quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Lucrécia, a Peidorreira, em Buenos Aires.

La senõra Babú estava em estado alfa, vale dizer, completamente histérica.
Aproximava-se a data do casamento de sua afilhada no Rio de Janeiro e ela já havia combinado com Lucrécia: precisavam ir a Buenos Aires escolher os vestidos para o casório.
 Afinal, a parentela estaria pensando que ela e Lucrécia seriam as primas pobres?
As interioranas de lá do fim do mundo, que os cariocas nem sabiam aonde ficava?
Pero eso, jamás!
Está bem que Lucrecita tinha aquele costume horrendo de peidar incontrolavelmente, sabe-se Deus de onde vinha aquilo, talvez uma espécie de magia ao contrário, pois até Asdrúbal, o cachorro, que já estava velho e caindo aos pedaços seguia o fedor dos peidos refestelando-se, ele também, no piso da copa, para peidar junto.
Os olhos de Asdrúbal, grandes e melosos, reviravam-se de satisfação.
Perro de mierda, pensava la señora Babú, vontade tenho de chutá-lo para bem longe ou, quem sabe, uma bola de veneno...controlá-te, Babú!
Concentra-te en el vestido.
Pero que macana!
Imagínate si Lucrécia começar a peidar dentro do avião...
Com tais elucubrações, quase teve um piripaque, a pressão foi a 20 e o calor, insuportável, fruto do nervosismo, a fazia suar em bicas.
Mesmo assim, com tudo isso, ficou decidido: iriam, e logo, a Buenos Aires.
Subiram no Flecha Bus, um ônibus espetacular que as deixaria na manhã do dia seguinte en  la Capital Federal.
Em torno de 1.200 km, 16 horas de viagem de Posadas a Buenos Aires...e Lucrécia estirada na poltrona do ônibus...pssssss...
O popular fedorão espalhava-se e ela via, olhando de soslaio, as pessoas revirando-se nos assentos, sem saber de onde vinha quela cheiro pavoroso...sempre a mesma história.
Como Lucrécia ria com aquilo!
Ria muito!
Para con eso, Lucrécia, repreendeu-a la senõra Babú, embora soubesse ser inútil aquele pedido.
Chegaram.
Foram para o hotel e, depois de um par de horas de descanso, saíram em busca dos vestidos.
La senõra Babú não era exigente, mas tinha um problema: não tinha espelho em casa, pois deseja usar um modelito que não a deixasse com aquele ar de matrona argentina.
Pensava nos corpos sarados das cariocas, bronzeadas e magras, vivendo quase que exclusivamente para o culto do corpo, e chegou à conclusão que, nem em mil anos, perderia aquele ar um tanto quanto antiquado.
Pero que infierno!
Decidiu-se por um vestido de renda, meia manga, azul noite...era bonito, até.
O problema, como sempre, era Lucrécia.
Enquanto a mãe estava no provador, ela encarregou-se de espantar a clientela, daquela mesma forma que sabemos.
Pssssss...
Afinal, gostava de privacidade.
Depois de ter feito a funcionária da loja baixar meia dúzia de vestidos entrou,  provador adentro e, sem nenhum pudor ou vergonha, peidou alto e bom som para que todos ouvissem.
La senõra Babú só gritou: estou saindo, Lucrécia, nos vemos mais tarde no hotel, e se mandou.
Rapou fora!
Estava saturada daquela maluquice da filha que a fazia corar de vergonha.
Lucrécia, ao sair do provador, sentiu o olhar dos funcionários sobre si e nem bolas deu.
Uma delas, timidamente, perguntou: vos no sos Lucrécia? Te conheço do Facebook...
Si, soy yo...prrrrrrrrrrr.
Precisava fazer a jus à fama, que já tinha chegado até Buenos Aires.
Era uma maravilha, a Internet.
Vou levar este.
E comprou um vestido belíssimo, de arrasar, todo dourado e com um decote punhal.
Verdade que os peitos não estavam lá grande coisa, mas ainda podia  usar um decote como aquele.
Ademais, nem sob tortura pensava em perder para as cariocas.
Gerardo que se bobeasse, para ver!
E assim, dois dias depois, la señora Babú  e  Lucrécia deram por encerrado seu périplo portenho, e voltaram a Posadas com as malas atulhadas de roupas e acessórios para a grande viagem que se aproximava: iriam de Posadas até Alvear, onde cruzariam o Rio Uruguai e chegariam a Itaqui, para visitar alguns parentes.
Na noite seguinte,  rumariam para Porto Alegre onde,  finalmente, pegariam o voo.
Rio de Janeiro, lá vamos nós!


*Continua num outro dia.













terça-feira, 18 de novembro de 2014

Reforma Interna

Estou há dez dias sem escrever uma mísera linha, que seja, ao menos para alegrar um pouco meu fã clube de meia dúzia de gatos pingados, que reclama, diariamente, da falta de postagens.
É que não tenho como fazer tudo ao mesmo tempo, embora quisesse, muito, proceder dessa maneira.
Os dias vão passando, e não há tempo.
Sinal de que dezembro se avizinha.
Então, desde já, peço desculpas aos meus queridos amigos, que me brindam com seu tempo para ler o que escrevo, e aviso, de antemão, que será assim até o final do ano: postagens esporádicas.
Hoje vou falar sobre obras.
Obras de alvenaria e pequenos reparos.
Tenho sido largamente criticada por gostar de fazer obras e arrumações.
E são críticas pesadas.
Devo dizer a vocês, entretanto, que não me importo com isso embora, além do estresse causado pela reforma em si, precise aturar cara feia, o que gera também, mais estresse.
Preciso?
Pois é.
Ao mesmo tempo em que sou alvo de tantas reclamações enquanto me esforço para embelezar o entorno, também penso.
Penso muito.
E, juntamente com as obras e reformas que tenho levado a cabo todos estes meses, concluí que está mais do que na hora de fazer uma reforma geral, ampla e irrestrita em mim mesma.
Uma mudança radical, assim como quem mudou do carpete para o porcelanato, numa comparação grosseira.
Há um tempo,  na vida, em que ficamos adiando as reformas interiores de que necessitamos.
Mudanças que nos farão respirar melhor,  acordar bem para levar adiante o dia que se descortina,  sem nenhuma interferência que se origine do mau humor ou de seja lá o que for.
Talvez eu devesse ter me reformado a mim mesma por primeiro, ao invés de ter pintado paredes e trocado pisos.
Quem sabe, se eu tivesse mochilado na Europa por uns seis meses e tivesse deixado as paredes descascadas para depois, talvez eu não tivesse sido tão criticada.
Fato é que, assim como os cômodos da casa que passaram por uma reforma, também eu mudei.
Foram-se,  junto com os pedaços de reboco que saíram das paredes, com o piso velho e manchado, partes de mim que tampouco me serviam mais, estavam ali apenas como uma sombra, um peso, um estorvo.
E quem, com a vibrante luminosidade do verão, consegue conviver com a melancolia do outono?
Assim como os entulhos que saíram da reforma, também eu mudei,  para mandar embora tudo que atravanca meu caminho.
Uma faxina interna para deixar tudo mais leve.
Eu, passarinho...
2014 está findando e, das muitas coisas boas que realizei este ano, a decisão de uma reforma interna foi, sem dúvida, a melhor obra que concretizei.







sábado, 8 de novembro de 2014

Com Pedras nas Mãos

Tenho sonhado com pedras.
Pedras enormes, montanhas de pedras.
Elas são de cor clara, de um bege acinzentado
Estão sobrepostas, e preciso escalá-las para poder chegar ao topo.
Apenas uma pequena nesga de céu azul, é o que consigo vislumbrar de onde estou: na base da montanha rochosa.
E eu que pensei, ingenuamente, que minhas montanhas pedregosas tivessem chegado ao fim!
Los sueños, sueños son, diria minha Mãe maravilha, a que sabia de todas as coisas.
Mas o fato é que não consigo deixar de pensar na razão de tais sonhos, que vêm se repetindo há umas duas semanas.
No significado.
Dentro de meus parcos conhecimentos sobre o inconsciente, venho buscando uma resposta para isso e hoje, mateando solita na quietude da manhã, fui lá dentro da minha alma, peguei meu coração com as duas mãos e concluí : há pessoas que têm pedras nas mãos.
Essa montanha que preciso escalar são as mãos daqueles que levantaram muros tão altos e rochosos, que somente com uma força de Hércules conseguirei subir.
A nesga de céu que consigo enxergar seria o reencontro, a alegria de saber que conseguimos transpor todos os obstáculos e partir para o abraço.
O que equivaleria a estar no céu!
Entretanto, não depois de ter derrubado muitas lágrimas, vi que as montanhas de pedra são tão íngremes quanto estanques, elas não fazem o mais mínimo movimento para me auxiliar na subida.
Ao contrário, a cada passo que dou, as mãos que carregam pedras tentam me impedir de continuar.
De outro lado, isso me fez concluir, também, que há muitos céus.
Que, do lado de cá das montanhas de pedra, há mares, há flores, há o verde fulgurante das árvores.
Há sol.
Há luz.
Não há outra saída - ou melhor, essa é a saída - que contorná-las.
As montanhas de pedra -  aqueles que detém em suas mãos apenas pedras e nunca afeto, jamais carinho, sempre desamor, talvez já estejam vivendo a triste sina da pedra: imóvel, imutável, congelada em sua forma de ser.
E sem nenhuma vida!







Codinome: Beija Flor -Final

Sobre a cama, Florência ardia em febre, e delirava.
Sonhava com lugares que nunca antes visitara, enxergando fantasmas atrás das cortinas.
Acordava gritando, dizendo palavras que ninguém conseguia entender o que significavam.
E, dia após dia, definhava.
Graciela não saía da cabeceira da irmã, desvelando-se em cuidados, consolando o desatinado Maurício que, vendo sua amada naquele estado deplorável, sentia que a vida perdera todo sentido.
Solícita, Graciela servia-lhe chá, uma infusão de ervas de delicado perfume, para acalmar-lhe os nervos em frangalhos, e ali ficavam, os dois, aos pés da cama de Florência, conversando por horas a fio, Graciela usufruindo de cada palavra, de cada gesto, de cada olhar de Maurício que, certamente, seria dela.
Era apenas uma questão de tempo...
Florência adorava aquela irmã, e uma das únicas coisas que conseguia perceber, dentro daquele torpor, era a presença constante de Graciela, dia e noite ao seu lado.
Só não compreendia porque razão a irmã olhava para ela daquela maneira, de forma tão penetrante que a fazia voltar àquele sono de pesadelos.
Um mês transcorrera desde a noite do noivado, em que ela caíra, como que fulminada por um raio e, depois de certo tempo, acordara febril e desorientada.
A família havia tentado de tudo, dentro dos parcos recursos da época, e nenhum dos médicos que a examinara sabia dizer, a fim de contas, qual era seu problema e de onde se originava aquela doença, que parecia não ser doença.
Um encantamento para o mal, era a razão de ser daquele estado de coisas.
Uma vibração maligna permanentemente expressada por Graciela através do olhar, o qual refletia o desejo de mandar Florência para o outro mundo, a fim de poder ficar com Maurício.
Era tão simples para ela, detentora daquele poder sobrenatural...e os resultados estavam ali!
Florência tinha um terço, o único objeto que conseguia, debilmente, segurar e, nos poucos minutos em que a irmã se afastava do quarto, rezava e pedia.
Implorava a Nossa Senhora da Imaculada Conceição, cuja festa comemorava-se no dia 8 de dezembro - era, inclusive, feriado no Alvear, que a salvasse, para que pudesse realizar o sonho de sua vida: casar com Maurício, seu grande e único amor.
Nada mais pedia, a não ser poder sair daquela cama.
Da janela aberta, que dava para o pátio da casa, incontáveis flores entrelaçavam-se nos canteiros, atraindo os beija flores.
Codinome: beija flor...
Onde estás, beija flor?
Quero estar sempre ao teu lado, beija flor.
Nunca vou deixar de te amar, meu beija flor.
E, de onde estava, via os beija flores no pátio...mas pareciam tão distantes!
Doña Fábia, a tia, também começara uma novena a Virgem.
Não era possível que sua menina ficasse daquela forma.
Muito lentamente, Florência começou a melhorar.
Um dia, outro dia...
A febre cedeu, os pesadelos foram embora.
Ela conseguiu levantar, sair até o jardim e caminhar.
Voltou a alimentar-se normalmente, até que,  no finalzinho de outubro, sarou por completo.
Como seria possível aquele verdadeiro milagre?
Era o que ruminava, furiosa, Graciela, ao ver a irmã novamente dona de si.
E, o que era infinitamente pior, com Maurício ao seu lado.
Foi quando, então, numa noite de lua cheia - 31 de outubro,  exatamente no dia do aniversário de ambas, deu-se conta do que havia feito.
Do mal que perpetrara  a sua irmã gêmea, de quem tanto gostava quando eram crianças, a quem amara sempre.
Como fora capaz de tamanha maldade?
Não havia mais como permanecer perto dela, pensava Graciela, consumida pelo remorso.
Naquela noite, em que ambas festejavam os aniversários e a recuperação de Florência, após o término da festa, Graciela saiu da sala, não sem antes ter dado na irmã um longo abraço.
Ninguém prestou atenção, muito menos entendeu.
Fato é que, no dia seguinte, Graciela desapareceu .
Procurada por anos a fio, nunca mais ninguém soube dela.
E, na esplendorosa manhã do dia 8 de dezembro daquele ano, Florência e Maurício casaram-se.
A cidade inteira acorreu para vê-los, na saída da Igreja mas, acima de tudo, queriam ver a noiva.
Florência estava magnífica, como só os que amam muito, e são amados, conseguem ficar.
Nas árvores e flores da Praça de Alvear, uma revoada de beija flores parecia saudar os dois.
Codinome: beija flor...
O amor e a fé venceram a maldade, a inveja, o olho gordo, as vibrações malignas, pois nada é mais poderoso e eficaz que um amor  sincero,  que as preces feitas com a alma e o coração.
Florência e Maurício eram a prova viva disso!
Muito tempo depois, veio a notícia: Graciela morrera, completamente sozinha, jogada em um casebre, murmurando perdón,  Florência, por el mal que te hice...e cumprindo o vaticínio da parteira, quando ambas nasceram: Un gran amor no sera capaz de separar-las . Solo despues de la muerte...
























,
  - era até feirado no Alverar, que a rtirtasee daquele transe e a

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Codinome: Beija Flor - Parte 2

A cada dia mais linda e coroada por uma aura multicolorida, Florência preparava-se para o dia feliz de seu noivado com Maurício e, na pequena Alvear, de outro assunto não se falava a não ser do compromisso de ambos, marcado para o dia 22 de setembro.
Na casa da família corriam os preparativos, e todos os recantos, adornados com flores, prenunciavam o tom da festa.
Uma das filhas do casal estava dando o primeiro passo rumo ao casamento e isso, para os conservadores pais de Florência, significava muito.
Recostada a um canto do sofá da sala, Graciela a tudo observava.
Com um olhar feroz.
Com olhos de ódio.
E vibrava contra Florência, numa vibração de energia negativa tão intensa que ela própria chegava a tremer, cega pela raiva.
Por que Maurício preferira Florência, e não ela?
Ela, que era a filha perfeita, carinhosa, submissa, dedicada, que não abria o bico e aceitava, de bom grado, as decisões paternas.
Como quando quis estudar em Posadas e o pai não permitiu.
Internamente, ardia de indignação, mas a procissão ia por dentro.
Sí, papá...
Só ela sabia a frustração que aquilo lhe causara, mas engolira.
Agora, mais essa, o noivado de Florência.
E o amor por Maurício, que a fazia acordar no meio da noite molhada de suor e, depois, eram as lágrimas que ensopavam o travesseiro.
Ela tinha um dom e sabia disso. Uma forma de desejar, ardentemente, que algo saísse mal e, invariavelmente, saía.
Não fora em vão que nascera num 31 de outubro.
Muitas vezes, bastava um mero olhar, e um copo espatifava-se.
Um prato de parede caía.
A luz de uma lamparina apagava-se.
Certo dia, doña Fábia, que tudo percebia, não se sofreu e falou: sos mala, Graciela.
E ela, simplesmente, rira.
Um riso maligno.
Vamos ver até onde irá esse noivado, pensava.
A festa transcorreu normalmente, com os maravilhosos doces feitos pela melhor doceira do Alvear: tâmaras recheadas com fios de ovos, ameixas carameladas com recheio de doce de leite, pasteles de hojaldre,  e outras tantas iguarias finas.
No final da festa, quando os convidados começavam a sair Florência, de olhos esbugalhados, soltou um grande grito.
E, ipso facto, caiu.
Todos acorreram, desesperados, tentando fazê-la voltar a si.
A única que se mostrava impassível e estranhamente calma era Graciela; com um meio sorriso, observava a cena.

* Continua amanhã.







quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Codinome: Beija Flor - Parte 1

Alvear, 1940.
Os dias e as noites eram longos, preguiçosos, naquela cidade do interior da Província de Corrientes, República Argentina.
Para completar, havia a Guerra, embora não chegasse, nem de longe, até ali, mas seus eflúvios deixavam a atmosfera densa, e os dias e anos arrastavam-se numa pasmaceira que nada tinha de romântica.
Alvear, com seus quatro, cinco mil habitantes, talvez mais, quem sabe menos, parecia uma cidade melancólica e triste, embora o verde das folhas de suas árvores fosse sempre brilhante, e o canto dos pássaros, somado ao vento, fossem os únicos sons que se ouviam naqueles tórridos verões.
Nada disso importou ou fez a menor diferença para o que se desenrolou naquela primavera...
Elas eram duas irmãs gêmeas, ambas de tez morena, cabelos negros, olhos amendoados, boca grande, dentes alvos, riso fácil.
Florência e Graciela.
Quando nasceram, numa esplendorosa de noite de lua cheia, justo dia 31 de outubro de 1920, a parteira, depois de observá-las por algum tempo, vaticinou:
Un  gran amor no será capaz de separar-las. Solo despues de la muerte...
Falou tão baixo que ninguém escutou, salvo doña Fábia, tia das recém nascidas.
O tempo passou e,  vinte anos depois, as gêmeas faziam sucesso por onde passavam, deslumbrando a todos com sua beleza.
Mas ninguém  prestava mais atenção a uma delas que Maurício.
Eram vizinhos e brincaram juntos durante toda sua infância, até que, adolescentes, Maurício e Florência viram que não havia amor maior neste mundo que o deles e ali, na modorrenta Alvear, trocaram juras de amor eterno.
Tinham apenas treze anos quando tudo começou, mas sabiam que suas almas eram tão iguais que nada conseguiria separá-los, e que nem ninguém seria capaz de truncar aquele sentimento sublime.
Iam e voltavam juntos da escola, encontravam-se no armazém da esquina, na padaria, en la misa de domingo.
A paixão eclodia a cada olhar, a cada roçar de mãos, a cada palavra que dizia nada e, ao mesmo tempo, dizia tudo.
Ambos com tão pouca idade e sempre sob a vigilância dos pais e, Florência, observada por doña Fábia, combinaram um código, uma assinatura daquele amor, um codinome:  beija flor, era como ambos chamavam um ao outro.
Com amor imenso, de teu beija flor.
Com toda minha ternura, meu beija flor.
Vivo apenas para te encontrar, beija flor.
Florência era doce, sorridente, afável, de muitos amigos.
Tinha luz.
Graciela era rude, bruta, séria e emburrada.
Era escura.
Enlouquecida de inveja e corroída pelo ciúme, acompanhava o desenrolar das peripécias amorosas da irmã estando, ela também, caída de amores por Maurício.
E sabia que jamais, ao menos nesta vida, conseguiria arrancar dele um mísero olhar que fosse.
A não ser que o caminho ficasse livre, e caminho livre significava o fim de Florência.
Será?

* Continua amanhã.


.








terça-feira, 4 de novembro de 2014

Correria

E não é que a correria de final de ano já começou?
De onde vou tirar tempo para fazer tantas coisas?
Isso me angustia, viu.
Sempre correndo, sempre com algo em mãos.
Olha o paradoxo, logo eu, geminiana, geralmente envolvida com alguma coisa para que não me ataque la depresión, de quem disparo como o diabo da cruz, reclamando.
O ano está terminando.
Outra vez.
Olhamos para trás e vemos o quanto andamos e realizamos, e alguns projetos que ficaram somente no desejo mas não foram adiante.
Essa sensação de falta de tempo sempre me acomete quando volto de Porto Alegre.
A distância entre Itaqui e o Portinho é tão grande - 730 km que essa viagem, por mais que me agrade andar na estrada, cansa, e cansa muito, levo uns dois dias para retomar o prumo.
Nesse ínterim, ponho-me a pensar em todas as coisas que preciso fazer e que estão pendentes, e começa a me dar um nervoso que, de modo geral, funciona do seguinte modo: primeiro, um sono que não cura nem com um balde de café, resultado das poucas horas de sono, pois quando estou com minha filhas, dormir é o que menos quero fazer.
Durmo tarde e acordo muito cedo, como se quisesse espichar o tempo, que sempre é exíguo e nunca o suficiente.
Ademais, estranho a cama e todos aqueles sons, peculiares à cidade grande.
Resultado é quando chego de volta no meu Itaqui que fica quase no fim do mundo e vejo minha cama, atiro-me e dali não quero sair, ainda mais quando olho, na   mesinha de cabeceira, a listinha básica das tarefinhas que me aguardam.
Em segundo lugar, vem a puxada de orelhas do meu outro gêmeo, do cobrador: sai daí, levanta e vai fazer o que é preciso!
Chato!
Saio meio estilo zumbi, com muiiita preguiça e uma vontade louca de soltar tudo e sumir por aí, sem lenço e sem documento, apenas para saborear o dia que se esparrama à vontade.
Para isso, com a graça de Deus, tiro férias, o direito mais sagrado, depois do salário, do trabalhador.
Férias...
Enquanto a pilha se afazeres não diminui, vou sonhando com elas, contando os dias que faltam para que eu possa andar sem qualquer agenda.
Na mala, nada.
Nem mala quero levar.
Apenas, como no poema de Casimiro de Abreu, quero sentir -me assim:
Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
De camisa aberta ao peito, 
 Pés descalços, braços nus -
Correndo pelas campinas,
À roda das cachoeiras
Atrás das asas ligeiras
 Atrás das asas ligeiras,
Das borboletas azuis.
E que a correria seja apenas para ir atrás de borboletas...