quinta-feira, 2 de novembro de 2017

O Movimento Do Rio

Hoje acordei e meu pensamento foi ao encontro de todas as pessoas que não estão mais aqui e lembrei, com certa inquietação, a data marcada no calendário: Dia De Finados.
Tomei meu sagrado mate bem quieta, espiando a manhã de sol, ouvindo o trinar dos pássaros e o som do vento.
Muito vento, aliás; vento norte, daquele que faz redemoinhos de poeira nas esquinas.
Tenho duas alternativas, conclui:  rendo-me à tristeza e à melancolia e sigo aqui, sentadita, ou subverto a ordem das coisas e saio para uma bela caminhada, e não será um vento qualquer que me deterá.
Assim fiz, mas sem deixar de sentir aquela sensação, escondida em um canto da alma e que, volta e meia, vinha cochichar nos meus ouvidos, hoje é Dia de Finados, hoje é Dia de Finados...
Fiz ouvidos de mercador e tomei o rumo de um parque onde costumo caminhar.
Entretanto, entretanto...
Geminiana, sou geminiana...
Fui para a direção oposta, e andei, andei, até chegar na beira do rio.
 Meu Rio Uruguai amado, e tenho a audácia de chamá-lo de "meu" porque sim, temos uma comunhão de toda a vida.
Lá estava ele, lindo, imponente e revolto, agitado pelo vento, a cor marrom escuro (embora tenha dias em que está verde) e suas águas, para lá e para cá, soberanas, indiferentes às horas, aos dias e ao tempo.
Sempre andando, em contínuo movimento.
Parei, absorvendo aquele ar e sentindo o cheiro inconfundível do rio, mistura de terra, água e peixe.
Lindo, lindo!
Olhei para o outro lado da margem, onde fica a cidade de Alvear, República Argentina, berço de minha Mãe, de meus Avós e Tios, lugar de amores.
Nenhuma dessas pessoas está mais lá.
Passaram, como as águas do rio.
Mas deixaram em mim sua marca e seu legado.
Ocorreu, então, dessas magias que muitas vezes nos alcançam, e aquela sensação que eu trouxera comigo num canto escondido da alma e que insistia em cochichar para mim saiu  e foi-se embora, carregada pela correnteza.
Inspirei com força, mais uma vez, aquele ar puro e límpido, e empreendi o caminho de volta para casa.
Junto comigo vinham, de mãos dadas, as lembranças de todos as pessoas que amei, amo e amarei até fim dos meus dias e a força que todos eles, sem exceção, me transmitiram e me transmitem, diariamente.
De um outro plano, de novos lugares, mas a energia é palpável.
Suas presenças, inconfundíveis.
A melhor forma de homenagear a memória daqueles que me são caros, pensei, é vivendo.
Viver com alegria,  intensamente, celebrando todos os dias o milagre da vida, enfrentando com galhardia os ventos nortes que surgirem.
Como o movimento do rio, cujas águas sempre se renovam, a vida exige que sigamos e nos impulsiona na direção dos muitos caminhos que, diariamente, se abrem para nós.
Finda a caminhada, persistia o vento norte, mas tampouco ele me incomodou, ao contrário: lembrei da frase de Fernando Pessoa,  que serviu como uma luva para mim:
" Às vezes ouço passar o vento; e só de ouvir o vento passar, vale a pena ter nascido".