas.
Não convinha mostrar muito os braços, falara outra.
Ninguém ousava fazer a complexa recomendação: contenha-se, candidata; não peide...
Tratando-se da indomável Lucrécia sabiam que de nada adiantaria, pois nela ninguém conseguira, até o momento, colocar freio.
Compareceram naquele memorável comício em torno de duas mil pessoas, a quais acotovelavam-se para ver e ouvir a que seria, sem sombra de dúvidas, a próxima prefeita.
A balbúrdia era grande: misturavam-se os sons das palmas, os gritos, parte de uma bateria da escola de samba de  Lucrécia ( sim, ela era a l u c i n a d a por Carnaval), as bombas, o apito dos  pipoqueiros, dos vendedores de algodão doce e de churrasquinho.
Milhares de bandeiras do PUNM tremulavam, alegremente.
Lucrécia, a última a falar naquela noite fantástica, foi recebida com uma ovação do público que mais parecia um tsunami:
 Lucrécia, Lucrécia, Lucrécia, gritava o povo, alucinado.
E ela, enrolada na bandeira do Partido, tão feliz estava que soltou todos os peidos possíveis e imagináveis, ria sem parar olhando, de esguelha, as caras constrangidas dos expoentes da política remexendo-se, loucos para sair dali.
Sou coerente, ela pensava: afinal, a política está, ou não está, uma podridão?
Por essa razão entrei nesta briga: vou mudar esse estado de coisas!
O resultado de tamanha empatia com sua gente não poderia ter sido outro.
Lucrécia, a Peidorreira, sagrou-se vencedora e, no primeiro dia de janeiro do ano seguinte, tomou as rédeas do município!
Imagine, querido leitor(a), quantas histórias virão por aí...



















Traga-me Uma Flor

Traga-me uma flor
Surpreenda-me
Colha para mim
a florzinha do jasmim

Traga-me uma flor
Presenteie-me
Pode ser a margarida
alegre e cheia de vida

Traga-me uma flor
Encante-me
Vá lá e colha uma rosa
De qualquer cor
Poderosa

Traga-me uma flor
Quem sabe uma sempre-viva
Para que eu possa sentir
A magia do amor

Traga-me uma flor
Qualquer flor
Não importa
Pois quem bate a minha porta
Com uma flor na mão
Traz o que há de mais belo
Puro, lindo e singelo
Toca meu coração
















terça-feira, 3 de outubro de 2017

Piccolomini Caleche

Impressionante como um simples objeto pode evocar tantas recordações e me fazer sentir saudade.
Saudade da minha Mãe Maravilha, já estamos em outubro, talvez seja isso, memórias de um lapso de tempo que foi tão difícil para ela e para todos nós, e mal sabíamos que também ela iria logo embora.
Certo dia falei a uma amiga: eu era uma Lia, agora sou outra.
Com eles.
Sem eles.
Às vezes, sequer me reconheço.
Acredito que aprendi a viver longe deles.
Mas é, no mínimo, complexo.
A saudade, entretanto, aparece quando menos se espera.
Um dia tão lindo de primavera e eu ali, organizando alguns enfeites, e eis que me deparo com um pequeno pratinho, de fundo branco, onde de vê, pintada em tons de verde,  uma pequena carruagem e a inscrição: Piccolomini Caleche.
Eu sempre tive predileção por esse pratinho, o qual ficava, na casa da Mãe,  sobre em um móvel, equilibrando-se num suporte.
Decidi guardá-lo dentro de uma armário, talvez por medo que se quebrasse, e acabei esquecendo e hoje, justo hoje, me cai nas mãos o prato, lindo como sempre, perfeito em sua expressiva simplicidade.
Então fiquei repetindo, em voz baixa, piccolomini caleche, piccolomini caleche, e nada mais foi necessário para que as lágrimas começassem a cair.
Tirei o prato e o respectivo suporte do armário e coloquei-o sobre uma mesinha, bem à vista.
Ele é tão belo que não merece ficar encerrado, para que ninguém o veja.
Vou cuidar para que não se quebre, para que permaneça inteiro como o amor que sinto e que distância alguma será capaz de fazer diminuir ou desbotar.
A saudade é assim, quando menos se espera, vem.
Eu bem que tentei fugir dela, escondendo-me aqui e ali.
Não adiantou.
Ela chegou, pegou a minha mão e, sentadas lado a lado,  entabulamos uma silenciosa troca, suave e leve como o andar de uma piccolomini caleche.
Da mesma forma que chegou ela foi embora,  não sem antes secar minhas lágrimas e deixar um rastro de perfume no ar.
O perfume da minha Mãe, aquele cheiro de alfazema que só ela tinha.
Mãe, tenho absoluta certeza que, de onde estás, teu amor me ampara e me protege.
Pois, como afirmei incontáveis vezes, o amor nunca morre.


quinta-feira, 28 de setembro de 2017

Gerúndio E O Tempo

Vento norte assoviando
temporal se aproximando
tudo se movimentando
E Gerúndio só olhando
Pensando que era passado
E por isso acomodado
Inerte só observando
Ficava ali bem sentado
Parado sem se mexer
Não sabia o que fazer

E o Tempo disse a Gerúndio
Estou aqui observando
A medida que vou passando
O quanto você se detém
Num chatíssimo vai e vem
Procurando e indagando
Enquanto isso vou passando
E até zombando de você

Vá achando
Que é meu dono
Não é não!

E Gerúndio despertando
Desafiou o Tempo
E pensando
Viu passar
A tempestade
Concluindo que a bondade
O afeto
E o amor
Afastando todo o mal
Mudaram o tempo verbal

O Tempo, admirado
Curvou-se ante Gerúndio
E para ele falou
Você não está passando
Tampouco você passou
Estou do seu lado agora
Vamos passear mundo afora
E ver que tudo mudou


















quarta-feira, 27 de setembro de 2017

A Lagartixa do Teatro

Manu nasceu e se criou no Teatro Prezewodowski.
Desde pequena, embrenhava-se pelas cortinas do palco e passava despercebida das pessoas que, diariamente, apareciam por ali.
Não que ela sentisse medo, mas sua mãe, a lagartixa Tibérei, que viera do mundo das fadas, dissera-lhe que deveria ter muito cuidado com os humanos, para que estes não a machucassem.
Entre luzes e sombras Manu passava seus dias, encerrada em seu pequeno mundo, caçando mosquitos, moscas e outros insetos que habitavam por ali.
No verão, dona Cotinha, a encarregada da faxina, abria todas as janelas e a luz do sol e a brisa do dia inundavam todos os espaços, trazendo uma sensação agradável que fazia Manu suspirar, e sonhar.
Sonhar, era o que ela mais fazia.
Acreditava que lá fora, para além do Teatro, certamente descortinava-se um outro mundo.
Entretanto, sentia medo.
Ficava insegura pois não sabia o que poderia haver para além das cortinas, que a deixavam invisível, o que não deixava de ser confortável; de suas velhas conhecidas, as paredes, nas quais dependurava-se quando queria; dos estofados onde, no inverno, petiscava uma que outra baratinha.
Entretanto, Manu cresceu e aquela inquietação só fez aumentar, e chegou ao ápice no dia em que, deslumbrada, assistiu a um espetáculo de balé, um show de luzes e cores que fez seus olhinhos arderem, mas ela não conseguiu parar de olhar.
Colada na cortina do palco, viu toda a movimentação dos bailarinos, as entradas e as saídas, os passos, os giros, os saltos.
Escutou a música inebriante, os aplausos e a alegria ao término do espetáculo e ali, naquele instante, resolveu que desceria da cortina, caminharia até a porta e iria embora do Teatro.
Passara toda sua vida sem correr qualquer risco.
Por um lado, pensava ela,  isso era muito bom: a previsibilidade dos dias.
Por outro lado, tal inércia não lhe permitia conhecer novos palcos e, via de consequência, comungar de outros espetáculos.
Quando se fecharam as cortinas, Manu permaneceu ali, quieta.
E, à primeira claridade do dia que nascia, esgueirou-se Teatro afora, e saiu.
A luz do dia quase a cegou, mas logo ela encontrou o tronco de uma árvore e, dali, abraçou o mundo.
Adaptou-se às mudanças, e quando sentiu o gosto incomparável da liberdade, jurou para si mesma que nunca mais permaneceria escondida pelas cortinas: nascera para ser protagonista, e não coadjuvante!






segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Outra vez, é Primavera!

Depois de um tempo fora,  período que entendi necessário para conseguir lidar com questões de difícil trato, eis-me aqui.
Eu sei que neste mundo virtual a medida do tempo é feita de forma instantânea.
Paciência.
Antes de mais nada, agradeço a minha meia duzia de fãs de gatos pingados que, insistentemente, me cobravam postagens, fato que me deixa feliz.
Mas a minha escrita é assim, geminiana como eu: dias em que está a fim, horas em que se recolhe para elucubrações e movimentos internos.
Refugia-se em algum lugar onde o acesso está interrompido e somente os pensamentos podem entrar, estes últimos nem sempre bons.
Pesados, tristes, lúgubres e sem encontrar a porta de saída, perdidos em labirintos escuros.
Em nada combinavam, tais pensamentos, com minha forma de encarar a vida.
Entretanto, há momentos em que precisamos mergulhar e ir até o fundo, onde há areia, ou sedimentos, ou pedregulho.
Ou o nada.
Ou o vazio.
Mas a descida é inevitável, um processo onde não há controle e nem deve haver, pois para que possamos novamente ver a luz,  é necessário mergulhar nas profundezas.
Desnuda-se a alma, sente-se o frio da incerteza, da falta de respostas, das indefinições.
E a gente segue descendo, de início distanciando-se da luminosidade, que está logo ali, acima, mas continuamos a descida rumo às respostas que desejamos ter, ou ver.
Há um momento libertador em que, chegados ao final dessa trajetória, há dois caminhos: permanecer no escuro, ou buscar a luz.
Esse tempo de reclusão e de busca, de auto conhecimento foi fundamental para mim.
Divisor de águas.
Muito mais fácil seria permanecer em minha zona de conforto, sem questionar nada,  contentando-me com a falta do riso escancarado, da alegria.
Mas quem disse que a vida é fácil?
Quem afirmou que viver não implica desafios constantes, e uma coragem que muitas vezes não temos e nem sabemos de onde tirar?
Eu, quando me deparo com situações complexas, me recolho.
Recolho-me a minha insignificância.
Vou até o fundo do poço, desço, me rebento toda, me debato com um sem número de fatos, com uma lista de cobranças internas as quais somente eu tenho acesso.
Como disse, esse processo faz parte do meu "eu".
Não sei vivenciar mudanças apenas movimentando móveis e adornos, pois o primeiro movimento há de ser - e é, o interior.
Feito isso, zeradas as pendências, retorno.
E, não por acaso, findou o inverno e começou a primavera.
As estações do ano, neste ano, me acompanharam.
Após um outono gris e um gelado inverno, volto na estação das flores, onde tudo renasce e floresce novamente, sob a luz mágica do sol.
Minha alma e meu coração reencontraram-se outra vez e,  ao olhar para trás, dou-me conta do quanto caminhei e do esforço que fiz para nadar, nadar, e chegar outra vez na praia.
Por que sou assim: " aprendi, com as Primaveras, a me deixar cortar, e voltar sempre inteira."
Então, queridos leitores, me aguardem, pois muitas histórias virão por aí.
Um beijo em cada um de vocês!





terça-feira, 2 de maio de 2017

Eu Quero!

A propósito do Dia do Trabalho, teço algumas considerações.
Após o desmando dos governos petistas, que fizeram o Brasil mergulhar numa profunda crise de identidade, a ponto de muitos repetirem ter vergonha de pertencer a este país, eis que contamos, hoje, dentre outras mazelas, a assombrosa cifra de quatorze milhões de desempregados.
Quem tem seu emprego, aferra-se a ele como única tábua de salvação; quem não trabalha com uma remuneração fixa, seja ela mensal, quinzenal ou semanal dá asas à imaginação e parte para o trabalho informal, cuja gama de atividades é ampla, de acordo com as aptidões de cada um.
Nesse vale tudo, muitos se desviam de suas profissões de origem para exercer tarefas nunca dantes imaginadas, mas que a necessidade obriga.
Não há nenhuma desonra em  ter colado grau numa profissão que exigiu muito estudo, pesquisa e aporte financeiro e, por força de alguma circunstância,  ver-se obrigado a ter que fazer um atalho, para poder sobreviver; mas que deve ser altamente frustrante e doloroso, não tenho dúvida que sim.
Ademais, considero injusto, porque essa pessoa, ao lado de centenas de outras, é quem está pagando a conta das falcatruas e roubalheiras perpetradas contra a coisa pública, e não somente pelos políticos:
há uma casta de que tomou conta do Brasil e há anos vêm, sistematicamente, rapinando tudo o que pode.
O resultado disso é que cidadãos e cidadãs são submetidos a verdadeiras humilhações, como por exemplo,  receber o salário parcelado, as férias em dez vezes, as licenças relegadas ao esquecimento, as horas extras trabalhadas impagas, e por aí vai.
Não há dinheiro, é o que repetem os governantes, como uma espécie de mantra.
Mas há, sim, solução, propala o grande guru que, se eleito for em 2018, tornará o Brasil rico e próspero outra vez!
É de perguntar-se: a que preço?
Se o preço a pagar pelo " desenvolvimento " da nação é este que estamos pagando, agradecida, mas não quero.
Quero paz, segurança. saúde, educação de qualidade e trabalho digno com remuneração adequada.
Sobretudo, quero que a verdade contida nesse cipoal de crimes contra a administração venha à tona.
Quero um julgamento limpo.
Mas, acima de tudo, quero cada trabalhador e cada trabalhadora em seus postos de trabalho.
Sem ser aviltado, explorado e denegrido em sua imagem, por conta do "atalho" ao qual me referi anteriormente.
Quero um país normal, onde o que é certo significa certo, e o que é errado e ilícito é punido.
Tomara que, em um futuro próximo, possamos realmente celebrar o Dia 1° de Maio, não com protestos e depredações, mas com a serenidade e a alegria dos que, efetivamente, labutam por um país cada vez melhor!



















terça-feira, 28 de março de 2017

O Diamante, a Zircônia e o Ouro.

Há amores que são puros e límpidos,  como o são os diamantes legítimos.
Assemelham-se às águas cristalinas das vertentes, brancas, limpas, transparentes.
Perfumadas, inclusive.
São amores que saciam nossa sede, refrescam nossa alma em tempos de seca, aplacam nosso cansaço e nos deixam com uma sensação de plenitude e de paz.
Outros vêm cheios de plumas e paetês, muito brilho, glamour e purpurina, uma visão que, primeiramente nos cega pela beleza e, a seguir, nos encanta e nos fascina, como borboletas atraídas pela luminosidade.
Entretanto, não passam de simples zircônia, aquela que parece, mas não é.
Um falso brilhante que não resiste à passagem do tempo e, na primeira oportunidade, mostra o fundo, isto é, oco por dentro.
Pura estampa, nada fina, por sinal.
Há amores que são como o ouro, o rei dos metais.
Atravessam chuvas, ventos e tempestades mas não perdem a força e o valor, ao contrário: quanto mais tempo passam juntos, mais se amoldam, pois o ouro é maleável, sem deixar de refletir a luz.
Há que ser um expert em vivências para conseguir distinguir uns dos outros: aqueles que, como os córregos, apenas passam por nossas vidas mas nos deixam com uma reserva de água pura que levaremos para usar nas piores horas; os que aparentam ser o que não são, nos enganam e nos deixam com um vazio, eis que nada nos acrescentam, mera ilusão de Carnaval que termina na Quarta Feira de Cinzas; e os que são como o ouro, e que são os que ficam.
E pensar que, por essas circunstâncias da vida, às vezes trocamos o brilhante pela zircônia, e guardamos o ouro em um compartimento de pouco uso, quase que esquecendo de seu valor.
Precisamos ficar atentos e com o coração aberto, por que ele, e somente ele, sabe reconhecer a diferença!
 






O Feixe De Varas

Meu Avô paterno, Atílio Mondadori, descendente de italianos vindos da região de San  Benedetto Po que aqui se estabeleceram no século XIX, homem de grande tino para os negócios e com toque de Midas, fez fortuna com o estabelecimento comercial que possuía, as cinco fazendas onde se plantava trigo, arroz, laranjas,  e o gado povoava as terras a perder de vista.
Tudo corria muito bem, até que sobreveio a quebra da Bolsa de Valores de New York  em 1929.
Meu Avô dormiu rico e acordou pobre.
Todas as suas economias e as reservas que possuía no banco não valiam mais nada.
Segundo contava meu Pai, foi um dia de extrema aflição para todos, pois meu Avô encerrou-se em seu escritório e de lá não saiu até o cair da noite.
Não permitia que ninguém entrasse, nem sequer para lhe alcançar um prato de comida.
Estava ali encerrado, pensando.
Quando saiu, minha Avó Mathilde, meu pai e meus tios aguardavam, nervosos, o que diria o chefe da família, a quem todos obedeciam e seguiam sem pestanejar.
Com a serenidade que lhe era habitual, meu Avô sentou-se à mesa e, com uma única frase, decidiu os rumos da Família Mondadori dali para a frente:
" Nós seremos como um feixe de varas. Unidos, sairemos ilesos e ainda mais fortes desta situação. Se nos deixarmos levar pelo desespero e pelas discussões vãs, nos terminaremos."
Essa lição me foi passada pelo meu amado Pai, o Dr. Edgard, meu exemplo de homem de caráter, de homem digno e de bom coração, para quem, acima do dinheiro, importava a união familiar.
Meu Pai honrava lo que tenia bajo los pantalones.
Aprendi com ele que nem tudo na vida é medido pelo dinheiro, pois há coisas infinitamente maiores que esse senhor.
Meu Avô materno, Antônio, partilhava da mesma opinião.
A boa fortuna, - e tomara o fosse, não é condição permanente, perene, imutável.
Por isso, em tempos de crise, lembro dos ensinamentos de meus antepassados e das lições de vida que me deixaram, e a maior delas foi, é, e sempre será, o amor.
O afeto.
A união, tão bem representada pelo feixe de varas.
O abraço que acolhe, afaga e acalma.
O gesto que ampara.
Para isso estamos, afinal.
E que jamais se aplique a nós aquele triste ditado: " era uma pessoa tão rica que, de tão rica, chegava a ser pobre"!
























quinta-feira, 23 de março de 2017

Adoçando a Alma

Para afastar a tristeza e o desânimo que, certa feita estava sentindo, decidi fazer um doce.
Uma ambrosia.
Mas a coisa não foi assim tão fácil, barbadinha.
Fazia dias que eu andava com um mal estar que não era meu, como se houvesse uma nuvem escura pairando sobre minha cabeça, que não se dissipava com nada.
Pensar, era o que mais andava fazendo naqueles dias.
Aborrecida, a tal ponto que andava reclusa a fim de poupar os amigos da cara fechada.
Ruminando.
Resmungando.
E, novamente, pensando.
Aí está algo que abomino, e é a mentira.
O pseudo amor; a falsa amizade; a desculpa esfarrapada, mais fria que bunda de pinguim.
Essas coisas, primeiramente, me entristecem. Depois, me enraivecem.
E, por fim, fico dias e dias com aquilo na cabeça,
É muito irritante, esse processo todo, mas é assim que ele funciona para mim.
O caso é que, numa certa manhã, acordei farta daquele estado de coisas, e decidi encarar de frente o que estava me incomodando.
Eu mesma, foi a primeira pessoa que listei.
Estava de mal comigo mesma, pois não nasci para engolir sapos, e eis que me vi empanturrada deles.
Engasgada.
Com tantas coisas para dizer que poderia ficar horas tecendo comentários e tentando justificar erros que, vejam a ironia da coisa, não eram meus!
Pois bem.
Se eu efetivamente fosse verbalizar o que pensava, não restaria pedra sobre pedra.
Optei, então, por uma via nova, desconhecida, mas infinitamente mais prazerosa e salutar: escancarei as janelas da minha alma para um caminho terno e doce, e fui fazer uma sobremesa.
Não há como ficar triste quando uma calda começa a ferver e a exalar seu perfume, quando acrescentamos os ovos batidos, o leite, a canela, o cravo, umas gotinhas de limão, e essa mistura começa, lentamente, a se unir, adquirindo um tom dourado.
E foi assim que, um dia, mandei a tristeza embora, e minha alma cedeu lugar à doçura e à alegria.
Mexendo aquela ambrosia, diluíram-se em açúcar todas mis penas.
Foi-se, a nuvem escura.
Terminei o doce, deixei esfriar e, deliciando-me com ele, conclui que, para certas situações e algumas pessoas, há que aplicar-se o ditado argentino: mejor perderlo que encontrarlo pues, menos vulto, más claridad!








sábado, 11 de março de 2017

Deu O Clic

Nada como ficar por nove horas na estrada, dirigindo sozinha, para pensar na vida.
São viagens que costumo fazer de Itaqui a Porto Alegre, percorrendo uma distância de setecentos e trinta quilômetros.
Não é pouco, se considerarmos que praticamente atravesso o estado, saindo da Fronteira Oeste, na divisa com a Argentina, até a Capital.
Não me impressiono e tampouco me apicho, pois já fiz tantas vezes esse percurso que, para mim, é normal.
O primeiro trecho, Itaqui/Uruguaiana, faço-o ainda carregando os problemas do dia a dia: contas, os gatos, o pátio da casa, os reparos necessários...
Entretanto, à medida em que vou avançando, quilômetro por quilômetro e a estrada se abre para mim, deixo-me levar pelos pensamentos, e estes me envolvem, num afetuoso abraço que me conduz a outras viagens, algumas ótimas, outras, nem tanto.
São as memórias que vem chegando para me acompanhar, trazidas pela música que ouço, ou pelo silêncio, interrompido apenas pelo som do vento, ou por minha própria voz, cantarolando boleros e outras melodias em espanhol, a língua materna - uma constante em minha vida.
As lembranças desagradáveis, afasto de plano.
Cedo espaço tão somente ao que me é familiar, acolhedor e alegre, a sonhos que viraram realidade, a amores, sabores e prazeres.
Nada mais.
Muito mais!
Numa dessas tantas voltas, lembrei do primeiro amor que tive na vida, aos quinze anos.
Eu era uma adolescente gorda, com dez quilos acima do peso, tímida, sem jeito algum para o romance, trancada dentro de mim mesma onde, ali sim, sobravam ideias e ideais.
Um dia, fui convidada para uma festa na cidade de Concórdia, na Argentina, onde morava minha tia Albita, irmã de minha Mãe.
Eu iria de carona com um casal de amigos de meus pais.
Saímos de Alvear num dia lindo e gelado de inverno, perto do meio dia.
No banco de trás do carro, pensava em como seria monótona aquela vigem de cinco horas, o casal de meia idade e eu, até que paramos na frente duma casa e a senhora, virando-se para mim, explicou: vamos buscar meu sobrinho, que também irá conosco.
Bem tranquila estava eu, até aparecer o dito sobrinho, que resultou ser un hermoso muchacho!
Fiquei sem fala, sem ar, sem nada, eu ia viajar com aquele gato do meu lado durante cinco horas?
Sim.
Nós nos olhamos com desconfiança, num primeiro momento.
Ele era alto, magro,  tinha uns olhos marrom escuros maravilhosos, uma melena castanha e ondulada, como todo argentino que se preze, boca grande e, quando sorriu pela primeira vez, eu nem sabia direito para onde estávamos indo;  a paisagem se diluiu e, assim, após uma meia hora de poucas palavras mas de muitos olhares, deu o clic.
O clic é algo mágico, que acontece poucas vezes na vida da gente.
É uma força desconhecida e nova, contra a qual não vale a pena lutar pois será uma luta inglória.
Ademais, resistir, quem quer?
Nós começamos a nos (re)conhecer devagar, porque, sim, parecia que éramos conhecidos de toda uma vida.
Rimos a viagem inteira, de tudo, de nada, um riso de pura felicidade, pois sabíamos, ambos, que estávamos sob o encantamento do amor.
Não tinha escapatória, e não teve.
Namoramos dois anos e, nesse período, lembro-me bem, emagreci os dez quilos que tinha para mais.
Como dizia meu Tio Tata, meu amado Tio, que Deus o tenha: no comia, no dormia, el amor la consumia, ahora canta todo el dia!
Verdade, o amor me consumia e eu cantava o dia todo, não sentia fome alguma, contava os dias e as horas que faltavam para que chegasse a quarta feia, dia que ele vinha a Itaqui, e sexta feira, dia que eu ia para Alvear, passar o final de semana na casa de minha tia Maria Luisa, a outra irmã de minha Mãe, e ficar com o meu amor.
Terminamos nosso romance porque eu fui estudar em Porto Alegre e ele em Buenos Aires.
Tínhamos dezessete e dezenove anos, respectivamente.
Foi um final igualmente feliz, como foi todo o tempo que namoramos, pois nos gostávamos muito e nenhum queria atrapalhar a vida do outro.
Nunca mais o vi  nem soube do paradeiro dele, e nem me interessa, como tantas vezes frisei, não curto sessão nostalgia.
Mas o fato é que as coisas boas que vivemos deixam sua marca, como uma tatuagem, símbolo de bem querer e de afeto; é aquela lembrança que nos faz suspirar, sorrir e percorrer, sem sentir,  um longo trecho de estrada.
Volto ao tempo atual de alma leve, agradecendo a minha boa estrela e, logo adiante, avisto meu destino:
Cheguei a Porto Alegre!

















quarta-feira, 8 de março de 2017

Geminianos - II

Acuse um geminiano de muitas coisas, menos de ser óbvio, previsível, certinho, sempre a mesma coisa, amém.
Mas não mesmo!
Quando todos pensam e têm certeza de que o geminiano irá para a direita ele, para gáudio de seus detratores (essa, tirei do fundo do baú), dará uma marcha a ré e virará para a esquerda.
Quando todos pensam saber o que aquele ser fará, acredite: não sabem é nada!
Pois quem é de Gêmeos detém a ventura(e por vezes, a má sorte) de ser dual.
Geminianos se divertem muito com as conclusões que costumam pulular por aí, e adoram ver a cara de espanto que fazem alguns, quando se dão conta que não entenderam nadica de nada.
Não cutuque um geminiano com vara curta, amigo.
Não confunda amabilidade com idiotice, educação com burrice, silêncio com ignorância.
Os geminianos são seres astutos e muito sensitivos.
Quando está na defensiva, o geminiano  torna-se excessivamente loquaz, pois não quer deixar antever seus reais pensamentos.
 Porém, se estiver muito quieto, te cuida, Latorraca!
Está com seu almofariz, remexendo poções para, na hora certa, lançar seus dardos,  que poderão ser cheios de mel, ou carregadinhos de veneno.
É...
Geminiano não brinca em serviço, apenas espera o tempo certo.
Olhar de raio X, visão periférica, ouvidos de mercador quando convém, o geminiano é um ser que nasceu para vencer e brilhar.
Não é criatura de bastidores.
Toma a frente, não fica jamais na salinha dos fundos.
Geminianos são peritos em depurações e sentem, a léguas, o cheiro da maldade.
Por estes e outros que tais, um homem de Gêmeos costuma ser uma cara bacana, mas uma geminiana é um desafio constante.
Aliás, não busque numa geminiana a placidez e mesmice, pois se dará muito mal.
Incontáveis vezes escuto que vivo a mudar de ideia e, de fato, sou  assim mesmo, e quanto mais me amolam com a pretensão de querer nortear meus desejos e manipular meu jeito de ser e de pensar, outro tanto me insurjo e me revolto, sempre com uma boa dose de diversão.
Como geminiana autêntica, assumo integralmente meus erros mas, de outra banda, não carrego comigo o fardo de culpas alheias.
Aliás, culpa é uma palavra que não existe no meu livrinho.
Somos o melhor signo do Zodíaco, uma verdadeira caixinha de surpresas e, embora não façamos parte do bloco dos sempre contentes, isto é, dos hipócritas de plantão, tentamos levar a vida de maneira leve e calorosa, sorvendo o que de melhor ela tem para nos dar, e nós, a ela.
De um modo geral, os geminianos são curiosos e inquietos,  não se deixam levar pela obviedade das coisas postas, uma vez que não há  script  pré determinado que não possa ser escrito de forma diferente.
Onde estiver o novo, a interrogação e a mudança, lá estaremos nós, os geminianos, pois somos filhos do movimento, do ar e do vento, dos dias ensolarados e de brisa suave, muito embora saibamos enfrentar temporais com galhardia.
Avante, e à frente, esse é nosso lema.
Per aspera ad astra, esse é nosso mantra.
Rumo a elas, portanto!



























Blindagem Verde

Herdei de minha Mãe o costume de sentar no pátio de casa, à primeira hora da manhã, com um matecito recém feito, a fim de observar o início do dia.
Um hábito do qual não abro mão, pois o considero essencial para minha saúde mental e física.
De minha cadeira, olho o entorno sinto o ar, ainda  úmido, da manhã.
Reinam, absolutas, a tranquilidade e a paz.
Sons, ouço o canto dos pássaros e o vento nas folhas das árvores e arbustos.
Sou um ser que ama as plantas e, por tal razão, encontro-me cercada de verde por todos os lados.
Dia desses, pensava em como é importante ter um recanto de onde podemos assistir, como se fosse um filme, o desfile de ideias, desejos, sonhos, inquietações, medos, angústias, alegrias e outros tantos sentimentos que trazemos no coração.
Um lugar onde desnudamos a alma, sem segredos.
Nós, e nós mesmos.
Eu me sinto extremamente grata por ter, a minha disposição, um local assim.
Ali, embora a mente esteja aberta e absorva as energias do dia que começa, sinto-me protegida por uma blindagem verde que me encanta e me afaga, acalma meus temores e eleva meus pensamentos.
Durante uma hora, todos os dias, há uma troca intensa entre nós, a natureza e eu.
Cuido de cada pote, arbusto, árvore, flor e muda que plantei com amor, e eles me retribuem com sua presença silenciosa, mas de um poder sem igual.
As plantas alimentam e nutrem nosso eu interior de bons sentimentos e, desse modo, a  raiva, a indignação e a sensação de impotência que experimentamos às vezes por determinadas situações, se diluem ante sua beleza simples e mágica.
A cada manhã renovam-se a fé, a esperança e a vontade de seguir adiante, sem embargo dos dissabores e desilusões comuns a todos os mortais.
Neste período sabático que me impus voluntariamente, tenho mantido diálogos altamente produtivos comigo mesma, num reencontro por muitas vezes adiado e, por outras tantas, relegado a segundo plano.
Há momentos na vida  em que uma das únicas certezas que temos, é a de que queremos nos livrar de inúteis quimeras, de preocupações desmedidas, de entulhos que atravancam nossos dias.
Sobram os afetos verdadeiros, meus dois gatos, o abraço diário de minhas plantas, o céu espetacular do meu Itaqui, o mar, uma viagem aqui e outra acolá, cinema, livros( muitos livros), música...
Muito para agradecer, quase nada para pedir!















quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Como Éramos Simples

Lembro-me dos veraneios no Uruguai, para onde íamos com toda a família durante o mês de janeiro.
Virava o ano novo e, dia dois ou três, tomávamos o rumo de Piriápolis, a encantadora praia uruguaia.
Nossa odisseia começava de madrugadinha, o sol nem havia saído ainda e já estávamos nos movimentando.
Viagem longa de quase 900 quilômetros, tinha que pernoitar pelo caminho e, somente perto do meio dia do dia seguinte, chegávamos  ao nosso destino.
Uma cidade encantadora, com um mar entre o verde e o azul, sem ondas, onde se podia caminhar com a água batendo pela cintura até muito distante da margem, una rambla que ia de uma ponta a outra da praia, e aquela brisa espetacular que só a beira mar pode proporcionar.
Passeios, restaurantes, cinema, sorveterias, tudo era feito para o deleite, o prazer e a alegria de poder desfrutar, por trinta dias, contadinhos, as delícias do verão.
Ficávamos hospedados em um hotel sito em uma esquina, em frente à praia, onde serviam café da manhã, almoço e janta.
Se porventura chovesse, ofereciam aos hóspedes um delicioso té con facturas, isto é, um chá com salgadinhos, medias lunas, alfajores, tortas e palmeritas, uma iguaria dos deuses.
Nossos dias e nossas noites eram vividos na mais absoluta paz.
Pela manhã, a praia.
Meus tios argentinos também iam e, naquela areia fofa, enfileiravam-se as barracas coloridas, e ali ficava uma animadíssima turma de, pelo menos, quinze pessoas.
De tarde, íamos até uma pequena montanha, onde se conseguia chegar em aerosilhas e, lá de cima, olhávamos para toda a cidade.
Pela noite, um vento frio pedia uma roupa mais quente e saíamos para tomar um sorvete, ir ao cinema ou simplesmente caminhar, à toa e sem direção.
Um veraneio e tanto!
Pensava eu em tudo isso, certo dia em que, estando em Capão da Canoa vi um pessoal chegando, organizando sua barraca e seus pertences, com aquela felicidade de poder estar gozando do sol, do mar, do ventinho fresco apesar do sol forte.
Eu estava ali fazia algum tempo, escutando o barulho das ondas, o som do vento nas abas do guarda sol, os pés fazendo vai e vem na areia, e sentindo-me grata por todo aquele dia.
Tudo estragou pois, de repente, o som i n s u p o r t á v e l de música sertaneja sacudiu o entorno.
Música alta, muito alta, para que todos ao redor ouvissem.
Aliás, era isso, ou ir embora.
Que inferno!
Acomodaram-se e, ato contínuo, deram início aos trabalhos: armaram uma mesinha e sobre ela um balde de gelo com champanhe.
E tiraram de uma outra bolsa, taças coloridas de acrílico.
Meu Deus do céu!
Que sacrilégio!!!
Digam o que disserem, mas, com licença, champanhe  em taça de plástico com música sertaneja não dá pra querer.
Música alta, sobrepondo-se ao murmúrio das ondas, é intolerável.
E fotos, muitas fotos para o Facebook.
Quanta patacoada!
Com essa onda de redes sociais, as pessoas querem ostentar, exibir até o que não tem e, pior ainda, o que não são.
Nunca vi, como neste ano, tantas pessoas bebendo a ponto de deixar a bebida escorrer pelos cantos da boca, ouvindo aquele gênero musical que não suporto.
Fiquei pensando, e não tive como não sentir muita saudade do tempo em que éramos simples, em que beber uma cerveja consistia numa áfrica, ouvir música alto, nem pensar, e o objetivo de ir à paia era o de despojar-se das coisas do dia a dia - sapatos, vestidos arrumados, jóias.
A intenção era sair da rotina, mudar tudo, desfrutar do mar, caminhar pela areia, rir sem motivo, muito abraço, muito beijo, muita convivência.
Sem pressa, sem música alta, sem ostentação.
Férias em família num praia.
Era isso, e nada mais.
E precisaria, será, de algo mais?
Quando saí dali, dei o bilhete azul: tchau y gracias.
Ainda faltam onze meses para as próximas férias, terei tempo para pensar; tomara encontre uma nova Piriápolis, onde a tônica sejam a simplicidade, a educação,  a calma, e os únicos  registros sejam aqueles que ficam gravados na memória e no coração.






domingo, 22 de janeiro de 2017

Crônicas de Verão - I

Numa destas noites de janeiro, sob um calor infernal, se foi a luz.
Não estava chovendo nem ventava; do nada, desligaram a rede, e ficamos sem energia por mais de hora.
Num primeiro momento, me apavorei, pois mal havia caído a noite.
Suor e orquestra de mosquitos, seria esse o roteiro?
Fiquei alguns minutos praguejando baixinho contra tudo e contra todos pois, sem luz e com uma temperatura de 34 graus não se pode pensar em nada agradável.
Estava sozinha em casa, fator que só serviu para piorar a situação; não podia sair para o pátio, eis que sou medrosa ao extremo.
Na verdade, não é bem assim: não me sinto segura em meio à escuridão, ou quando não posso enxergar.
Essa é a questão.
De tal sorte que tive que me contentar em espiar o céu de verão através da janela.
Por alguns momentos, permaneci muito quieta, trocando olhares com as estrelas.
Elas estavam todas lá, cintilantes, parecendo acenar  para mim...
Então, operou-se a magia: levada por elas, refiz o caminho das noites de verão de minha infância, quando tinha meus pais e meus irmãos, tios e tias, primos, avós, cachorros, passarinhos, galinhas, e o pátio da nossa casa que, de dia, era sombreado pelos cinamomos e flamboyant,  perfumado pelas uvas da parreira e à noite, ficava iluminado por centenas de vaga lumes.
Era um espaço de encantos, como costumam ser os lugares onde o amor é a tônica.
O meu Pai, sempre prático e com uma vitalidade que não terminava e nunca terminou até seu último dia nesta Terra, trouxera da estância uns catres que, como sabem, são camas rústicas feitas de madeira e cobertas por uma lona espichada e presa, por baixo, com grandes tachas.
O pai trouxera aqueles catres alegando que, para dormir não existia lugar mais agradável, eis que a lona que servia de colchão era de algodão, extremamente fresca.
Não aquecia nem com o calor do corpo.
Pois bem.
Os tais catres ficavam guardados na despensa, encostados na parede até que começava o verão, momento em que entravam em cena.
Primeiro, havia que abri-los e deixar que ficassem por um par de dias ao relento, a fim de que o cheiro do inverno fosse embora.
Feito isso, começava a distribuição dos mesmos, para meus pais e irmãos, e para mim.
Nós ajudávamos a carregar aquelas camas pesadas escada acima, e lá, umas ficavam no quarto, outras, na varanda, e assim era.
O verão do nosso Itaqui sempre foi quente, e aquilo era uma espécie de paliativo para enfrentá-lo.
Naqueles tempos - 1967, 1968, por aí, havia em nossa casa apenas um ventilador, bem pequeno, um luxo que somente meus pais podiam desfrutar.
A nós, os filhos, tocava dormir sem vento algum, salvo o que soprava - quando soprava das janelas abertas, sim senhor, dormíamos com as janelas do segundo andar escancaradas, abafados sob os mosquiteiros....era isso, ou acordar petit pois, em razão das mordidas.
Meu Pai, nos dias mais quentes, à tardinha, anunciava:
" Hoje está demais o calor! Vamos carregar os catres para o pátio!"
Iniciava-se, então, uma grande operação: subir as escadas, fechar os catres, descer com eles, subir novamente, descer com os mosquiteiros, levá-los até o meio do pátio, abri-los, colocar o lençol, ajeitar o mosquiteiro e pronto, estava feita a cama.
Não tínhamos medo de nada!
Aliás, quem pensava nisso?
Em torno de 23 horas, todos íamos dormir, cada um no seu catre.
O silêncio reinava, interrompido apenas pelo farfalhar da brisa nas folhas dos cinamomos, dos grilos, de alguma rã coaxando...lembro-me tão nitidamente de tudo isso que não, não se passaram quase cinquenta anos de toda aquela felicidade!
Meus olhos observavam as estrelas e os vaga lumes e, talvez dali a um ou dois minutos, eu dormia.
Dormia o sono maravilhoso daqueles que amam e sabem que são amados.
Acordava com a voz do pai a dizer " vamos entrar, pois já clareou o dia".
Noites de encantamento que jamais esquecerei.
Hoje penso em todos os caminhos que precisei percorrer depois que eles foram embora: nem com minha casa fiquei, nem pátio, nem parreira, nem meus cinamomos, tudo virou deserto, sinônimo de abandono, desamor e aridez.
No entanto, cada vez que,  à noite,  olho para o céu, consigo enxergar as mesmas estrelas, dizendo-me que há coisas que são incorruptíveis: o que trazemos guardado no peito, na alma, no coração, a essência do que somos e o amor que vivemos, jamais nos deixam.
Nas noites mais escuras, estão ali para nos recordar que não há separação e nem distância, pois o
amor entre pais e filhos é um elo fantástico, onde o puro afeto, e não o tempo, é o senhor absoluto.
Voltou a luz!
Elétrica...
E magia foi embora, seguindo o rastro brilhante das estrelas.