terça-feira, 28 de março de 2017

O Diamante, a Zircônia e o Ouro.

Há amores que são puros e límpidos,  como o são os diamantes legítimos.
Assemelham-se às águas cristalinas das vertentes, brancas, limpas, transparentes.
Perfumadas, inclusive.
São amores que saciam nossa sede, refrescam nossa alma em tempos de seca, aplacam nosso cansaço e nos deixam com uma sensação de plenitude e de paz.
Outros vêm cheios de plumas e paetês, muito brilho, glamour e purpurina, uma visão que, primeiramente nos cega pela beleza e, a seguir, nos encanta e nos fascina, como borboletas atraídas pela luminosidade.
Entretanto, não passam de simples zircônia, aquela que parece, mas não é.
Um falso brilhante que não resiste à passagem do tempo e, na primeira oportunidade, mostra o fundo, isto é, oco por dentro.
Pura estampa, nada fina, por sinal.
Há amores que são como o ouro, o rei dos metais.
Atravessam chuvas, ventos e tempestades mas não perdem a força e o valor, ao contrário: quanto mais tempo passam juntos, mais se amoldam, pois o ouro é maleável, sem deixar de refletir a luz.
Há que ser um expert em vivências para conseguir distinguir uns dos outros: aqueles que, como os córregos, apenas passam por nossas vidas mas nos deixam com uma reserva de água pura que levaremos para usar nas piores horas; os que aparentam ser o que não são, nos enganam e nos deixam com um vazio, eis que nada nos acrescentam, mera ilusão de Carnaval que termina na Quarta Feira de Cinzas; e os que são como o ouro, e que são os que ficam.
E pensar que, por essas circunstâncias da vida, às vezes trocamos o brilhante pela zircônia, e guardamos o ouro em um compartimento de pouco uso, quase que esquecendo de seu valor.
Precisamos ficar atentos e com o coração aberto, por que ele, e somente ele, sabe reconhecer a diferença!
 






O Feixe De Varas

Meu Avô paterno, Atílio Mondadori, descendente de italianos vindos da região de San  Benedetto Po que aqui se estabeleceram no século XIX, homem de grande tino para os negócios e com toque de Midas, fez fortuna com o estabelecimento comercial que possuía, as cinco fazendas onde se plantava trigo, arroz, laranjas,  e o gado povoava as terras a perder de vista.
Tudo corria muito bem, até que sobreveio a quebra da Bolsa de Valores de New York  em 1929.
Meu Avô dormiu rico e acordou pobre.
Todas as suas economias e as reservas que possuía no banco não valiam mais nada.
Segundo contava meu Pai, foi um dia de extrema aflição para todos, pois meu Avô encerrou-se em seu escritório e de lá não saiu até o cair da noite.
Não permitia que ninguém entrasse, nem sequer para lhe alcançar um prato de comida.
Estava ali encerrado, pensando.
Quando saiu, minha Avó Mathilde, meu pai e meus tios aguardavam, nervosos, o que diria o chefe da família, a quem todos obedeciam e seguiam sem pestanejar.
Com a serenidade que lhe era habitual, meu Avô sentou-se à mesa e, com uma única frase, decidiu os rumos da Família Mondadori dali para a frente:
" Nós seremos como um feixe de varas. Unidos, sairemos ilesos e ainda mais fortes desta situação. Se nos deixarmos levar pelo desespero e pelas discussões vãs, nos terminaremos."
Essa lição me foi passada pelo meu amado Pai, o Dr. Edgard, meu exemplo de homem de caráter, de homem digno e de bom coração, para quem, acima do dinheiro, importava a união familiar.
Meu Pai honrava lo que tenia bajo los pantalones.
Aprendi com ele que nem tudo na vida é medido pelo dinheiro, pois há coisas infinitamente maiores que esse senhor.
Meu Avô materno, Antônio, partilhava da mesma opinião.
A boa fortuna, - e tomara o fosse, não é condição permanente, perene, imutável.
Por isso, em tempos de crise, lembro dos ensinamentos de meus antepassados e das lições de vida que me deixaram, e a maior delas foi, é, e sempre será, o amor.
O afeto.
A união, tão bem representada pelo feixe de varas.
O abraço que acolhe, afaga e acalma.
O gesto que ampara.
Para isso estamos, afinal.
E que jamais se aplique a nós aquele triste ditado: " era uma pessoa tão rica que, de tão rica, chegava a ser pobre"!
























quinta-feira, 23 de março de 2017

Adoçando a Alma

Para afastar a tristeza e o desânimo que, certa feita estava sentindo, decidi fazer um doce.
Uma ambrosia.
Mas a coisa não foi assim tão fácil, barbadinha.
Fazia dias que eu andava com um mal estar que não era meu, como se houvesse uma nuvem escura pairando sobre minha cabeça, que não se dissipava com nada.
Pensar, era o que mais andava fazendo naqueles dias.
Aborrecida, a tal ponto que andava reclusa a fim de poupar os amigos da cara fechada.
Ruminando.
Resmungando.
E, novamente, pensando.
Aí está algo que abomino, e é a mentira.
O pseudo amor; a falsa amizade; a desculpa esfarrapada, mais fria que bunda de pinguim.
Essas coisas, primeiramente, me entristecem. Depois, me enraivecem.
E, por fim, fico dias e dias com aquilo na cabeça,
É muito irritante, esse processo todo, mas é assim que ele funciona para mim.
O caso é que, numa certa manhã, acordei farta daquele estado de coisas, e decidi encarar de frente o que estava me incomodando.
Eu mesma, foi a primeira pessoa que listei.
Estava de mal comigo mesma, pois não nasci para engolir sapos, e eis que me vi empanturrada deles.
Engasgada.
Com tantas coisas para dizer que poderia ficar horas tecendo comentários e tentando justificar erros que, vejam a ironia da coisa, não eram meus!
Pois bem.
Se eu efetivamente fosse verbalizar o que pensava, não restaria pedra sobre pedra.
Optei, então, por uma via nova, desconhecida, mas infinitamente mais prazerosa e salutar: escancarei as janelas da minha alma para um caminho terno e doce, e fui fazer uma sobremesa.
Não há como ficar triste quando uma calda começa a ferver e a exalar seu perfume, quando acrescentamos os ovos batidos, o leite, a canela, o cravo, umas gotinhas de limão, e essa mistura começa, lentamente, a se unir, adquirindo um tom dourado.
E foi assim que, um dia, mandei a tristeza embora, e minha alma cedeu lugar à doçura e à alegria.
Mexendo aquela ambrosia, diluíram-se em açúcar todas mis penas.
Foi-se, a nuvem escura.
Terminei o doce, deixei esfriar e, deliciando-me com ele, conclui que, para certas situações e algumas pessoas, há que aplicar-se o ditado argentino: mejor perderlo que encontrarlo pues, menos vulto, más claridad!








sábado, 11 de março de 2017

Deu O Clic

Nada como ficar por nove horas na estrada, dirigindo sozinha, para pensar na vida.
São viagens que costumo fazer de Itaqui a Porto Alegre, percorrendo uma distância de setecentos e trinta quilômetros.
Não é pouco, se considerarmos que praticamente atravesso o estado, saindo da Fronteira Oeste, na divisa com a Argentina, até a Capital.
Não me impressiono e tampouco me apicho, pois já fiz tantas vezes esse percurso que, para mim, é normal.
O primeiro trecho, Itaqui/Uruguaiana, faço-o ainda carregando os problemas do dia a dia: contas, os gatos, o pátio da casa, os reparos necessários...
Entretanto, à medida em que vou avançando, quilômetro por quilômetro e a estrada se abre para mim, deixo-me levar pelos pensamentos, e estes me envolvem, num afetuoso abraço que me conduz a outras viagens, algumas ótimas, outras, nem tanto.
São as memórias que vem chegando para me acompanhar, trazidas pela música que ouço, ou pelo silêncio, interrompido apenas pelo som do vento, ou por minha própria voz, cantarolando boleros e outras melodias em espanhol, a língua materna - uma constante em minha vida.
As lembranças desagradáveis, afasto de plano.
Cedo espaço tão somente ao que me é familiar, acolhedor e alegre, a sonhos que viraram realidade, a amores, sabores e prazeres.
Nada mais.
Muito mais!
Numa dessas tantas voltas, lembrei do primeiro amor que tive na vida, aos quinze anos.
Eu era uma adolescente gorda, com dez quilos acima do peso, tímida, sem jeito algum para o romance, trancada dentro de mim mesma onde, ali sim, sobravam ideias e ideais.
Um dia, fui convidada para uma festa na cidade de Concórdia, na Argentina, onde morava minha tia Albita, irmã de minha Mãe.
Eu iria de carona com um casal de amigos de meus pais.
Saímos de Alvear num dia lindo e gelado de inverno, perto do meio dia.
No banco de trás do carro, pensava em como seria monótona aquela vigem de cinco horas, o casal de meia idade e eu, até que paramos na frente duma casa e a senhora, virando-se para mim, explicou: vamos buscar meu sobrinho, que também irá conosco.
Bem tranquila estava eu, até aparecer o dito sobrinho, que resultou ser un hermoso muchacho!
Fiquei sem fala, sem ar, sem nada, eu ia viajar com aquele gato do meu lado durante cinco horas?
Sim.
Nós nos olhamos com desconfiança, num primeiro momento.
Ele era alto, magro,  tinha uns olhos marrom escuros maravilhosos, uma melena castanha e ondulada, como todo argentino que se preze, boca grande e, quando sorriu pela primeira vez, eu nem sabia direito para onde estávamos indo;  a paisagem se diluiu e, assim, após uma meia hora de poucas palavras mas de muitos olhares, deu o clic.
O clic é algo mágico, que acontece poucas vezes na vida da gente.
É uma força desconhecida e nova, contra a qual não vale a pena lutar pois será uma luta inglória.
Ademais, resistir, quem quer?
Nós começamos a nos (re)conhecer devagar, porque, sim, parecia que éramos conhecidos de toda uma vida.
Rimos a viagem inteira, de tudo, de nada, um riso de pura felicidade, pois sabíamos, ambos, que estávamos sob o encantamento do amor.
Não tinha escapatória, e não teve.
Namoramos dois anos e, nesse período, lembro-me bem, emagreci os dez quilos que tinha para mais.
Como dizia meu Tio Tata, meu amado Tio, que Deus o tenha: no comia, no dormia, el amor la consumia, ahora canta todo el dia!
Verdade, o amor me consumia e eu cantava o dia todo, não sentia fome alguma, contava os dias e as horas que faltavam para que chegasse a quarta feia, dia que ele vinha a Itaqui, e sexta feira, dia que eu ia para Alvear, passar o final de semana na casa de minha tia Maria Luisa, a outra irmã de minha Mãe, e ficar com o meu amor.
Terminamos nosso romance porque eu fui estudar em Porto Alegre e ele em Buenos Aires.
Tínhamos dezessete e dezenove anos, respectivamente.
Foi um final igualmente feliz, como foi todo o tempo que namoramos, pois nos gostávamos muito e nenhum queria atrapalhar a vida do outro.
Nunca mais o vi  nem soube do paradeiro dele, e nem me interessa, como tantas vezes frisei, não curto sessão nostalgia.
Mas o fato é que as coisas boas que vivemos deixam sua marca, como uma tatuagem, símbolo de bem querer e de afeto; é aquela lembrança que nos faz suspirar, sorrir e percorrer, sem sentir,  um longo trecho de estrada.
Volto ao tempo atual de alma leve, agradecendo a minha boa estrela e, logo adiante, avisto meu destino:
Cheguei a Porto Alegre!

















quarta-feira, 8 de março de 2017

Geminianos - II

Acuse um geminiano de muitas coisas, menos de ser óbvio, previsível, certinho, sempre a mesma coisa, amém.
Mas não mesmo!
Quando todos pensam e têm certeza de que o geminiano irá para a direita ele, para gáudio de seus detratores (essa, tirei do fundo do baú), dará uma marcha a ré e virará para a esquerda.
Quando todos pensam saber o que aquele ser fará, acredite: não sabem é nada!
Pois quem é de Gêmeos detém a ventura(e por vezes, a má sorte) de ser dual.
Geminianos se divertem muito com as conclusões que costumam pulular por aí, e adoram ver a cara de espanto que fazem alguns, quando se dão conta que não entenderam nadica de nada.
Não cutuque um geminiano com vara curta, amigo.
Não confunda amabilidade com idiotice, educação com burrice, silêncio com ignorância.
Os geminianos são seres astutos e muito sensitivos.
Quando está na defensiva, o geminiano  torna-se excessivamente loquaz, pois não quer deixar antever seus reais pensamentos.
 Porém, se estiver muito quieto, te cuida, Latorraca!
Está com seu almofariz, remexendo poções para, na hora certa, lançar seus dardos,  que poderão ser cheios de mel, ou carregadinhos de veneno.
É...
Geminiano não brinca em serviço, apenas espera o tempo certo.
Olhar de raio X, visão periférica, ouvidos de mercador quando convém, o geminiano é um ser que nasceu para vencer e brilhar.
Não é criatura de bastidores.
Toma a frente, não fica jamais na salinha dos fundos.
Geminianos são peritos em depurações e sentem, a léguas, o cheiro da maldade.
Por estes e outros que tais, um homem de Gêmeos costuma ser uma cara bacana, mas uma geminiana é um desafio constante.
Aliás, não busque numa geminiana a placidez e mesmice, pois se dará muito mal.
Incontáveis vezes escuto que vivo a mudar de ideia e, de fato, sou  assim mesmo, e quanto mais me amolam com a pretensão de querer nortear meus desejos e manipular meu jeito de ser e de pensar, outro tanto me insurjo e me revolto, sempre com uma boa dose de diversão.
Como geminiana autêntica, assumo integralmente meus erros mas, de outra banda, não carrego comigo o fardo de culpas alheias.
Aliás, culpa é uma palavra que não existe no meu livrinho.
Somos o melhor signo do Zodíaco, uma verdadeira caixinha de surpresas e, embora não façamos parte do bloco dos sempre contentes, isto é, dos hipócritas de plantão, tentamos levar a vida de maneira leve e calorosa, sorvendo o que de melhor ela tem para nos dar, e nós, a ela.
De um modo geral, os geminianos são curiosos e inquietos,  não se deixam levar pela obviedade das coisas postas, uma vez que não há  script  pré determinado que não possa ser escrito de forma diferente.
Onde estiver o novo, a interrogação e a mudança, lá estaremos nós, os geminianos, pois somos filhos do movimento, do ar e do vento, dos dias ensolarados e de brisa suave, muito embora saibamos enfrentar temporais com galhardia.
Avante, e à frente, esse é nosso lema.
Per aspera ad astra, esse é nosso mantra.
Rumo a elas, portanto!



























Blindagem Verde

Herdei de minha Mãe o costume de sentar no pátio de casa, à primeira hora da manhã, com um matecito recém feito, a fim de observar o início do dia.
Um hábito do qual não abro mão, pois o considero essencial para minha saúde mental e física.
De minha cadeira, olho o entorno sinto o ar, ainda  úmido, da manhã.
Reinam, absolutas, a tranquilidade e a paz.
Sons, ouço o canto dos pássaros e o vento nas folhas das árvores e arbustos.
Sou um ser que ama as plantas e, por tal razão, encontro-me cercada de verde por todos os lados.
Dia desses, pensava em como é importante ter um recanto de onde podemos assistir, como se fosse um filme, o desfile de ideias, desejos, sonhos, inquietações, medos, angústias, alegrias e outros tantos sentimentos que trazemos no coração.
Um lugar onde desnudamos a alma, sem segredos.
Nós, e nós mesmos.
Eu me sinto extremamente grata por ter, a minha disposição, um local assim.
Ali, embora a mente esteja aberta e absorva as energias do dia que começa, sinto-me protegida por uma blindagem verde que me encanta e me afaga, acalma meus temores e eleva meus pensamentos.
Durante uma hora, todos os dias, há uma troca intensa entre nós, a natureza e eu.
Cuido de cada pote, arbusto, árvore, flor e muda que plantei com amor, e eles me retribuem com sua presença silenciosa, mas de um poder sem igual.
As plantas alimentam e nutrem nosso eu interior de bons sentimentos e, desse modo, a  raiva, a indignação e a sensação de impotência que experimentamos às vezes por determinadas situações, se diluem ante sua beleza simples e mágica.
A cada manhã renovam-se a fé, a esperança e a vontade de seguir adiante, sem embargo dos dissabores e desilusões comuns a todos os mortais.
Neste período sabático que me impus voluntariamente, tenho mantido diálogos altamente produtivos comigo mesma, num reencontro por muitas vezes adiado e, por outras tantas, relegado a segundo plano.
Há momentos na vida  em que uma das únicas certezas que temos, é a de que queremos nos livrar de inúteis quimeras, de preocupações desmedidas, de entulhos que atravancam nossos dias.
Sobram os afetos verdadeiros, meus dois gatos, o abraço diário de minhas plantas, o céu espetacular do meu Itaqui, o mar, uma viagem aqui e outra acolá, cinema, livros( muitos livros), música...
Muito para agradecer, quase nada para pedir!