quinta-feira, 21 de maio de 2015

A Sacola que Virou Pluma

Escrever traz grande alegria a minha alma, adoça meu dia e suaviza qualquer dor, se a houver.
É como se, dentro do meu coração, um longo e invisível fio começasse a se desenrolar, carregado de memórias, sensações, rostos, vivências e um sem fim de sentimentos que saem à baila cada vez que me deparo com um pedaço de papel em branco. 
Não há nada capaz de parar esse fluxo, o desejo intenso de exprimir emoções, impressões, palpites furados, velhas histórias, fotos, viagens e tudo que há neste mundão de Deus.
Escrever é um dom que carrego no peito e que me foi dado por Deus, tenho consciência disso pois, dentre tantas coisas que gosto de fazer, esta é uma das que mais me dá prazer.
Poderia escrever páginas e páginas sobre isto, mas rumei, hoje, em direção à folha em branco para falar sobre um tema que me deixa curiosa.
Vocês, eu não sei, queridos amigos, mas eu não costumo me apichar diante de qualquer obstáculo, não.
Com isto,  não pretendo dizer que sou uma uma valentona, incapaz de suspirar com um afago nos cabelos, ou deliciar-me com um abraço apertado.
O que realmente digo é que precisa ter muito café no bule para me tirar do prumo ou acabar com a minha alegria.
Não adianta tentar tirar leite de pedra, e é assim que penso em relação àquelas pessoas que insistem em querer me fazer sair da casinha.
Ledo engano.
Não é qualquer cara feia ou canto de sereia que me abala ou comove.
Por essas e outras, fico extremamente feliz comigo mesma quando consigo controlar a vontade incomensurável que às vezes sinto, de mandar quem se atravanca na minha frente sem pedir licença lamber sabão, quem sabe comer um pedaço de pedra pensando que é rapadura, ou ir até a esquina, ver se estou por lá.
A lista de lugares comuns é extensa...
Quando consigo suplantar tais desejos, os mesmos se esvaem através da escrita, da amada folha em branco, a qual exerce sobre mim um fascínio e detém o poder de me acalmar, de me fazer olhar para todas as coisas sob um ângulo novo, reavaliando situações.
E a minha curiosidade reside, justamente, nisso: será que as pessoas, por qualquer coisinha, costumam ter um chilique? E quando digo qualquer coisinha, refiro-me a coisas banais - o carro que emperrou, o salário atrasado, o dinheiro que acabou, as contas pendentes, os relacionamentos chatos, o acúmulo de trabalho... seriam esses, motivos para deixar de lado a delícia que é a aventura da vida,  e permitir o mau humor tomar conta?
A quem outorgamos o direito e a pretensão de acabar com a nossa festa interior, isto é, de tentar fazer murchar a alegria de ver o dia nascer e a noite chegar, de saber que, para todas as coisas (exceto uma) há solução?
Pois eu não dou a ninguém esse direito.
Não há acordo que me faça agir ou pensar de forma diferente, a não ser que alguém me prove que cara feia e mau humor são sinônimos de solução.
Há algum tempo eu tinha uma sacola grande, muito grande.
Nela, eu costumava por as coisas que me incomodavam e, por vezes ela estava tão, mas tão pesada, que seu conteúdo me fazia andar vergada.
Agora, não.
Decidi abrir a sacola e retirar de dentro dela  todos os pesos, até que ela ficou leve como uma pluma.
E, sendo pluma, saiu voando.
Assim encaro a vida: de frente, aberta, e com agradecimento.
Os ataques e os achaques alheios que, por vezes, tentam me fazer carregar novamente a sacola deparam-se apenas com minha cara de paisagem, observando a sacola que virou pluma e saiu voando.










  

terça-feira, 19 de maio de 2015

Noches de Verano

Talvez seja o veranico de maio, com dias espetaculares de temperaturas amenas, muito sol, brisa suave, céu limpinho e azul, talvez porque aproxima-se a data do meu aniversário, sei lá...hoje lembrei tanto de minha Avó materna, Adelaida, pessoa de uma doçura como jamais conheci outra, salvo minha Mãe adorada.
Pois minha Avó Adelaida tinha uma cadeira de balanço que, por essas voltas que a vida dá veio parar aqui em casa e, não por acaso, considerando que ela adorava gatos e os tinha em grande profusão, nunca menos que sete ou oito, meu gato Bibo tem predileção por esparramar-se nela.
Cada vez que olho para a cadeira de balanço, ponho-me a pensar no quão feliz e abençoada foi a minha infância, uma verdadeira ilha, eu era, cercada de amor e de afeto por todos os lados.
E minha Avó Adelaida era o símbolo máximo daquela ternura que somente as avós sabem ter.
Não são nossas mães, mas sabem muito mais que elas, pelo tanto que já viveram.
Não tem mais aquela ansiedade de ensinar (e aprender) ao filho as coisas de todos os dias.
Estão ali, disponíveis para amar.
Sem pressa, sem cobrança, sem nada.
Apenas amor, e somente ele, esse sentimento poderoso que cura tudo!
E não há nada mais fantástico que o amor  sincero e desinteressado, onde apenas o verbo gostar se faz presente e importa.
Pois a minha Avó Adelaida,  com seu amor sem fim, deixou-me a sua marca.
A marca da alegria e da suavidade, pois nunca ouvi dela um só grito ou qualquer palavra áspera.
Era carinho puro, a minha Avó.
Cada vez que lembro dela, vem a minha cabeça um ramalhete de flores coloridas.
Com ela aprendi tantas canções infantis, cantadas em espanhol, naturalmente, mas lembro-me de todas a letras e melodias, das histórias que me contava, eu, no seu colo, e ela a embalar-me, suavemente, na cadeira de balanço posta na calçada de sua casa, no Alvear ( aos amigos que me leem e não são da Fronteira, lembro que Alvear ( Argentina)é a cidade fronteiriça a Itaqui que fica do outro lado do Rio Uruguai, e cuja travessia se faz de lancha ou de balsa).
Noches de verano, noites mágicas em que ficávamos ali, sentados em círculo.  minha mãe, minhas duas tias, Maria Luisa e Alba Mercedes, minha avó e eu.
Uma reunião das mulheres Fernández, de onde saía muita conversa fiada e muitas, muitas risadas.
Era escuro, pois em toda a extensão da rua havia uma única lâmpada, posta bem no meio, com a pretensão de  iluminar toda a quadra.
Ninguém se importava com isso, nem com os mosquitos que nos charqueavam as pernas, pois muito mais interessante era olhar para o céu carregadinho de estrelas, escutar a brisa quase que imperceptível do verão, e o trec, tc, trec da cadeira de balanço.
Não sentíamos o passar das horas e nem pensávamos no tempo, afinal, era verão.
Hoje, aos 53 anos,  ponho-me a pensar que fui extraordinariamente feliz na minha infância, e, sim, sinto saudade, claro que sinto, não há como não sentir, e dias há em que tudo o que mais desejo é o regaço de alguém que me ponha no colo e me embale suavemente, ao som de velhas canções infantis.
Veranico de maio, noches de verano, e uma prece de agradecimento para minha Avó Adelaida e para seu colo encantado, para as porções de amor que dela recebi, verdadeiro tesouro que trago guardado dentro do coração.


quarta-feira, 13 de maio de 2015

Interioranos II

 Eu adoro vir ao Portinho, até porque minhas filhas moram aqui. Houve um tempo, inclusive, que cheguei a pensar seriamente na possibilidade de me mandar de mala e cuia para a Capital, de tanta saudade que sentia dos meus três amores.
Minhas filhas, a melhor coisa que me aconteceu, presentes que a vida me deu.
Mas, assim como elas cresceram e se tornaram mulheres independentes e bem sucedidas, graças a Deus, também eu dei o meu grito do Ipiranga, no sentido de que não tenho mais obrigações que antes me tomavam o tempo todo:  levava e buscava da escola e, nos intervalos comerciais, tinha o inglês, o ballet, a natação, as festinhas e, mais tarde, as baladas, as saídas de baile, e lá ia eu, atravessando o Itaqui às 3, às 4, às 6 da manhã pra buscar, nunca deixei que viessem de carona, salvo com alguma outra mãe ou pai. Muitas vezes, aliás, era minha vez de deixar as amigas em suas casas, levava quatro, cinco meninas antes de chegar em casa e, aí sim, dormir a bandeiras despregadas, sabedora que o trio parada dura estava ali, no quarto ao lado.
Foram tantas as madrugadas que passei dormindo um sono de passarinho, acordando de hora em hora, até o momento de ir buscá-las que perdi a conta, lembro-me do quanto resmungava ao ter que sair da cama quentinha, abrir o portão, tirar o carro, mas bastava avistar as carinhas sorridentes que um imenso alívio me invadia.
O tempo passou e agora elas vão e vem em seu próprio carro e, embora me preocupe, até que consigo dormir melhor, moram distantes de mim, nos vemos uma ou duas vezes ao mês por, no máximo três ou quatro dias e era isso, cada uma volta aos seus afazeres e as suas rotinas.
Claro que eu gostaria de morar perto delas, não a 730 Km, mas Itaqui é longe, então, assim tem sido os últimos seis anos de nossas vidas.
Digo a vocês, entretanto, que a cada visita ao Portinho amado mais me convenço de que o meu lugar é, de fato, no meu Itaqui.
Não tem jeito.
O interior está tão dentro de mim, arraigado, enraizado no coração, que de lá não vai mais sair.
Tanto que, após cinco dias na Capital já ando suspirando de saudade dos meus gatos, do  pátio de casa, das plantas, que conheço uma a uma, do Rio Uruguai ...ah, o Rio Uruguai é lindo demais!
Eu sou, e sempre serei uma interiorana  apaixonada pela minha terra e suas gentes, pelos dias e noites  em que ouço apenas o som do vento nas árvores que ficam na frente da janela do quarto, do canto dos pássaros, meu despertador de todos os dias quando salto da cama pra fazer meu doce amargo e abrir a casa, olhando  o céu que ainda no clareou, de sair à rua e encontrar, a cada tanto, um conhecido, um amigo, um colega de trabalho.
Eu sou, e sempre serei uma interiorana apaixonada pela minha terra e suas gentes!
Itaqui é o meu  lugar e, esteja onde estiver,  é para lá que sempre quero voltar. 



sexta-feira, 8 de maio de 2015

O Prato Quebrado

Eu tenho uma empregada doméstica que quebra objetos.
Já quebrou diversos copos, tirou lascas de pratos rasos, de pratinhos de apoio para pão, quebrou uma tampa de uma bomboneira de cristal que era de minha Mãe, o que me fez ter um pequeno chilique, mas colei a tampa, partida ao meio, e, bom, somente eu sei que aquela parte está quebrada, posto que tenho-a colocada sobre uma estante mais alta.
Mas hoje, hoje foi o fim da picada.
Eu tinha um prato pequeno, que era de minha Mãe que, por seu turno, comprou-o em uma viagem aos Estado Unidos.
Não interessam nem a viagem e nem o valor do prato, mas sim, que ela de minha Mãe, que não está mais comigo e dela guardo apenas os objetos que lhe eram caros e, não vou mentir a vocês, sou mesquinha em relação a eles, não gosto que ninguém toque, nem mexa, nem mude de lugar, porque eles são, a par de todas as incontáveis lembranças, o que restou do que ela gostava, daquilo que gostava e cuidava, cuidava muito.E não tô nem aí se me taxarem de materialista ou qualquer outro besteirol, tenho 53 anos e não ligo a mínima para o que pensam ou dizem de mim, sigo minha vida dia após dia, esforçando-me para fazer o bem, ou não fazer o mal, o que entendo ser uma grande coisa.
Mas já estou fugindo do assunto, que é o prato quebrado.
Pois não é que chego do trabalho e, arrumando uma coisa e outra, nada notei, até o momento em que, perambulando pela sala, dei pela falta do prato.
Me deu um aperto, uma raiva surda, de imediato pensei: ela quebrou o prato da Mãe!
E pus-me a procurá-lo - em vão, porque eu já sabia que ele estaria quebrado, até que fui fuçar no saco de lixo, displicentemente pendurado na grade do muro.
Aí eu já estava falando alto, não era mais um resmungo, era a raiva saindo pra fora e desatei o lixo e não me importei com os pedaços de cascas de tomate, nem com os restos de erva mate, apenas procurando, procurando.
Teria, talvez, se partido em tão poucos pedaços que eu não encontraria nem um farelinho dele?
Até que achei uma folha de jornal amarrotada.
Tinha que estar ali.
E estava!
O prato da minha Mãe, de 21 anos de idade ali jazia, sujo de erva e enrolado numa folha úmida de jornal.
Juntei os cacos, não sem ter tido um acesso de fúria e de ter dito todos os impropérios contra a criatura.
Sim, digam o que quiserem de mim, mas tudo que é de minha Mãe e de meu Pai, de minhas tias e de minhas avós eu guardo e procuro preservar, com unhas e dentes, até vir uma porra louca e quebrar o prato, e toda sua história junto.
Ontem vi no JN os novos direitos dos empregados domésticos, e agora estou a questionar: tá, e os meus direitos, onde estão?
Me quebra um negócio de imenso valor sentimental e lá está ele, jogado no lixo, enrolado num pedaço de jornal como se fosse uma casca de banana.
Disso ninguém fala, sobre isso ninguém se posiciona.E se a gente reclama, chamam de louca pra baixo.
Assim estão as coisas.
Invertidas.
Agora o empregado tem tantos direitos que manda mais que o empregador, e a nós só cumpre baixar a crista e pagar.
Pagar e pagar.
Só que não.
Mais ridículo ainda eu acho aquelas empregadoras que posam de mãozinha com sua empregada doméstica e ainda dizem " ai, tô super feliz com essa conquista, agora sim, estamos bem"!
Ou é muito hipócrita ou é muito burra!
Enfim, também existem empregadoras politicamentiiiii coorrréééétas!!!
E a minha querida empregada doméstica, sobre o prato quebrado, não falou nem um pio, foi embora como se nada tivesse acontecido.
Quer dizer, além de me causar prejuízo, me toma por tonta.
Isso sim, é demais para os meus combalidos nervos.
Bueno, ainda bem que hoje me vou pro Portinho ficar com minhas filhas amadas, espantar a tristeza que esta data de Dia das Mães me causa, sair, passear, não pensar.
Na volta, resolverei a questão do prato quebrado, e de outras tantas quinquilharias.
Tem horas que sinto vontade de morar num apartamento onde tenha um sofá, uma cama, uma TV, livros, fogão, geladeira, e deu.
Nem plantas quero ter, porque este ano, quando voltei das férias, minhas plantas estavam mortinhas da silva: ninguém molhou.
E reclamar para quem?
Não temos para quem reclamar!
Empregador que reclama demais é processado por dano moral.
Então, bico calado.
É ruim, hem...










terça-feira, 5 de maio de 2015

En La Boca Del Lobo

O título acima é o mesmo de uma série que assistimos, Alberto e eu, no Netflix.
E é tão interessante quanto perturbador, porque te faz pensar, e muito.
Foram 80 episódios, com média de 45 minutos de duração cada um, uns mais, outros menos, mas o caso é que ficamos presos à história do começo ao fim.
Baseada em fatos reais, relata o caso de um jovem militar colombiano que, atraído por uma proposta de trabalho ligada à área de segurança e levado pela lábia de um velho amigo, dá de cara com nada mais nada menos que os chefes do Cartel de Cáli.
E cai, direto e sem perceber, en la boca del lobo.
Interessante como o autor desenrola a trama ao longo de seis anos e meio e, de tal forma o faz que não se consegue arredar o pé, fica-se louco para ver o que acontecerá no capítulo seguinte, o que é raro, conseguir passar o conteúdo de um livro para a telinha e fazê-lo de forma tão magistral.
Notável, também, é a maneira como o personagem vai se enredando com as questões dos senhores do Cartel, confrontando-se diariamente com o bem e com o mal.
Com o bem, pois o dinheiro sujo procedente da comercialização das drogas atrapa muitos inocentes ignorantes, que mal suspeitam sobre a origem daqueles valores recebidos. São pequenas lojas, farmácias, restaurantes, carros para locação, agencias de viagens e um sem fim de prestadores de serviços que trabalham, muitos, indiretamente para o Cartel, na medida em que servem para limpar o dinheiro e sequer tem a mais leve suspeita sobre isso.
O mal está em que há um sistema viciado e corrupto, onde o dinheiro fácil é a mola mestra que move aquelas pessoas, capazes de deixar para trás todos os seus valores e não pensar em nada mais, a não ser que, efetivamente, os senhores da droga podem tudo.
Até um determinado momento, realmente, eles podem: compram tudo, políticos, amores, servidores públicos.
Quando começa a derrocada daquele império construído sob a égide de tantos crimes, o lado negro e cruel daquela máfia emerge com tudo e eles vão pra cima, sem dó nem piedade, no afã de tentar manter o status quo.
Enquanto isso,  nosso personagem se vê cada dia mais envolvido con los senõres y sus trampas e quer, desesperadamente sair daquela situação.
Mas não é tão simples assim.
Suspense, traições, amores, e um retrato sem retoques de alguém que viveu seis anos e meio de sua vida convivendo com  Cartel de Cáli.
Prepare a pipoca, o refri, uns docinhos, deixe a janta semi pronta e, no final de semana, apronte-se para um madrugadão, porque, simplesmente, não dá pra parar de assistir: você vai ficar hipnotizado e, líquido e certo, também vai cair En La Boca del Lobo.