domingo, 31 de agosto de 2014

O Quanto Andei

Muitas vezes, escrevemos abobrinhas e coisas alegres e um tanto quanto sem fundamento apenas para driblar a dor e dar uma gambeta na saudade, preencher o tremendo vazio e pensar apenas nas coisa boas.
Como diz uma frase, enumere apenas as coisas boas.
Tá.
Mas a saudade é assim, chega sem avisar e não faz cerimônia, invade o coração da gente, e aí...o resto, vocês já sabem.
Faz 11 anos que não vejo meu Pai.
Onze anos!
É muito tempo, tanto tempo que não sou capaz de imaginar, logo eu, que não ficava um mísero dia sem vê-lo, agora me tocou estar longe dele.
É muito duro ter que andar sozinha.
Sozinha sem a presença do Pai, é o que eu quero dizer.
Andei tanto, desde o dia 3 de setembro de 2003 que, só de pensar, me canso.
Mesmo que eu tente fugir, um dia a saudade chega...
Estas questões tremendas são muito difíceis de entender, mais ainda, de tentar explicar.
Explicar a razão pela qual choro porque sinto falta da minha casa, da casa paterna, com seus sons, seus cheiros, sua luz.
Com sua história, que também é a minha história.
Não há casa igual à casa paterna, mas só quem teve é que sabe avaliar a dor da perda.
É, eu lutei para ficar com a casa de meus Pais durante cinco anos, anos infernais, e foi tal o desgaste emocional que desisti, pois a casa ficaria e eu iria embora, assim estavam as coisas.
É uma ferida que nunca cicatrizou a talvez jamais feche, saber que fui banida daquele espaço de amores onde nunca mais poderei entrar como eu entrava, sabedora de que ali me esperavam todos os abraços que eu queria receber, e dar.
Nunca mais recebi um abraço como aquele que costumava receber do meu Pai.
E nunca mais ouvi  palavras doces, de alento, de força, não como as que somente ele sabia dizer.
O meu pai era um homem carinhoso, alegre, afável, educado, meu pai sabia das coisas.
Perfumado.
Dançava um tango e uma valsa como ninguém!
Mesmo que eu viva 100 anos,  jamais vou esquecer de sua voz, dos seus olhos esverdeados, da sua risada, daquele amor imenso, dos tantos cuidados que ele me dispensou.
Quantas vezes me embalou?
Quantas vezes me buscou na rodoviária?
Quantas vezes me consolou?
Meu Pai fazia tudo o que estava ao seu alcance para me vez feliz.
Dia 3 de setembro, 11 anos sem ele e sem  aquele abraço apertado que nunca mais terei.
Perdoem-me, amigos, vocês sabem que sou de véspera.
Vou passar a mão naquele mesmo remédio de china velha que ele também  tomava, apenas umas gotinhas para engambelar a tristeza, e nada mais me resta a não ser chorar.
Forte eu sou, mas não tem jeito, hoje eu tenho que chorar.







sábado, 30 de agosto de 2014

Histórias de Lucrécia, a Peidorreira

Lucrécia nascera em Encarnacion, no Paraguai, mas a família mudara-se para Posadas, na Argentina, quando ela era ainda bebê.
O nome era esquisito, mas sua mãe, la senõra Babú, uma paraguaia gordota e baixa encasquetara que, quando tivesse uma filha, chamar-se-ia Lucrecia, e assim foi.
Ela tinha aquela mistura de castelhano com guarani que a tornava especial, diferente, como se  não bastasse o nome: Lucrecia era uma menina gordinha, morena, pele azeitonada, olhos negros repuxados e uma boca grande de muitos sorrisos.
Arteira e agitada, Lucrecia era a alegria da casa, não fosse por uma peculiaridade enjoada: peidava muito.
Isso incomodava sobremaneira a la senõra Babú, que tentava corrigir esse defeito da filha mas não lograva êxito.
Lucrecia, por seu lado, sabia que  não deveria agir assim mas era mais forte que ela e quando se dava conta, pá...soltava um peido nos momentos mais inconvenientes.
 Estavam almoçando, e ouvia-se  aquele som que vinha de baixo da mesa: podia contar que fedia!
Quando tinha uma visita, então, nem se fala!
Lucrecia estava terminantemente proibida de aparecer, deveria ficar bem longe do living, só que os sons eram inconfundíveis, e as visitas entreolhavam-se, num misto de constrangimento e riso, suficiente para terminar qualquer reunião.
Na missa, na hora da comunhão, prrrrrrrrrrrr!
Muitas vezes Lucrecia escondia-se, pois sabia que sua mãe não tolerava aquilo.
Quietinha, postava-se atrás da cortina da sala e ali ficava, peidando à vontade num fedor insuportável, ela e o cachorro, seu cúmplice de fedentina.
Asdrúbal, um pastor alemão que chegara à casa da família quando Lucrécia nascera seguia-a por todos os lados e, quando a menina enroscava-se nas cortinas, sabia: era peido na certa!
Então, Asdrúbal jogava-se aos pés de Lucrécia e apenas levantava os olhos, impressionado com aquele cheiro terrível que exalava e se espalhava pela sala, mas não tinha o que fazer.
Lucrecia cresceu e na escola era ainda pior: estavam no bom da aula, naquele silêncio quando de repente, prrrrrrrrrrrr, ela soltava um peido sem a menor cerimônia.
E ria, ria muito, isso é que era o pior.
A risada de Lucrécia , somada aos peidos que largava, era algo intolerável.
Um acinte!
La senõra Babú, apavorada, decidiu consultar um médico, aliás, foram vários, mas nenhum deles conseguiu resolver aquele problema tremendo.
E ela, volta e meia, repetia, como uma espécie de mantra: Lucrecia, peidando assim, jamais arrumarás namorado!
E aí, ficaria com uma solteirona peidorreira entalada dentro de casa, o que significava, para la senõra Babú,  um completo desastre.
Lucrecia cresceu e transformou-se em uma mulher linda, mas o defeito de fábrica persistia.
Um dia estava na academia quando decidiram fazer um exercício de agachamento: práááááá´!!! E o fedorão tomou conta da academia inteira!
De outra feita, ela bem que tentou impedir, mas foi pior.
Bem pior
Saiu um surdo tão poderoso quanto nauseabundo que correu com todas as pessoas que por ali passavam.
Pobre Lucrecia!
A coisa estava tomando proporções tais que até criaram uma página no Facebook especialmente para ela Histórias de Lucrecia, a Peidorreira! e aquilo se espalhou qual rastilho de pólvora!
Lucrecia, embora soubesse de seu problema, e bem ciente estava dos estragos que fazia, no fundo, no fundo, divertia-se imensamente.
Aquilo era um problema para sua mãe, la señora Babú, mas não para ela.
Ela a d o r a v a quando, ao deitar-de, peidava embaixo das cobertas e depois, ao sacudi-las, saía aquele cheiro fétido, o que a levava a dar enormes gargalhadas.
Ela nem tava.
Azar, pensava. Quem não quiser sentir, que saia.
Muitas vezes, na faculdade, ia até o bar apenas com o intuito de soltar um peido fino e silencioso, e ficar observando as caras e bocas que as pessoas faziam.
Depois, corria para o banheiro para rir, escondida,  do tamanho do estrago.
Que mania, que pessoa!
Talvez o fizesse para chamar a atenção, mas poderia ter inventado algo mais criativo.
Só que aquilo era, a bem da verdade, um misto de safadeza inocente com uma vontade incontrolável de divertir-se às custas dos outros.
Era isso, apenas isso, mas  ninguém entendia!
Assim vivia Lucrecia e assim viveu até seus 24 anos quando, sem aviso ou estardalhaço, um belo dia...
Foi no bar da faculdade, como sempre, onde tudo acontecia.
Ela viu entrar aquele carinha lindo, não muito alto, dono de um sorriso de arrasar quarteirão.
Parou tudo, congelou e ficou olhando para ele, que também a olhava pois, apesar do defeito, Lucrecia era muito bonita.
Resumo da ópera: apaixonaram-se perdidamente, namoraram por um par de anos, casaram-se e foram felizes para sempre.
O que tinham em comum?
Tudo!
Ambos gostavam de praticar esportes, de viajar, de dançar, de sair para jantar com os amigos.
Mas havia uma prática que ambos curtiam, acima de tudo: adoravam ir ao cinema, só para sacanear...
E, lá pelas tantas, saíam às gargalhadas, bem no meio da sessão, deixando o povo atordoado com o mau cheiro.
Os peidorreiros também amam!








Sinceridade Rude III

A Justiça deveria proibir a divulgação desses vídeos referentes às torturas morais sofridas pelo menino Bernardo.
Tinha que proibir!
A quem interessa, agora, nesta altura do campeonato, saber que a pobre criança era filmada pelo pai ordinário e pela louca sem vergonha da madrasta?
Somente à justiça interessam esses vídeos, a fim de agregar ainda mais solidez à prova, que já é robusta o suficiente para fazer com que a trinca maldita nunca mais saia da cadeia.
Eu tenho um defeito grave e, por tal razão, nunca prestei concurso para delegado de polícia - me conheço o suficiente para saber que  rodaria, de cara, no psicotécnico, como já postei aqui: não tenho controle emocional para absorver atrocidades.
Não tenho.
Mas a Zero Hora, um jornal que assino há mais de trinta anos, todo santo dia me tortura com essas publicações horrendas dos diálogos e vídeos desse pobre inocente e daqueles covardes, medindo forças com uma criança de 10, 11 anos.
Eu pego o jornal e vejo, na capa, a chamada para a notícia, e até me faço o firme propósito de não ler, mas algo me faz ir até a página e lá estou, lendo,  aquele sem fim de atrocidades.
Que mais teremos a seguir? Um vídeo do pai violentando o filho? Da madrasta gozando enquanto o pai come o filho?
É o que está faltando, e nem duvido que isso tenha ocorrido, aquilo lá era um filme de horrores.
Pobre criança!
Só que, daqui a pouco, teremos imagens da madrasta lendo, compungidamente, uma Bíblia, dizendo que se arrependeu e que somente Jesus salva!
Tudo por Jesus!
Quem duvida é louco, nesta completa inversão de valores em que vivemos, onde pais ameaçam filhos, filhos matam pais e, ainda assim, perdoar é preciso.
É?
Será?
Bueno, essa tarefa, delego-a a Deus, porque a justiça dos homens não pode perdoar gente dessa laia.
Aliás, a Susane Von Richichiiii saiu da cadeia, devido à progressão do regime, para trabalhar, adivinhe onde? no escritório de um amigo do amigo do seu advogado, aí fico pensando, não sei quem é mais alcaide, se ela ou o cara que deu emprego a uma assassina de pai e mãe.
Erros, todos nós cometemos, quem em sua vida não cagou fora do penico?
Vejam o quanto estou indignada que submeto meus leitores a estas expressões chulas, mas a fúria não me deixa calar.
A nossa justiça é mole.
E, por ela ser assim, mais e mais atrocidades vão sendo cometidas e a coisa vai crescendo, pois os assassinos sabem, de cor e salteado, o código penal e a lei de execuções penais.
E a gente aqui fora, fazendo novena e ajudando a arrecadar jornal velho pra gente desse calibre fazer cestinha.
Criam-se conselhos, fazem runiões, é...os pobres...
Enquanto isso, a vítima está lá, mortinha da silva, sempre quem perde é o morto.
Bueno.
Gritam por tanta coisa.
Gritemos por penas mais duras, gritemos por penas-chumbo!









quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Cobradores

Tem gente que só lembra de Santa Bárbara quando troveja, isto é, liga para a pessoa porque dela precisa.
Necessita de alguns préstimos, ou que a mesma faça algum trabalho que, por preguiça, burrice ou incompetência lhe caberia fazer.
São os cobradores, aquele tipo de gente que presta, mesmo, é para incomodar.
Para tirar o sossego alheio e torrar a paciência, pois cobrador que se preza é isso: um porre, um purgante de óleo, e notem bem, meus queridos amigos, que não estou falando daqueles que são cobradores por força de sua profissão.
Refiro-me, aqui, aos cidadãos que vieram ao mundo com a missão de chatear o outro.
De arrogarem-se o direito de julgar, de apontar o dedo, de subir num pedestal e lá ficar, encarapitados como se fossem  semi deuses.
Os cobradores são assim, ó: jamais ligarão para você para perguntar como está sua saúde, como vai a sua vida, se você está bem, mais ou menos ou quase indo para o andar de cima.
Esses detalhes pouco interessam aos cobradores de plantão, uma vez que eles não sentem nada de positivo em relação a você; apenas pensam que você é como um peão que deve correr para eles, que deve atender ao chamado ao menor sinal, talvez o chamem com um assovio, um psiu, mas você, na visão dos cobradores, precisa estar a postos.
Afinal, você é um perfeito idiota que pode ser pisado a qualquer tempo, dia e hora, pois é um ser infinitamente inferior aos cobradores, que cerram de cima e tudo podem.
Dos cobradores, não se iluda,  nunca você ouvirá uma palavra terna, afável, um elogio.
Um carinho, uma vez a cada morte de bispo.
Não.
Os cobradores estão no mundo, ou melhor, no seu mundo, apenas para fazê-lo recordar que você é a rapa do tacho, o tufo, aquele passarinho que nasceu com uma perninha quebrada, a ovelha negra, o patinho feio.
Aliás, eles fazem questão de deixar bem claro que você veio a este mundo para servi-los.
São aquelas pessoas que batem à porta de sua casa e se abancam no seu sofá mas,  na rua, fingem que não o enxergam, sequer o cumprimentam.
Os cobradores, além de vis, são caras de pau: falam mal de você pelas costas e depois, adivinhe: quem veio para o jantar?
Os cobradores também são aquele tipo de gente que fica um par de anos sem saber nada sobre você e, de repente, aparecem no seu trabalho para pedir penico e ainda pensam que mandam.
Convivi durante um largo tempo com cobradores, até o dia em que amanheci com a guampa virada e dei um basta, fechei a cara, a porta, a janela, sumi do mapa, peguei minha viola e fui cantar em outro lugar.
Um lugar onde, diga-se de passagem,  nem em mil anos serei encontrada.
Mas não sem antes ter deixado aos cobradores, à guiza de lembrança, meu mais profundo desprezo.




A Vendedora de Morangos

Cinara nascera e se criara em uma pequena propriedade rural, no interior de Itaqui.
Na terra fértil de quatro hectares onde tudo dava,  a família tirava seu sustento plantando alfaces, tomates, salsa e cebolinha, manjericão, pimentões, rúcula, couve e abobrinhas.
E havia, também,  os morangos.
Um canteiro inteirinho, uma larga faixa de terra destinada exclusivamente aos morangos.
Cinara era fascinada pelas frutinhas vermelhas e cuidava pessoalmente daquele espaço que parecia um tanto quanto mágico,  brotava a um simples olhar de sua cuidadora.
Cinara era bela, tinha olhos negros, cabelos encaracolados e uma pele clara e lisinha que nem o sol causticante dos verões itaquienses conseguira manchar.
Do alto de seus vinte anos, dos quais dez já vinham sendo dedicados ao plantio de verduras e frutas, Cinara frequentara a escola de forma precária. Conseguira concluir o segundo grau a duras penas,  mas sonhava, e sonhava grande.
Um dia estudaria muito, para entender melhor o manejo e a fórmula para que seus morangos frutificassem ainda melhor.
Uma vez na semana, ela vinha até a cidade numa pequena caminhonete carregada de produtos, para vendê-los na feira da praça central de Itaqui, onde se reunia com outros feirantes para tomar chimarrão e conversar sobre sementes, adubos, o tempo, a chuva, o frio, a geada.
Cinara cuidava tanto de seus morangos e apresentava-os tão bem, que formavam-se filas para comprá-los.
Na véspera, tinham sido cuidadosamente lavados por ela, acondicionados em caixinhas, e exalavam um perfume delicioso, de dar água na boca.
Assim corriam os dias para Cinara, a Vendedora de Morangos, como era carinhosamente chamada pelos fregueses.
O que ninguém sabia e nem sequer desconfiava era que Cinara, durante a noite, alegando cansaço e sono, ia cedo para seu quarto e lá se punha a estudar, devorando todos os livros que uma amiga professora  lhe emprestava.
Fazia os exercícios, repetia-os e lia, mais de uma vez, os conteúdos, até cair exausta pois o dia recomeçaria dali a pouco.
Com a ajuda de sua amiga professora, fez a inscrição para o Vestibular de Farmácia. A amiga, que tinha parentes em Santa Maria, encarregou-se de levá-la e custeou uma parte das despesas.
Cinara passou.
Voltou para casa radiante, para dar a notícia aos pais e comunicar que, em março, iria embora para Santa Maria para estudar e realizar seu sonho.
Correu e se virou mais que bolacha em boca de velho, economizando cada centavo das vendas que fazia, até o dia da partida.
Ficou longe de sua terra por cinco anos.
E, durante todo esse tempo, seu canteiro de morangos, inacreditavelmente secou,  não produziu um mísero fruto.
As pessoas sentiam falta da vendedora de morangos; não havia frutos como os que eram vendidos por Cinara.
Concluído o curso, ela voltou.
A primeira coisa que fez foi preparar a terra, limpando-a, retirando as ervas daninhas.
Semeou pacientemente, muda por muda.
E colheu.
Colheu tanto que não dava vencimento, tal a quantidade de frutos.
No tempo da faculdade, Cinara fizera cursos, e aprendera a preparar geleias, doces, cremes, sabonetes, ela sabia todos os processos.
Então, a Vendedora de Morangos virou microempresária de sucesso, montou uma empresa altamente rentável e comercializou um sem fim de produtos.
Ampliou a casa, comprou mais hectares e triplicou a produção.
Durante as noites estreladas de verão, sentada em uma cadeira de balanço, Cinara sentia o perfume dos morangos que se espalhava por toda a propriedade, e não deixava de pensar que nada se consegue sem muito trabalho, esforço e uma boa dose de sacrifício mas, sobretudo, pela perseverança na busca dos sonhos.
Ela perseverara.
E vencera!





quarta-feira, 27 de agosto de 2014

A Força do Abraço

Era um daqueles dias perfeitos: céu azul sem nuvens, sol brilhado sobre todas as coisas, iluminando e aquecendo o coração das pessoas, temperatura na casa dos 20 graus.
Estava tão lindo, aquele dia, que Juliana sentia vontade de sair cantando e dançando rua afora, apenas para celebrar a alegria de estar viva e de ter a ventura de poder desfrutar a pleno daquela dádiva da natureza.
Um dia espetacular!
Não soube dizer, tempos depois, se foi o clima do dia.
Pode ser...
O que vinha procurando há tanto tempo,  justo naquela tarde ensolarada, Juliana encontrou.
Ela era uma menina solitária e introvertida,  e o único amigo que lhe fazia rir e sair de dentro de si mesma, onde se escondera como forma de proteger-se das desilusões era seu colega de faculdade que, por essas obras do acaso, chamava-se Juliano.
Juliano e Juliana.
Eles formavam uma dupla e tanto: ela, com seus longos cabelos castanho claros, alta, magra, de feições delicadas, nariz reto e pequeno e boca carnuda; ele, igualmente alto, cabelo preto e olhos idem, sorriso aberto, escancarado, vozeirão.
Ela era tímida e ele, extrovertido.
Estudavam juntos, no mínimo, três vezes por semana e, nos finais de semana, separavam-se e cada um ia para seu canto, ele com seu grupo de amigos e Juliana, quieta,  vendo a caravana passar.
Quando chegava a segunda feira, tinham tantas novidades para contar um ao outro e era tal a felicidade que sentiam quando se viam que abraçavam-se longamente.
Eram amigos, eram irmãos, partilhavam sonhos, segredos, podres, fofocas, mas, acima de tudo, a leveza.
Sim.
Quando estavam juntos nem sentiam o tempo, que passava depressa.
Quando se davam conta, terminara o dia e então iam embora, caminhando de costas, ou olhando para trás, acenando-se até desaparecerem.
Foram dois anos naquele ritmo de uma amizade intensa, daquela simpatia mútua que sentiam e nem sabiam de onde vinha e muito menos qual seria a explicação para aquele sentimento, e para quê?
Estar lado a lado bastava.
Pois naquele dia de sol, Juliana decidiu sair de casa para dar uma volta e apenas andar.
Caminhar sem pressa e direção.
Ela precisava sair e andar por aí, apenas isso.
Observava as flores, ouvia os pássaros, olhava as pessoas, e tudo lhe parecia mágico.
E pensava em Juliano, e em como seria maravilhoso se seu amigo/irmão aparecesse naquela hora para compartilharem juntos aquela caminhada.
Juliano, por seu turno, estava em casa estudando quando, de repente, sentiu uma vontade louca de sair e andar por aí,  de caminhar sem pressa e direção.
E pensava em Juliana, e em como seria maravilhoso se sua amiga/irmã aparecesse naquela hora para compartilharem juntos aquela caminhada.
Encontraram-se, dois quarteirões depois e caíram, ambos, nos braços um do outro.
Nada a dizer, nada a declarar.
Apenas a força daquele abraço interminável foi suficiente para selar, em definitivo, o amor dos dois!
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Bibo Guri, O Gato Rebelde

Minha Avó materna Adelaida adorava gatos, e tinha-os em grande profusão. Ao todo, estirados sobre o piso de ladrilhos vermelhos da área de sua casa, enroscavam-se em torno de oito bichanos de diferentes pelos e feitios.
Pensando nas histórias que me foram contadas por ela e, em homenagem a sua memória, escrevi um  livro infantil que até o final do ano, se Deus quiser, estará publicado.
Bibo Guri, O Gato Rebelde conta a história de um gato especial e encantado que veio do mundo das fadas direto para a casa de Adolfo e Maria Luisa,  trazido por seu Ramão, o guarda da rua, a fim de colorir e movimentar ainda mais a vida da pequena Albita, filha única do casal.
A seguir, um pequeno trecho:
" Ele era bem pequenininho quando o vigilante da rua aparecera, numa fria tarde de sábado do mês de junho, dizendo que sua gata havia dado cria e que aquele gatinho não tinha onde ficar.
Sobrara.
Se ficasse solto, morreria.
Quando a menina Albita viu aquele animalzinho pequeno e indefeso olhando-a com seus olhos de um tom azul escuro apaixonou-se e, de imediato, rendeu-se aos encantos do bichano.
Maria Luisa bem que tentara fingir que não gostara do gatinho, mas derretia-se toda quando ele a olhava e, logo a seguir, saltava em seu colo, os olhos semi cerrados, fazendo ronc, ronc, ronc...
Os meses se passaram, e Bibo foi crescendo, ficando, a cada dia, mais esperto, sapeca e lindo.
O pelo crescera tanto que tapava-lhe os olhos.
O peito era de uma penugem branquinha e, no restante do corpo, misturavam-se as cores, que iam do marrom claro ao bege, com alguns fios cinzentos.
Além disso, era gordo, comendo vorazmente tudo que encontrava pela frente.
Hum, que cheirinho delicioso! É Adolfo, abrindo a geladeira, Vem trazer-me algum petisco, com certeza. Preciso estar bem alimentado, ora essa! Senão, como terei forças para namorar  Manú, a gata siamês de Dona Cotinha?
Seu prato favorito também eram pequenas lagartixas e rãs que apareciam no pátio da casa em dias de chuva, as quais ele ficava caçando, perseguindo os pobres bichinhos até conseguir pegá-los
.Bibo sabia que era bonito e adorava estar na calçada, sobre o muro, olhando a movimentação da rua, não perdia ponto de nada, virando a cabeça de um lado para outro, como se fosse gente.
Como sou feliz! Moro nesta casa cercado de carinho, todos me adoram. Também, não há como não gostar de mim, eu sei que sou especial!
Os dias passam tão depressa que logo chegará dezembro e, com ele, virá o lançamento do livro infantil e a segunda edição de A Árvore Das Plumas Vermelhas.
Guardem a curiosidade, e até lá!

terça-feira, 26 de agosto de 2014

O Tempo Interior

Como é bom poder estar em casa, estirada no sofá com meu doce amargo, observando pela janela o dia indo embora.
Depois de muitas andanças, finalmente uma trégua para sorver mi matecito como a mi más me gusta, ou seja, solita no más, escutando apenas o canto dos pássaros e o farfalhar do vento nas folhas das árvores, eu sou mesmo uma romântica incorrigível e, mais ainda, uma otimista de carteirinha, pois acredito firmemente na força do pensamento, dos fluídos positivos, nas energias poderosas.
Embora nosso entendimento não capte, de imediato, a extensão certos fatos, nada é por acaso.
Frase feita para um retorno depois de ter submetido meu fã clube de meia dúzia de gatos pingados a um jejum de seis dias sem postar absolutamente nada.
Foram tantos fatos e acontecimentos desde o dia 18 que simplesmente congelei, pois precisamos, antes de mais nada, assimilar as coisas, e isso demanda tempo.
O tempo interior de cada um é uma medida que não possui fórmula nem obedece receita, apenas o coração manda e determina, reinando absoluto.
Minha tia Édina, irmã de meu Pai, foi embora justamente no dia 18 de agosto, quando fazia pouco que eu havia publicado uma postagem alegre sobre uma das tantas artes que costumo fazer quando estou no Portinho, passagens hilárias que me acontecem.
Por questões que fugiram de nossa alçada,  ela e eu não nos encontrávamos há mais de seis anos.
Terminou  o agradável convívio que mantínhamos antes,  mas isso não me impediu de pensar nela, de recordá-la com imenso carinho, de sentar-me onde costumo ficar quando estou pensando nas voltas que esta vida dá.
Melhor é não pensar muito... como se fosse possível desligar o botão da mente e mandar o coração soterrar todos os sentimentos.
Não é assim que funciona, não comigo.
Nós tivemos uma história juntas, ela e eu.
Ela foi uma tia presente, carinhosa, afável, extremamente sincera e franca, não mandava recados, dizia na lata o que precisava ser dito e não tinha papas na língua.
Uma mulher de uma fibra impressionante, que sei que me amou muito e a quem também amei.
Não se pode misturar as estações e achar que um determinado ato ou fato terá o condão de apagar a história de uma vida inteira.
Concluo,  portanto,  que, apesar dos pesares, o amor é a força mais poderosa.
Ele, e somente ele,  tudo supera e a tudo perdoa.
Não há sentimento maior  e mais sublime!



segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Vestido de Festa

Estava certa feita no Portinho, procurando um vestido para uma festa de gala.
Como toda a torcida do Flamengo sabe, jamais fui magra e creio que nunca o serei, mas daí a...bem, não sei.
Voltemos à história.
Entrei numa loja mimimi, e logo veio a vendedora para me atender, perguntando o que eu buscava.
Começou mal, pois me lançou um olhar dos pés à cabeça, algo como aqui não vais achar nada do teu tamanho, meu bem, é, ela me olhava com um misto de ironia e pena, tudo muiiiito sutil, mas como sou uma expert em ler nas entrelinhas, aquele olhar calou fundo, e já comecei a sentir o popular calor.
E o calorão foi aumentando e até me deu uma espécie de tontura, saí um pouco de mim, dei uma volta no éter, respirei fundo e continuei, procuro um vestido para uma festa de gala, à noite, etc...
De que cor?
Olha, sei as cores que não quero: vinho, preto, azul marinho...
Fora essas, pode ser qualquer cor...menos verde.
É, reconheço que também não sou fácil.
E não é que a cidadã me mostra justamente um vestido vinho?
De renda.
Com uma saia esvoaçante, estilo mil e uma noites.
Horrendo!
Eu, dentro daquele vestido, ficaria igual a Queen Latifah, só que branca.
Ai...
Um completo desastre.
Que calorrrrr...
Olhei, olhei, e vi que daquele mato, ou melhor, daquele loja não ia sair vestido algum e me fui.
Altamente aborrecida, é óbvio, andei uma boa meia hora ruminando e resmungado entre dentes, não sem pensar, olha o mico, oooolhaaa o mico, muita calma, respira, devagar...
Para em algum lugar, criatura!
Em cada loja que eu passava nem me atrevia a olhar meu reflexo na vitrine, acho que teria apedrejado a mim mesma, suando adoidado e com um ar tresloucado.
Sentei num café, e pedi o cardápio.
Olhei aquelas delícias todas, suspirei fundo e conclui que, na verdade, pensando bem, eu nem estava tão mal assim, aquele vendedora é que era uma completa imbecil e, enquanto pensava, me observava dos pés à cabeça, analisando tudo,  e ali decidi me dar uma chance, um afago, um abraço fraterno.
Eu merecia, depois de todo aquele massacre.
Olhei para o garçom com meu melhor sorriso e tasquei:
Um petit gateau de chocolate com recheio de nozes e uma bola de sorvete de creme; depois, um expresso com uma mineral com gás.


Do Outro Lado da Calçada

Há um tempo me aconteceu o seguinte: estava saindo de um restaurante quando vi, do outro lado da calçada, uma pessoa que fez parte de minha vida durante muitos anos.
E me pus a pensar em como a gente se separa e os afetos terminam, e não é a vida, é a gente mesmo, somos nós e nossas circunstâncias que fazemos a roda girar, seja para o lado do bem e da união, seja para o lado da destruição e do afastamento.
Uma pena, uma lástima que aquela pessoa que estava na calçada oposta a que eu vinha passou assim, sem nem notar que eu estava lá, olhando para ela, apenas seguiu seu curso e eu fiquei  parada, pensando, com vontade de atravessar, de falar, de sacudir, de ...
Que importância tem isso?
Para mim, toda, pois me mostra que, apesar de tudo - do desafeto, do desamor, da inveja, da maldade gratuita, não consigo guardar rancor, embora veja que isso é até um defeito, bom mesmo seria se eu ficasse amarga e com um ódio tipo fogo simbólico da Semana da Pátria ou do Candeeiro Crioulo - venta, chove, sai sol, esfria, vem a neblina, e aquela chama não se apaga.
Lamentavelmente, não aprendi essa lição, a lição do ranço, da semente da raiva que germina, floresce, e frutifica de modo ininterrupto, algo do tipo de pai para filho.
Aquele fato me fez refletir e pensar nos erros que cometi, nas dores que também causei, nas palavras duras que usei, pois quando um não quer, dois não brigam, diz o ditado.
A diferença entre nós é que, como referi, tenho o péssimo hábito de não guardar rancor nem mágoa, embora não esqueça, pois também não sou madre Teresa ou coisa que o valha.
E porque o perdão é um sentimento libertador
No dia em que perdoamos, o fardo que carregamos sai de nossos ombros e a leveza nos invade por completo, alma, coração, mente, corpo.
Voltamos a respirar normalmente outra vez..
Constatei, não sem uma ponta de tristeza que, após tanto tempo, viramos meros desconhecidos numa tarde qualquer, que sequer um olhar merecem um do outro.
E foi então que me veio à cabeça uma frase de Chico Xavier, amado Chico:
Fico triste quando alguém me ofende, mas, com certeza, eu ficaria mais triste se fosse eu o ofensor...Magoar alguém é terrível!








O Sistema

O sistema manda em tudo e a gente obedece, igual ovelhinha de presépio.
Tudo, absolutamente, tudo, nos dias atuais, passa pelo sistema.
Fui ao banco efetuar um pagamento que somente podia ser feito no caixa.
Depois de ter permanecido meia hora olhando para aqueles números que se sucedem lentamente e fazem blim blom, chegada minha vez, não tinha sistema.
E aí, como faz?
Não faz.
Volta amanhã.
E como fica o pagamento?
Não fica.
E como ficam os juros?
Ahhh, bom esses sim, esses ficam.
sistema é louco de vivo, emperra quando lhe convém.
Outra coisa que não consigo entender é que, antigamente, coisa de 10 anos atrás, em muitos locais não havia sistema.
E tudo andava muito bem. As pessoas atendiam a gente de forma cordial, anotava-se manualmente o que era necessário, não faltavam funcionários e, se faltava, a gente nem percebia.
Hoje tem sistema até para dar um pum, desculpem a grosseira sinceridade, e todos reclamam: não há pessoal suficiente para atender tamanha demanda mas, em compensação, sobram máquinas por todos os lados com gente teclando alucinadamente, papel pra cá, papel pra lá, e solução que é bom, te devo e truco.
O sistema também recebe denúncias anônimas, a meu ver, a maior sacanagem que alguém pode fazer com outrem, salvo algumas exceções.
Se não tem coragem de falar pessoalmente, pega um telefone e liga que o sistema registra.
E, aí, investigar é preciso, afinal, caiu no sistema.
Outra do sistema: tem uma verdadeira rede para proteger menores: psicólogos, enfermeiros, médicos, assistentes sociais, monitores, cuidadores, voluntários mas, ainda assim não é suficiente, ainda assim sempre continua faltando alguma coisa.
Tem um exército de gente para levar pessoas doentes, para esperar, para trazer de volta, para atender, para transportar, mas também é pouco.
Outros tantos arrecadam centenas de itens que vão desde gêneros alimentícios à material de construção, mobiliário e roupas, pena que não é o bastante...
Tenho me perguntado:
Onde é que iremos parar com tudo isso?
Tem alguma coisa errada nesse circuito de dar, dar, dar,  e não consigo enxergar o que é.
Como a mim, dependendo da situação não me dão nem as horas, vou é sair por aí e dar uma volta nesta tarde belíssima de sol e aproveitar minha segunda feira, que o resto é figuração.
Ou melhor, é culpa do sistema.

Uma excelente semana a todos!




sábado, 16 de agosto de 2014

Los Antônios de Mi Vida

Meu avô materno chamava-se Antônio Eládio e não o conheci, pois foi embora três dias antes de eu nascer.
Dele havia apenas uma foto, mas contava minha Mãe, e também meu Pai, fã declarado do sogro, que ele era uma pessoa íntegra e de caráter firme, com um olhar doce e de fala gentil.
Era farmacêutico e apaixonado por livros, o primeiro Antônio que não conheci mas que muita influência teve em minha vida pois minha Mãe fazia questão de nomeá-lo sempre que podia, contando-me suas histórias.
A Farmácia Alvear era a única que existia na cidade do mesmo nome, de onde minha Mãe era, e vendia de tudo um pouco, seguindo o costume da época.
Lembro-me até do cheiro daquele lugar que conheci desde muito pequena e não gostava dele, menos ainda do funcionário, que atendia pelo apelido de "Papacito".
Não sei a saúde de que impliquei com a criatura desde o primeiro instante em que a vi, vai saber a explicação - não tem, para antipatia gratuita.
A farmácia tinha prateleiras de madeira escura que iam do chão ao teto, e o piso igualmente era feito do mesmo material. Mal entravamos ali, e vinha aquele cheiro enjoativo de remédio misturado com mercúrio cromo e água oxigenada, mas minha Mãe parecia não se importar com aquilo, encostava-se no balcão e começa uma conversa interminável com Papacito o qual, por seu turno, colocava-a a par de todas as fofocas locais.
Meu Avô não estava mais ali mas sua farmácia continuou por mais de 20 anos, até o dia em que fechou as portas, para grande tristeza de minha Mãe, que dizia " nena, hoy es un dia triste para mi, cerró la farmácia de mi papá. Pero, hay que seguir viviendo...
Meu segundo Antônio é meu irmão, cujo apelido é Caito, meu grande companheiro de tantos carnavais e de empreitadas difíceis, calmo, tranquilo e sereno, exímio nadador e alucinado por livros,  e os tem em tal profusão que chega a andar com uma meia dúzia no porta malas do carro. Foi pelas mãos dele que entrei no Rio Uruguai pela primeira vez, com ele andei de aero silha em Piriápolis. Gentil e carinhoso é o meu Antônio Carlos, não importa que moremos longe um do outro, sei que, em pensamento, estamos sempre em comunicação.
O terceiro Antônio da minha vida é Santo Antônio, de quem meu Pai era devoto e a quem também venero, meu amigo Santo Antônio ou, como costumo chamá-lo, meu Santo Antoninho jamais me deixou na mão. Tenho tantas histórias com Santo Antônio, cujo dia comemora-se em 13 de junho, que algumas são difíceis de acreditar, como a que relato abaixo:
Certo dia saí  para ir a uma loja no centro da cidade. Ia com um par de brincos lindo, presente do maridão.
Desci do carro, fui na loja, comprei o que precisava, voltei e, quando cheguei em casa, notei que um lado do brinco tinha caído.
Procurei, olhei no carro, na calçada de casa, na bolsa, na roupa, e nada.
Fiquei muito triste e decidi voltar à loja, vasculhamos tudo, um funcionário e eu, mas do brinco, nem rastro.
No trajeto que fiz de casa até a loja vim rezando, pedindo a Santo Antônio que me ajudasse a encontrar o brinco, e assim continuei,  tinha certeza que em algum lugar, ele estaria.
Por favor, me ajuda a achar meu brinco, Santo Antoninho querido!
Saí da loja e olhei para a rua, e lá estava o brinco, faiscando ao sol, ao lado da roda do carro.
Estava ali, esperando por mim, parecia.
Alguém poderia ter visto, e levado.
A roda de algum carro poderia tê-lo esmagado.
Recoloquei meu brinco feliz da vida e fui direto sem escalas a Igreja para, claro, rezar mais três Ave Maria para meu amado Santo Antônio.
Afinal, pela graça alcançada, demos graças!




Costurando Afeto

A minha Mãe Maravilha adorava uma costureira, e não se contentava somente com uma, tinha várias.
Uma para costuras mais simples, como fazer a barra ou passar uma toalha de mesa ou de banho na máquina.
Outra, para seus bordados, e como lembro da Dona Dair, que morava a meia quadra de nossa casa e bordava divinamente! A Dona Dair ficava conversando com minha Mãe,  e eu saía pára brincar com a Regina, sua filha, com quem tenho amizade até hoje.
Dona Teresa fazia meus vestidos de criança, mas também fazia uns bolinhos de arroz divinos, com os quais sempre me convidava. Morava numa casa que tinha um portão de ferro que, ao abrir, transformava-se num balanço, não sei como, mas era algo que me fascinava, aquele portão da casa da Dona Teresa.
Tinha a Mamita, que costurou durante muitos anos tanto para minha Mãe quanto para mim e, com ela, a Mãe tinha uma relação de amor e ódio, porque a Mamita marcava um horário para experimentar a roupa e, quando chegávamos lá, ela saía à porta e falava, sorridente, com uma calma tremenda: desculpe, dona Kila, a senhora vai ter que vir mais tarde, ainda não aprontei, tô com muitas costuras.
Minha Mãe concordava e voltávamos para casa, de mãos dadas, eu deveria ter meus 10, 11 anos, e ela resmungava baixinho, bem baixinho: esa mujer me revienta!
Mas ninguém costurava como a Mamita, que sabia fazer qualquer coisa com um pedaço de tecido, agulha e linha! Então, minha Mãe resmungava mas tinha adoração pela Mamita.
Anos mais tarde, Mamita diminuiu o ritmo e surgiu em nossas vidas a Tuia, que também morava perto de casa.
A Tuia, pessoa maravilhosa, alegre, sempre sorrindo, não tinha tempo ruim com a Tuia, fabricou tantos vestidos para minha Mãe e para mim que até perdi a conta e, muito anos depois, também costurou para minhas filhas, uniformes para a Banda da escola, fantasias para apresentações do balé, fantasias para o bloco de Carnaval, e por aí vai.
E como não lembrar da Dona Valmira? Dona Valmira, com sua casa enfeitada e cheia de flores.
A dona Valmira fez meu enxoval, vários, muitos modelitos para usar na lua de mel, e depois dela.
Vestidos lindos, perfeitos.
Também fez muitas roupas para minhas filhas, muitas.
Cheguei em minha amiga Valdeci, a Vade, que amo muito, embora nos vejamos só de vez em quando, mas a Valdeci também é uma artista quando de se trata de agulha, linha e combinações, ela sabe tudo, tudinhoooo.
É sempre uma felicidade ir até sua casa, de uma astral tão bom, cheia de plantas, colorida, alegre,  ela abre a porta com aquele sorrisão no rosto e a cuia na mão.
Com tantas facilidades para comprar roupas prontas,  acabamos deixando um pouco de lado nossas amigas costureiras, que sempre nos socorrem quando aquele vestido que parecia tão lindo não ficou tão bem assim.
O tempo passa,  mas as relações costuradas com carinho e afeto continuam.
Prova disso é que hoje, após o almoço, reencontrei minha amiga Tuia e nos abraçamos longamente, repetidas vezes.
Lá pelas tantas, ela me falou: Liasinha, a tia Tuia continua gostando de ti, meu amor!
Como não ficar feliz com uma declaração dessas? Ganhei o sábado!
Acho que está mais do que na hora de mandar fazer um vestido novo...








Marina Morena

Esta postagem é dedicada a minha filha Marina, uma guerreira de primeira linha.
Quem sai aos seus não degenera, e orgulho-me em dizer que a Marina tem muito daquela mistura de sangue italiano com espanhol, muito embora seu pai seja de origem alemã.
Perdonáme, Ruy Armando, mas nossa filha Marina é 100% Fernández  Mondadori.
Meu casamento tinha terminado há três meses, e me vi grávida e sozinha.
Teve até uma cretina melancólica, uma amiga muy amiga que se prestou para ligar pra minha casa, sugerindo que eu não tivesse aquele bebê.
Não vou reproduzir aqui tudo o que ela escutou - é impublicável.
Quando desço do salto, abrem-se as latrinas.
Bem assim.
Eu mantinha com meu bebê longos diálogos e sempre dizia a ela que iríamos vencer e que ela seria uma guriazinha linda, inteligente, danada de esperta.
E cantava para ela a música da moda: Marina, morena, Marina, você se pintou...Marina você já é bonita com o que Deus lhe deu...
Quando a Marina nasceu, fui para o Hospital de táxi, as 3 da manhã de uma quinta feira, e rapidinho surgiu minha guria, forte, berrando muito, o rosto vermelho de tanto gritar.
A Marina sempre foi assim, determinada.
Na dela, mas quando abria a boca, era para fazer uma observação poderosa.
Ela sempre, sempre foi assim.
Hoje faz 1 ano que minha filha Marina colou grau em Engenharia Química pela PUC-RS, e como lembro dela, com suas fórmulas de metro e meio, estudando, estudando, estudando.
Cinco anos de muita ralação.
Andava com uma calça jeans e uma blusa, o cabelão ondulado e castanho claro, quase loiro, preso a um rabo de cavalo, as unhas curtas e sem nenhuma pintura.
Não tinha tempo para nada, a não ser para estudar.
Fazia inglês à noite, uma vez por semana.
Estagiou na Sema, na Fepam,  na Epcos; tirou 9,8 no Trabalho de Conclusão de Curso.
E, apenas um dia antes de colar grau, foi contratada pela empresa John Deere, onde trabalha há um ano.
Um tempo antes da formatura, eu estava pensando de que  forma poderia dizer a ela alguma coisa que expressasse o meu amor, que resumisse seu jeito, algo que ela gostasse.
Não sei se ela gostou, mas o que saiu foi este pequeno poema, que compartilho com vocês:

Para Marina

Num dia lindo,
de sol brilhante e céu azul profundo,
em nossa casa, o lugar mais bonito deste mundo,
estava eu pensando pensando
na melhor forma de te homenagear,
e resolvi dizer-te
através da poesia, 
que és, Marina
feita de amor e de alegria,
murmúrio do mar,
doce brisa que perfuma nossos dias.

Em setembro nasceste,
colorindo ainda mais a primavera
e antes que chegasses já soubera eu,
que grande guerreira e especial serias.

A determinação,
tua marca registrada
e a perseverança,
aliadas à vontade de vencer,
desde sempre deixaram antever
os caminhos que trilhar escolherias.

E por certo que a Química 
da tua Engenharia
tem muito de magia,
aliada esta às fórmulas que servirão
para tornar melhor e mais felizes nossas vidas.

Sem delongas, então,
para encerrar estas palavras
que com amor de mãe escreveu meu coração,
desejo-te a melhor das sortes.
Faz da honestidade o norte
que apontará os caminhos em tua profissão.
Honra o nome e o sobrenome
que teus avós e teus pais te deram,
e o Diploma sagrado que hoje recebeste,
doce fruto de tua árdua semeadura.

Estuda, continua a aprender. 
Afinal, o saber não ocupa lugar.
Luta sempre por teus sonhos 
e não transijas, se razão te cabe
pois bem sabes
que o sabor da vitória é inigualável!










sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Água Na Boca

Quando eu morava no Portinho e  me achava a última bolachinha recheada do pacote, acreditava que abafava e que entendia tuuuudo em matéria de sedução,  frequentava uma boate chamada Água na Boca.
Mas credo!
Simplesmente, um espetáculo.
Ficava na Praça do Portão, nº 55.
Um casarão antigo pintado de branco, a porta preta e, lá dentro, bom, lá dentro era o máximo.
Tudo era lindo, tudo era chique, fino, de bom gosto.
A decoração consistia em grandes poltronas brancas, com mesinhas no centro, pequenos sofás - tudo em couro branco, iluminação indireta, não era uma escuridão mas também não ficava claro demais.
Perfeito.
Agora, o globo espelhado no centro da pista de dança, esse era o canal da emoção.
E funcionava assim:
Lá pelas 23h30min.,  mais ou menos, começava a tocar aquela música maravilhosa da Rita Lee,  Mania de Você e, de imediato, o globo começava a girar com seus milhares de espelhos.
Que coisa linda!
Lindo, mesmo, era o clima!
Ir dançar na Água na Boca era aquele tipo de programa que tinha tudo pra dar certo, e sempre dava.
A produção começava cedo, no sábado à tarde.
Tinha que pensar no modelito, no cabelo e na maquiagem e, obviamente, una vuelta en la peluqueria não poderia faltar no roteiro, horinha marcada com dias de antecedência no Gentil Cabeleireiros, ali na Independência, e aquilo bombava, a festa começava por ali.
Mais tarde, minhas amigas me buscavam e a gente ia de carro, com o som a mil, ninguém se preocupava com assaltos ou se beber, não dirija.
Que tempos!
Chegávamos,  e a magia começava já na calçada, onde uma iluminação feérica nos recepcionava, além, claro, de dois porteiros educadíssimos.
Lá dentro, a música símbolo do lugar começava a tocar e todo mundo cantava e dançava, enquanto olhava em volta à procura do par perfeito para uma noite memorável.
E a gente sempre achava.
Ficávamos nos olhando de longe e, devagar, de mansinho, íamos nos aproximando, uma turma, outra turma, até que a gente saía para a pista de dança pra dançar de rosto colado.
Coladésimo!
Meu bem você me dá,
água na boca.
Vestindo fantasias,
tirando a roupa...
A gente faz amor
Por telepatia
...mania de você, de tanto a gente se beijar...
Éramos altamente românticos, é, o romantismo era a tônica do lugar, não havia espaço pra baixaria e vulgaridade, nunquinhas.
Homens lindos, arrumados, cheirosos.
Havia, acima de tudo, um código não escrito mas que se impunha: educação e finesse eram as palavras de ordem.
Fui muitas, muitas vezes naquela boate maravilhosa, frequentada por artistas, intelectuais, jogadores de futebol, jornalistas,  pessoas que buscavam diversão em um lugar de qualidade.
Era, sem sombra da dúvidas, a melhor boate de Porto Alegre!
Só de lembrar, deu água na boca!





O Resgate

Minha tia Maria Luisa, excelente contadora de histórias, certo dia me apareceu com esta, que agora compartilho com vocês:
Morava em uma pequena propriedade rural do interior de Alvear chamada Los Três Cerros um casal.
Don Jaime e Mirabel haviam nascido um para o outro.
Ela, mulher de grande beleza e formosura, ele, um perfeito cavalheiro, morara em Buenos Aires por diversos anos e voltara a Alvear para cuidar do patrimônio da família, poderosa e rica.
Viviam felizes e tiveram uma única filha, Mercedes, linda como a mãe e educada como o pai.
Mercedes cresceu e conheceu Antônio, com quem, após um rápido namoro casou-se, para desgosto de Don Jaime e de Mirabel, pois ambos sabiam que Antônio não passava de um vigarista e um atorrante, interessado apenas na boa vida que o dinheiro dos sogros poderia lhe proporcionar.
O tempo se encarregou de mostrar a Mercedes quanto estava enganada em relação ao marido, com quem passou poucas e boas até que seus pais morreram e sua má fase apenas piorou.
O dinheiro terminou e Mercedes foi obrigada a trabalhar em dobro, enquanto o marido bon vivant ficava em casa, estirado junto ao alpendre, vendo o tempo passar.
Também, num dia de desespero, Mercedes foi até a cidade e empenhou as jóias que herdara de Mirabel,  e dali extraiu uma vultosa quantia, até que, para seu supremo desgosto, acabou perdendo todos aqueles objetos antigos e lindos porque não lhe restara um mísero tostão para efetuar a renovação do contrato.
Assim, foram-se as preciosas joias de Mirabel.
Mercedes tolerou Antônio até o dia em que este, com apenas 42 anos, caiu fulminado por um enfarto.
Depois de muito pensar, decidiu: venderia Los Três Cerros, pagaria suas contas e iria embora daquele fim de mundo direto a Buenos Aires, tentar a vida.
Recomeçar.
Não demorou muito e surgiu um comprador, e assim, Mercedes arrumou a mala, juntou algumas fotos dos pais e isso foi tudo que levou para a nova vida que pretendia construir.
Com o dinheiro da venda do campo, daria para viver de rendas.
Chegando em Buenos Aires, adquiriu um apartamento modesto mas de muito bom gosto e, ali, passou a desfrutar o que durante anos lhe faltara: paz.
Passava os dias vistando museus, indo ao cinema, frequentando confiterias, percorrendo livrarias.
Vivendo, em suma.
Mercedes,  no fundo, tinha um desejo: recuperar as joias perdidas de sua mãe, mas sabia que isso era tão improvável quanto impossível.
Dois anos depois de ter chegado a Buenos Aires, caminhava lentamente por Florida quando um cartaz chamou sua atenção:
Grande Leilão de Objetos Antigos.
Ela nunca soube explicar a razão mas, naquele instante, algo lhe disse que ela deveria ir aquele local, e foi o que fez.
Lá entrando, o espaço imenso mostrava cristais Baccarat, finíssimas porcelanas Limoges,  pequenos móveis e, ao fundo, sob um balcão, uma fabulosa coleção de jóias.
De imediato, Mercedes reconheceu as jóias de Mirabel e, em completo estado de transe, procurou o responsável e falou, señor, antes que empieze, quiero rematar todas las joyas que estan acá.
Pasmo, o homem respondeu, senõra, le va a costar caro...
E Mercedes, sem titubear, respondeu:
No importa el precio, lo pagare.
E arrematou todas as jóias de Mirabel.
Pouco tempo depois, recebeu um telefonema: era o dono da casa de leilões, convidando-a para jantar.
Um homem culto, bonito e muito bem posto na vida.
Casaram-se em apenas seis meses  e Mercedes, que um dia precisara empenhar as jóias de sua mãe para conseguir sobreviver, virou sócia do marido e transformou-se em uma das maiores empresárias do ramo de objetos antigos de Buenos Aires.
Depois de tantas batalhas, Mercedes conseguiu resgatar a parte que faltava para que sua vida se tornasse plena e feliz outra vez.
Ao término da história, minha tia Maria Luisa concluiu:
Por eso no se puede desistir; hay que luchar contra viento y marea.







Cuidadores

Nunca lidei bem com questões que envolvem crianças.
Não sei qual é a razão disso, considerando que tive uma infância feliz e, talvez esteja aí a explicação para minha dificuldade em entender certas coisas e, muito menos, aceitar outras.
Vejo pessoas abnegadas que cuidam de fundações que abrigam menores, vejo pessoas que estão lá pelo simples prazer de ajudar seu próximo e de dar um pouco de afeto àqueles que não tem a fortuna de possuir família e lar.
Deve ser uma tarefa árdua, mas extremamente gratificante, apesar dos incômodos que costuma gerar, pois sempre tem alguém que não só não ajuda como atrapalha.
Por sorte, creio que são a minoria.
Vulneráveis são essas crianças e adolescentes jogados à própria sorte em abrigos, em casas de passagem, ou recolhidos pelo Estado para cumprir medida sócio educativa.
Que tarefa ingrata deve ser a de tantos cuidadores dessas pessoas que se encontram à margem da sociedade, tendo que explicar o que não se explica, tendo que ensinar aquilo que deveria ser feito por pai e mãe.
Então, pergunto: por que não param de fazer filhos?
Francamente, em pleno século 21, essas mulheres ainda não aprenderam que transar engravida?
Não entendo e não aceito que mulheres larguem seus filhos por aí, e que Deus os ajude.
Quem os ajuda, também, são essas pessoas que referi.
É uma rede de proteção bastante eficiente, mas nunca é suficiente.
Pois, na mesma medida em que chegam crianças abandonadas e são atendidas e abrigadas, outras já estão nascendo e  talvez esse ciclo nunca pare.
O que tem que parar, efetivamente, é de ter filhos de forma irresponsável.
Fico pensando o que vem à cabeça desse tipo de mulher, que tem a coragem de deixar seu bebê sem nada, sem alimento, sem abrigo, sem amor.
Precisei atender uma determinada situação que envolve menores, e isso me deixou mal.
No sentido que vi um outro lado do ser humano e não gostei e quem, em sã consciência, gostaria?
Foram três dias de trabalho num ambiente hostil, ao qual precisei me adaptar por força da profissão e da tarefa que me foi designada, só que não, e a  gente precisa ter a humildade de reconhecer que, para certas coisas,  não funcionamos bem.
Uma engrenagem complicada, é tudo que posso dizer e concluir.
Entretanto,  ficou  claro para mim que, por mais que pais abandonem seus filhos, sempre haverá alguém disposto a realizar essa tarefa inglória de cuidar filho alheio que está ali hoje,  mas amanhã poderá ir embora, desatando, novamente, os frágeis laços afetivos criados.
Um trabalho e tanto, que nem sempre tem o devido reconhecimento.
Mas, certamente, digno de muitos aplausos.

Um final de semana ótimo a todos!









quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Desculpe, Estamos Em Obras

De vez em quando, eu deveria colocar um aviso no gramado da frente de casa com a seguinte frase: desculpe o transtorno, estamos em obras.
É que o ruído e o vai e vem de pedreiros e caminhão descarregando materiais deve irritar meus amados vizinhos e,  como eu os adoro, de jeito nenhum faria alguma coisa para perturbar sua paz.
Meus vizinhos são pessoas maravilhosas que conheço há muitos anos, antes, inclusive, de vir morar neste endereço, são amizades antigas dos tempos em eramos quase crianças.
Quando meus Pais foram embora, eles foram os primeiros a me acudir e consolar, lembro-me vagamente daqueles dias infernais, mas do grande carinho deles, do afeto e da solidariedade  não esquecerei jamais.
Mas, a questão hoje são as obras.
Coisa que me dá uma grande alegria é ter que andar às voltas com pedreiros, carpinteiros, ir a uma loja de material de construção comprar cimento, cimento cola, cal, lixa, negociar a entrega, escolher um piso novo, falar com o serralheiro, é, eu gosto muito de toda essa função.
Pior é que sou tipo pau de enchente, à medida que vou caminhando pela loja vou parando, pois sempre encontro algum conhecido e capaz que não vou puxar papo e trocar figurinhas sobre o preço do cimento, a melhor marca de tinta ou aquele revestimento que anda fazendo sucesso no mercado.
Também tenho predileção por carroças, elas fazem parte do show da mudança, claro que sempre que penso em fazer alguma reforma,  a primeira pessoa que me vem à cabeça é o Hugo e sua carroça de frete, ele também, conhecido de longa data.
E hoje, como precisei falar com o pedreiro, imediatamente uma felicidade me invadiu, é como se me dessem corda, e já me pus a planejar e bolar unas cositas o que, para mim, significam dias de grandes movimentações.
Inclusive, tem gente que não entende porque não me atraco numa loja de sapatos e troco, de bom grado, uma limpeza de pele por uma voltinha numa loja onde possa comprar azulejos, portas e uma lata de selador.
Eu sou assim mesmo, quando estou em obras fico extremamente animada e mais não faço porque me faltame o glamour, se é que me entendem.
Também adoro passar adiante os objetos que não tem mais utilidade para mim.
A propósito, soaria estranho eu escrever algo como adoro dar...está rindo, né? mas a verdade é que gosto de dividir com outras pessoas que talvez precisem o que para mim não tem mais serventia.
Enfim, para felicidade geral desta que vos escreve, hoje dei início aos trabalhos de uma pequena reforma, o que me proporcionou uma tarde de muita alegria, andei a mil pela cidade com meu cascudo azul marinho que me entende como ninguém, afinal, faz anos que andamos juntos, é um buraco aqui, um solavanco acolá e não importa, ele nunca me deixa na mão, meu grande amigo Siena!
Pelos meus planos, estarei envolvida até o final de outubro, por aí, mas como obra sempre atrasa...
Nada que consiga estragar minha faceirice.
Depois de tudo pronto, uma passadinha na floricultura para enfeitar a casa e uma pequena reunião para comemorar o fim das obras e, claro, adoçar meus amados vizinhos.





A Grande Surra

Quando criança, eu tinha um hábito um tanto quanto esquisito, feio, até: colocar apelidos nas pessoas.
Mas como!
Sim.
Desde que me conheço por gente, apresentavam-me a alguém e, quase que de imediato, associava a pessoa a alguma coisa e, obviamente, nunca era a uma coisa boa.
Isso vem desde os meus tempos - maravilhosos! do Felipe Néry, no qual eu vivia em estado selvagem, digamos assim, e tudo que vinha à cabeça a boca repetia.
Por lá começaram os apelidos, que meus colegas e eu colocávamos em algum próximo, nossa vítima da vez, e ali surgiram o gordo, bugre, miss cavalo, seca, burro, e por aí afora.
Um escândalo para uma menina bem nascida e que, presumia-se, tinha boa educação.
Minha Mãe Maravilha decidiu que su nena andava aprontando demais, por isso fui para o Colégio Santa Teresa de Jesus, onde apenas um olhar das freiras bastava para fazer a gente tremer na base.
Sei...
Acontece que, junto comigo, também foram duas colegas, as quais, igualmente, adoravam apelidar os outros.
Vejam vocês como a coisa vem de longa data!
No primeiro ano do Santa Teresa nós nos comportamos muito bem.
Adequadamente, eu diria.
Claro, na verdade, estávamos reconhecendo o terreno.
No segundo ano, entretanto, nosso eu anarquista que até então se resguardara saiu à baila, e logo recomeçamos com a historieta dos apelidos, dos quais não se salvava ninguém.
Perto da escola havia uma loja e em sua porta postava-se o dono, e nós, todo santo dia, passávamos por ali na saída da escola, olhávamos para aquele senhor, cochichávamos e ríamos.
Credo!
Hoje, daria processo por danos morais.
Era uma brincadeira ingênua, idiota, de mau gosto, eu sei, mas nós achávamos uma graça tremenda naquilo e mais ainda em ver o olhar furioso da pessoa para nós, que servia como uma espécie de combustível para aumentar ainda mais o volume das risadas.
Passaram-se meses.
Certo dia - um sábado, lembro-me bem, meu pai apareceu diante de mim com um olhar de fogo, e eu, de imediato, farejei que algo não estava bem.
Nada bem.
Piorou quando vi o tal dono da loja sentado numa poltrona do escritório, olhando para mim.
Agora, era ele quem sorria.
Senti uma dor na boca do estômago e pensei, agora fedeu, e fedeu muito, certo que desta não escapo.
Não ouvi o que falaram, pois o diálogo foi rápido, e nem precisaria.
Tentei me esconder mas logo escutei a voz de trovão de meu Pai:
Liaaaaaaaa Helenaaaaa!
Ai...
Apareci com cara de ré e já levei a primeira palmada, assim, de cara, sem direito ao contraditório e nem à ampla defesa.
Foi uma surra monumental, a primeira e a única que levei de meu Pai, mas olha o tempo que faz - eu deveria ter uns 9 anos, e até hoje recordo desse fato.
Feito o estrago, eu chorava a moco tendido, como diz o correntino, e nem minha Mãe e nem ninguém veio me socorrer.
Lá pelas folhas tantas, meu Pai falou, sobe no carro, vou te lavar pra casa do teu Avô.
Eu subi sem dar um pio, mas quando vi minha tia Édina, de quem eu era a sobrinha mimosa, abri os tarros novamente.
Meu Pai apenas disse, esta guria de merda andava importunando o seu fulano, chamando-o por apelidos. Imagina!
Lembro-me tão bem que minha tia controlou o riso, me abraçou carinhosamente,  me deu um copo de água com açúcar e falou, calmamente, mas que feio, Liazinha, a gente não fica fazendo esse tipo de coisa.
E, virando-se para meu Pai, falou: agora sai daqui, Edgard, deixa ela comigo, vamos passar a tarde juntas.
Meu Pai saiu, meio desconcertado, e eu passei, realmente, a tarde com minha tia, que adorava limpar o jardim, e ali ficamos entre rosas, jasmins e margaridas.
Ela me falou tantas coisas lindas, conversou muito comigo, com um carinho imenso.
Desse fato, aprendi duas lições:
Não gostei de apanhar, claro, mas mereci, e isso não me traumatizou, apenas me mostrou que tudo na vida tem limite e que a brincadeira termina quando começa a perturbar o outro;
Carinho, afeto e uma conversa comprida, como fez minha tia, também são formas de educar.
As duas experiências, cada uma a seu modo, valeram para mim.
Passei um bom tempo muy tranquila, sem fazer qualquer tipo de arte, até porque já sabia o que me esperava em caso de reincidência.
Minhas colegas, que também apanharam, e eu,  congelamos os apelidos, até a poeira baixar.
Entretanto, um meio ano depois, recomeçamos.
Afinal, apelidar era preciso.
Somente quem é cria do Felipe Néry entende...








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terça-feira, 12 de agosto de 2014

A Beleza dos Números

Há tempos queria escrever sobre os números, sempre presentes em todos os momentos de nossas vidas.
Nunca me debrucei de forma técnica sobre o tema, que acho deveras fascinante, mas não tenho como negar que, volta e meia, ponho-me a pesquisar alguma coisa aqui, outra acolá e, se oportunidade tivesse, aí está um assunto que estudaria com imenso prazer.
Certo dia, alguém referiu, dentro de determinado contexto, que aquela situação retratava a frieza dos números.
Essa frase me marcou e nela penso seguidamente, mas para discordar(quando não?): os números são tudo, menos frios.
A beleza que reside nos cálculos matemáticos é algo extraordinário e, me atrevo a dizer, até divino.
Muitas coisas formam um conjunto tão fantástico quanto impossível de dimensionar de forma fria, e o exemplo clássico disso seriam as Pirâmides do Egito, dentre tantos outros.
Quem não tem seu número favorito ou, simplesmente, aquele ao qual atribuímos nossa boa sorte?
No meu caso, vários são os números que, digamos, me perseguem, mas no bom sentido.
Começando pelo número 8, que é a soma da hora de meu nascimento: 22h22min.
E o 22?
Esse sim, posso dizer, presente desde o início, pois marcou o horário em que vim ao mundo.
O 22, também chamado de número mestre, isto é, aquele que é formado por algarismos iguais; a repetição de um número potencializa as características do mesmo, como se a influência do número dobrasse de potência; por isso, é considerado especial e é irredutível: se surgir no final de um cálculo, não se faz a redução a um só dígito, é um número  inspirador e criativo,  voltado para novos começos.
Em razão disso,  e por ser devota de Santa Maria Madalena, cuja festa é celebrada em 22 de julho, lembro-me que, quando editei meu livro A Árvore das Plumas Vermelhas, ficou estabelecido que o valor de cada livro seria  de R$22,00.
Meu livro, efetivamente, marcou uma nova fase de minha vida, diferente de tudo quanto eu havia vivido até então,  e despertou algo que estava adormecido em mim: o desejo e a vontade de escrever, de tentar transferir para o papel sentimentos e ideias.
Assim também acontece com o número 12.
Quando morei no Pensionato Teresiano, o número do meu quarto era 12; o número do edifício onde morei, em Porto Alegre, reduzido, transformava-se em 12; o partido Político ao qual sou filiada há 20 anos é o PDT - 12.
Para arrematar estas incríveis coincidências,  resolvi escrever sobre a magia dos números num dia 12.
E você?
Já descobriu qual é o número que faz sua estrela brilhar?







segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Chorar É Para Os Fortes

Depois de uma gripe que me deixou fora de combate por uma semana, estou voltando para fazer uma das coisas que mais me dão prazer na vida: escrever.
Desde quarta feira, dia 6 - data da última postagem, fiquei meio que à deriva, cercada por uma bruma densa que não me permitia chegar perto de nada que me obrigasse a focar os olhos, simplesmente não conseguia, tal a dor de cabeça.
Fazia anos que eu não sentia algo de tamanha envergadura.
E, não por acaso, esse fato - a gripe, surgiu na véspera do aniversário de meu Pai e no exato dia da assinatura de importantes documentos.
Papéis, tão somente.
Que nada!
Tal documentação foi meu Grito do Ipiranga, o desate definitivo de laços que me uniram, por mais de dez anos, a um passado que me aprisionava e que, incontáveis vezes, serviu para colocar em xeque meu próprio eu.
Sim, durante esse tempo perdi a conta das vezes que me questionei, outras tantas que me culpei, e várias, muitas, que judiei de mim mesma, permitindo que outros falassem por mim, tentando alterar minhas estruturas internas, aquilo que se constrói dia após dia durante toda nossa vida.
Então, findo o processo de açoites sentimentais, nada mais me restou que cair, prostrada.
E não pensem, meus queridos amigos, que me envergonho disto.
Sinto, na verdade, orgulho de minha natureza, tão humana e simples como a de tantos, pois não sou, nunca fui de ferro, e sucumbir, ao menos por seis dias, foi um mal necessário.
Nesse tempo, enxerguei todos os fantasmas que me atormentaram por longo período, abri as portas de minha alma para eles, conversamos e debatemos longamente.
Acamada, com um febrão de 39°, delirei e escutei todas as vozes que me assombraram, as pseudo verdades que construí a partir delas, as premissas iguais a um castelo de areia, que jamais se sustentaram, embora eu, em meus desatinos, cheguei, em determinado ponto, a acreditar nelas.
Dei-me ao luxo de simplesmente chorar sem motivo, ou por todos os motivos.
Mas poder dar vazão a tantos sentimentos, embora doloroso, é um processo libertador.
Paga-se um alto preço pela liberdade, e se engana redondamente quem pensa que ela vem assim, como uma brisa de primavera e está ali, disponível, ao alcance de nossas mãos.
Uns mais, outros menos, a verdade é que sempre precisaremos lutar para manter, intactos dentro de nós, os afetos, os valores, aquilo em que acreditamos.
Em suma, lutar para manter o que vem a ser nossa própria essência, aquilo de que somos feitos, e essa luta vale a pena!
Ou, como diz o poema de Gonçalves Dias
Não chores, meu filho;
Não chores, que a vida
é luta renhida:
viver é lutar.
A vida é combate,
Que os fracos abate,
Que os forte, os bravos
Só pode exaltar.

Uma ótima semana a todos!



quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Eu Estarei Lá ( I'll Be There)

Você e eu devemos fazer um pacto
Devemos trazer de volta
a salvação
Onde existir amor
Eu estarei lá

Eu esticarei minha mão para você
Eu terei fé em tudo que você fizer
Apenas chame meu nome
E eu estarei lá

E, oh, estarei lá
para te confortar
Construir meu mundo de sonhos a sua volta
Estou tão feliz por ter te encontrado
Estarei lá com um amor que é forte
Serei sua força,
Continuarei firme

Me agarrando a você,
Sim, vou estar...sim, vou estar

Deixe-me encher seu coração com alegria e risos
União é tudo que estou buscando
Apenas chame meu nome
E eu estarei lá

Eu estarei lá para protegê-lo
Com um amor verdadeiro eu irei respeitá-lo
Apenas chame meu nome
E eu estarei lá

Eu estarei lá para te confortar
Construir meu mundo de sonhos em sua volta
Estou tão feliz de ter te encontrado
Estarei lá com um amor tão forte,
Serei sua força, você continuará firme

Apenas olhe para trás
Apenas chame meu nome
E eu estarei lá

Apenas olhe por cima de seus ombros,
doçura,
Eu estarei lá
Eu estarei lá
Sempre que você precisar de mim
Eu estarei lá.

I'll Be There (Eu Estarei Lá)

Esta noite eu tive sonho, e foi tão fantástico e maravilhoso que quero muito dividi-lo com vocês, meu amigos queridos:
Estava num restaurante jantando com amigos quando, do outro lado da mesa, vi minha Mãe.
Ela estava ali, parada, olhando para mim, com seu vestido florido de verão, o mesmo cabelo de sempre, entre o castanho claro e o louro, seu olhar doce. Estava séria.
Eu dei um grito, Mãaãããeeee, e saltei por cima da mesa para abraçá-la, senti seus cabelos, seus braços, suas mãos, seu cheiro.
Mãe, que saudadesssss! Não acredito que estás aqui!!!
E ela: Ué, claro que estou aqui, aliás, faz muito tempo que tento me comunicar contigo, mas não me atendes.
Eu: mas, Mãe, então não ouvi o celular, que estava na bolsa.
Nos abraçamos longamente, um abraço tão grande e bom como só ela saberia me dar!
Saímos dali e logo apareceram minhas filhas, que igualmente se jogaram nos braços da Avó.
Ela me puxou para um canto, onde estava um rapaz moreno, bem jovem, deveria ter uns 20 anos, e falou:
Preciso falar contigo, Lia; olha bem, este rapaz aqui foi quem pagou minha passagem, eu devo a ele 500,00 reais, vai lá buscar para mim.
E eu, claro, Mãe, vou buscar e já volto.
E nisso, ela desapareceu.
Eu fiquei pensando onde ela teria ido e, então,  vi um grupo de jovens todos de branco, que me disseram:
Lia, vem cantar conosco, olha só esta música.
E eu:
Mas não sou cantora...
E pensei: onde estará a Mãe? Por que saiu e não me disse nada?
Nisso, a música começou a tocar, e uma voz belíssima se vez ouvir.
Acordei com a música na cabeça, que já sabia qual era, mas fui conferir, pois me pareceu inacreditável:
I"ll Be There, isto é, Eu Estarei Lá, sucesso na voz de Michael Jackson.
Através dessa música, ela  me respondeu, de forma clara e inequívoca, onde está.
E este  foi o recado que  minha Mãe Maravilha, a dona Kila, me mandou.
Algo tão lindo, tão poderoso, tão profundo que sei, sem sombra de dúvidas, que ela está nos braços do Amor!
Escutem essa música,  prestem atenção na letra.
Ela diz tudo!



terça-feira, 5 de agosto de 2014

Reuniões

Antipatizo com reuniões, e não é de agora.
Elas me passam a sensação de que tem muito blábláblá., e de concreto, nada.
Mas, ir a reuniões é preciso.
Reunir-se.
Então, vamos lá.
Em reuniões, a gente vê alguns tipos normais e outros tantos bizarros.
Há os exibidos, que querem aparecer a qualquer custo e falam bem alto, para que todos vejam como ele é inteligente e sabido.
Ah, ah, ah!
Têm os aproveitadores de plantão, que pensam que todo mundo é idiota e burro.
E tem os bem intencionados, uma raça em extinção que ainda acredita no Papai Noel e no Coelhinho da Páscoa.
Toda essa introdução é para dizer que, à medida que o tempo passa, el tiempo pasa, y nos vamos tornado viejos, como tal, já não aceitamos ser embrulhados para pacote.
Mas me considero uma pessoa educada.
Por isso, quando participei, tempos atrás de uma reunião em que se falou muito - o famoso blábláblá e não se aproveitou nada, lá pelas folhas tantas acionei meu piloto automático e me pus a pensar em algumas coisas.
Por exemplo:
a troco de que santo tem gente que parte da premissa que o pessoal do Interior é ignorante e não lê jornais, não sabe onde fica a Europa e nunca saiu da Fronteira, a não ser para cruzar o Rio Uruguai de chalana e ir até o Alvear para comprar dulce de leche y alfajores Tatín?
Pois é.
Eu escutei, calada, a montanha de boludeces que uma certa pessoa falou, acionei o automático, voltei, acionei outra vez, voltei, e a ladainha de todos os santos - ou melhor, de nenhum santo, continuava.
Moral da história, que até a paciência de vocês, meus amigos, tem limite:
Peguei minha bolsa, levantei e saí de fininho, à francesa.
Meus ouvidos, definitivamente,  não são penico.
E meu voto é bem  meu e voto em quem eu quiser e ninguém nunca na história deste corpo me mandou ou vai me mandar votar em alguém, sob pena de ...
Não suporto gente truculenta.
Pedir voto usando ameaça como argumento?
Vai levar é chumbo!




Para O Meu Amor - II

Meu Pai adorava um Tribunal do Júri.
Estudava muito, dedicava-se durante semanas a fio analisando o processo, atento a cada detalhe para bem defender o cliente - sempre atuou na defesa, não gostava da acusação e, dentro da profissão, era o que mais gostava de fazer.
Formou-se na Faculdade de Direito no ano de 1939, morou no Hotel Majestic, onde hoje funciona a Casa de Cultura Mário Quintana, e me contava cada história!
Foi de trem para Porto Alegre naquele janeiro de 1934, acompanhado por meu Avô Atílio, que deixou-o muito bem instalado no melhor hotel da Capital.
Contava-me ele:
 Liazinha, o papai me deu um monte de contos de réis, que teriam que durar até dezembro; contratou uma lavadeira para lavar, passar e engomar minhas camisas de linho, me abraçou longamente e me disse: já vou indo, meu filho. Não me faz nenhuma cagada, ouviste bem? Ou mando te buscar a relhaços! E se foi.
A solidão dos primeiros tempos, matava-a com meu mate, trouxera minha chaleira e um fogareiro da estância, erva ainda tinha um pouco e logo descobri uma banca no Mercado Público onde podia comprá-la por quilo. 
Nos primeiros meses, chorava de saudades de minha mãe, tua avó Mathilde... interrompia a narrativa para secar as lágrimas que caíam e ficava repetindo para mim, a mamãe era tão doce, Liazinha.
Mas em seguida fiz amizade com uma turma de rapazes que também tinha vindo da Fronteira, havia gente de São Borja, de Uruguaiana e do Alegrete, muitos bem mais abastados que eu, que não tinha dinheiro para cair na farra. Isso não me impediu de namorar muito, afinal, tinha um quarto de hotel somente para mim...
Cursei  a Faculdade no tempo normal de cinco anos, mas nunca me esqueci do nosso Itaqui, contava os meses, as semanas e os dias para que chegasse logo o mês de dezembro para poder voltar, para ver outra vez a mamãe, o papai e meus irmãos. Meus cuscos, ir à estância, andar à cavalo.
No meu último ano de Capital, estava indo pela Rua da Praia quando uma cigana me atacou e quis ler minha sorte.
Eu, sorridente, deixei.
Sempre gostei de ciganas.
Ela olhou a palma de minha mão e vaticinou:
Vais te casar com uma castelhana, moreno.
O quê?
E ela, sorrindo, repetiu: vais te casar com uma castelhana, moreno, e vai ser um amor tão grande que ficarás com ela até morrer, e morrerás velho, bem velhinho.
Estas, e muitas outras histórias ouvi de meu Pai, sentados na cozinha de casa, mateando sem pressa, vendo a tarde indo embora, lentamente,  e olhando as primeiras estrelas surgindo no céu.
Por isso, cada vez que olho para o céu estrelado do Itaqui, sinto-o bem perto de mim.

Deseducando

Li em ZH de ontem(4/7), que o Conselho Estadual de Educação está analisando um parecer e debatendo uma norma que impediria as escolas de suspender, afastar ou expulsar alunos, mesmo os envolvidos em transgressões disciplinares.
Alega, em síntese, a proposta, que o direito do aluno de estudar não pode ser revogado por nenhuma instituição de ensino, tanto privada quanto pública.
Bueno, de minha parte devo dizer que, das tantas aberrações poliiitiiiicamentiiii coorrrééétas que já ouvi, esta levou todas as fichas.
É o cúmulo uma coisa dessas!
Até nem tinha prestado atenção na matéria, o que me levou a olhar mais detidamente seu conteúdo foi o título: Sem poder expulsar nem suspender.
Li e reli, li, inclusive, as manifestações sobre a tal norma, e vi, não sem tristeza, que somente uma única voz se levantou contra.
Vale dizer, estamos nas mãos de uma raça de gente que permite tudo, até isso: que alunos façam o que bem entenderem dentro da escola, que nada lhes acontecerá.
Ou seja, é a certeza da impunidade.
Posso quebrar este banco, não dá nada.
Posso dar um pontapé no meu colega.
Posso riscar as paredes da minha escola, talvez até achem que é uma forma de expressar a minha arte.
Isso me enoja.
Quando eu estudava, professor era um ser sagrado.
Éramos ensinados a cuidar de nossa escola, a zelar por tudo que ela continha e ao que, graças ao trabalho de muitos, ela nos proporcionava:  educação, aprendizado, merenda de qualidade, um convívio civilizado com os demais colegas, respeito aos professores.
A escola também nos ensinava valores.
Aprendíamos o Hino da Bandeira, entre outros.
É.
Que coisa mais jurássica, o Hino da Bandeira...
Nós íamos para a escola para aprender.
Eu, nascida e criada no Itaqui, estudei aqui até concluir o Ensino Médio.
Fui para Porto Alegre, fiz vestibular e passei.
E isso que diziam, e ainda dizem, que o ensino em Itaqui não é bom.
É bom, sim.
Nós tínhamos uma escola onde se impunham a educação e a disciplina.
O respeito.
Capaz, mas capaz que algum de nós se atreveria a depredar alguma coisa ou, pior ainda, a tratar mal um professor, um colega.
Aconteciam desentendimentos, obviamente.
Mas nós sabíamos que, se fizéssemos algo fora do esquadro, teríamos que arcar com as consequências, e elas vinham, de imediato: chamada na sala da Direção para uma mijada homérica, suspensão e, nos casos mais graves, expulsão.
Fim da comédia.
Não vou falar pelos outros, mas a mim não causou nenhuma espécie de trauma a disciplina que permeou meus anos escolares.
Aprendi muito, aprendi tanto!
Sou imensamente grata a todos os meus professores, tenho um amor imenso pelas duas escolas nas quais estudei.
Não consigo entender qual é a razão social  de um debate dessa natureza, assim como não entendo - e nem aceito quem se reúne para manifestar seu repúdio a este ou aquele governo e depreda o patrimônio público ou privado, sob o olhar complacente daqueles que deveriam agir.
Eu só quero entender a quem interessa esculhambar as coisas.
Sim, porque essa proposta é exatamente isso: tirando a autoridade da escola, abre-se uma porta para o desmando.
Mais uma.
Não sei se vocês notaram, meus amigos, mas há algum tempo vem ocorrendo uma inversão de valores: é bonito pichar, é bacana quebrar, é lindo adentrar num local e ficar fazendo baderna, é chique dar um bofetão num professor.
E nós, os babacas que ainda acreditamos em algo?
Nós estamos ficando encurralados!









segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Para o Meu Amor - 1

Meu Pai, se vivo estivesse, estaria completando 100 anos no dia 7 de agosto.
Como você sabem, meu amigos queridos, sou de véspera, e ando choramingando pelos cantos, pois é muito difícil suportar sua ausência.
Faz 11 anos que não o vejo, somente em sonhos, e isso quando Deus me concede essa graça, a de poder tocar e ver e falar com meu pai.
Estas datas são terríveis.
Não adianta me dizerem a ou b, na teoria tudo é muy lindo, mas na prática, resulta muito diferente.
O meu Pai, além de ter sido um Pai fabuloso, também era meu amigo.
Amigo daqueles que dá abraço a toda hora, que beija, que acaricia.
Pois, que graça tem ter um amigo que nunca te dá um abraço apertado?
Esses amores por sinais de fumaça não servem para mim, não possuem nenhum valor.
Fui acostumada a ser muito acarinhada pelo primeiro homem da minha vida, que foi ele, o grande Dr. Edgard!
Meu Pai era lindo, moreno de olhos esverdeados, sorrisão, voz bem alta de trovão, caminhava rápido, não levava desaforo pra casa e me ensinou tantas coisas maravilhosas que,  hoje, sou o que sou graças a ele e a minha Mãe, com todos os valores que me passaram.
A cada dia que passa eu me acostumo um pouco mais com a sua falta física; paradoxalmente, jamais vou me habituar a ela.
Por isso, procuro não estar nos lugares onde ele estava, pois isso me traz uma saudade tão grande que sinto vontade de gritar, de sair correndo, mas, para onde?
Onde vou, com a saudade ali, grudada na minha alma, me tomando por inteiro?
Não há refúgio numa hora dessas, a não ser, creio eu, dar vazão àquele choro, que depois vai passando.
Nestes anos todos sem ele, aprendi tantas coisas!
Aprendi que quando a gente tem Pai e Mãe temos as costas largas, atrever-se a nos maltratar, quem haveria de?
Ousar nos pisar, quem haveria de?
Quando eles não estão mais, tudo muda e o papo é outro.
De onde menos se espera, leva-se uma facada; de onde menos se espera, recebemos aquele abraço de que tanto precisamos.
Que caminho árduo!
Mas a gente aprende, e uma coisa ficou muito clara para mim: é preciso continuar, caminhar  e olhar para frente.
Sempre para frente.
Pois, por mais doloroso que seja, o passado acabou, ficou para trás e nunca mais voltará.
Então, vamos adicionar o amor que recebemos à esperança de dias felizes.
Estou certa de que seria isso o que ele me diria para fazer.

Um semana excelente para todos!



sábado, 2 de agosto de 2014

Respirando Cultura

Com grata satisfação participei, ontem, do 1º Sarau Literário de Itaqui.
Um encontro entre escritores, poetas, historiadores, compositores, músicos, membros da Academia Itaquiense de Letras, convidados e pessoas que deixaram de lado o que estavam fazendo - e que se deslocaram de Porto Alegre, como a Professora Marley Poletto, como o  Jucelino e a Tanira, para escutar um pouco das vivências culturais de cada um, respirar cultura e trocar experiências.
Que encontro gratificante!
Todos tínhamos muito a dizer, mas precisamos resumir nossas trajetórias em 5 minutos.
Mesmo assim, esse espaço ínfimo de tempo foi suficiente, bastou para sacudir quem estava ali.
E que sacudida!
Simplesmente fantásticos, são os talentos desta terra do Itaqui!
Escutei cada poesia, cada história, cada música que saí dali acreditando firmemente, como aliás, sempre acreditei, que somente a educação pode mudar o estado das coisas.
Por que razão não se investe mais na educação e na cultura?
Bem simples:
Porque não convém.
Pessoas que leem e que escrevem, que fazem arte e transformam pensamentos em palavras e estas em música, poema e livros, essas pessoas pensam.
Pensam muito.
Para felicidade geral da nação,  há pessoas teimosas, e essas não costumam desistir.
Exemplo disso é a Professora Martha Luzia Delgado.
A Professora Martha é a Coordenadora do Setor de Cultura, e sou prova de que ela é o símbolo da resistência, da tenacidade, da persistência, da determinação.
É a pessoa que fez, e continua fazendo tudo, sem ter nada.
Explico.
Ela trabalha em uma sala do Teatro Prezewodowiski e, a duras penas, conseguiu montar uma estrutura mínima de trabalho.
No início, nem computador tinha.
No verão, não tem ar condicionado, um ventiladorzinho faz o serviço.
O pagamento da  limpeza do Teatro, muitas vezes, sai de seu próprio bolso.
Tudo o que acontece ali,  promovido pelo Setor, tem o amparo dos Amigos da Cultura de Itaqui, grupo pensado e criado por ela, levado adiante por sua equipe, da qual faz parte a incansável Sônia Assunção, digna de muitos aplausos, pois também faz a coisa acontecer.
Também temos o Brique da Praça, outra invenção da Professora, sucesso de público e de vendas, criando oportunidades aos artesãos Itaquienses de mostrarem e comercializarem seus trabalhos.
Há o Musicultura, um projeto lindo de apresentações musicais nas escolas.
Se vocês, meus amigos queridos, pararem para observar, o trabalho da professora Martha e da sua equipe é um trabalho de Hércules, ela vai em frente e não se apicha e muito menos se encolhe.
A Professora Martha serve de exemplo, e deveria ser copiada por muitos.
Tenho a felicidade de conviver diariamente com essa alegretense que fez do Itaqui a sua cidade do coração, sempre com um sorriso no rosto, apesar das dificuldades que enfrenta.
E Itaqui, que tem essa pessoas maravilhosa com uma disposição e um gás de fazer inveja a muito jovem, deve agradecer esse trabalho prestado.
De que forma?
Prestigiando, comparecendo, atendendo aos convites, contribuindo.
Reconhecendo.
Com um Setor de Cultura forte, Itaqui crescerá muito mais
Obrigada, Professora Martha Luzia Delgado!