terça-feira, 31 de outubro de 2017

O Fim Dos Românticos

Haverá, ainda, algum romântico?
Restará alguém que ainda acredita na magia de um encontro onde somente os olhos dirão o que desejamos?
Pequenos gestos, fisicamente quase que imperceptíveis, mas reconhecidos pelo coração?
Terá restado um homem ou uma mulher que goste de dançar de rosto colado?
Andamos tão ocupados com as redes sociais e em aparentar, sofregamente, uma pseudo felicidade, que esquecemos as pessoas que estão ali, em carne e osso.
Há uma pressa desmedida em chegar a algum lugar, ao que parece.
Mas, amigos, onde ficaria esse paraíso, que seria a coroação de tamanho apuro?
Constato, não sem uma ponta de tristeza, que os poucos românticos que porventura sobreviveram a essa avalanche de falsidades publicadas estão cada vez mais isolados em seus delírios e lembranças de um tempo que, definitivamente, terminou.
Uma lástima, na verdade.
Hoje, ao que tudo indica,  não há motivo algum para celebrar o amor romântico, aquela maravilha de sensação, que enlevava a alma e fazia sonhar.
Não mais!
Nos dias atuais, precisa ser discutida a conta da luz, o salário parcelado, os rumos da política e suas implicações, o gás que subiu, a destinação do lixo...
Tudo politicamente correto, sim, só que ninguém lembrou de deixar um espaço para o romantismo.
De igual modo,  vejo que, em razão de tantos apelos e facilidades de toda ordem, e em nome de uma igualdade em tudo e por tudo, conquistar ( conquistar? que palavrão é esse?) alguém é tão fácil como ir até a padaria da esquina e comprar um quilo de pão.
Lamentável, mas é o que se vê.
Aos românticos, uma vez decretado o seu fim, nada mais restou, a não ser  ir parar em  outro planeta e lá,  na voz incomparável de Ella Fitzgerald,  ouvir Isn't it Romantic e dançar abraçados, levados pela "magia na noite, um sonho pode ser ouvido".






sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Novas Histórias de Lucrécia, A Peidorreira

Lucrécia decidira candidatar-se a prefeita.
Depois de muito pensar e de consultar as bases, estava decidida a lançar-se a mais esse desafio.
Foi fácil passar pela Convenção do seu Partido, o PUNM (o nome era uma infame coincidência que nada tinha a ver com o hábito pouco ortodoxo de Lucrecita, de peidar siempre que se le dava la gana)) - Partido da União Nacional das Manobras, muito embora alguns invejosos de plantão e outros tantos burraldos tivessem torcido o nariz quando ela, microfone em punho, apresentara sua plataforma eleitoral.
Foi um coro de "ohhhh e ahhhh" que, ao fim e ao cabo ela não sabia bem se eram de aprovação ou escárnio, mas o fato é que agora ela era candidata.
C a n d i d a t a.
Sacramentada essa condição, jogou-se com tudo na busca pelo voto, dentro da mais absoluta legalidade, evidentemente, eis que não queria incômodos.
E do que ela mais gostava era de participar dos comícios que, durante a semana aconteciam  nos bairros da cidade.
Sempre acompanhada de sua fiel escudeira, sua mãe, la señora Babu a qual, de tanto caminhar pelas ruas sem calçamento e tapadas de buracos, torcera um dos joelhos.
Lucrécia tinha advertido, "Mãe, não tens condições de andar assim, horas a fio, comendo poeira e ralando os pés".
Não teve argumento, pois la señora Babu  alegava que nada costumava escapar de seus olhos de lince.
Ademais, precisava estar junto para tentar controlar Lucrécia, a incontrolável peidorreira.
Aquilo ficava chato, afinal.
Lucrécia, como sempre,  nem tava!
Caminhava rápido com uma enorme bandeira do PUNM tremulando ao vento e, a cada passo dado, peido largado.
Uma vergonha!
Será que ela pensava que ninguém ouvia aqueles sons?
Azar do guarda, andam comigo por que querem e sabem do meu valor, do tamanho dos meus projetos, o resto é figuração.
A campanha ia de vento em popa e Lucrecita era líder em todas as pesquisas:
" a candidata mais votada", diziam, a boca miúda; "ganha de lavada", vaticinavam.
A chegada de Lucrécia aos  comícios era uma verdadeira apoteose, todos queriam vê-la e ouvir suas promessas, pouco importando quão mentirosas fossem:
- Educação para todos!
E o povo gritava: huhuhuhuhuhuhuhu!!!
- Asfalto!
Eeeeeeeeeeeeeeeeeeeee!!!
- Saúde!
Rufar de tambores!!!
Lucrécia, radiante, acenava para todos do alto do palanque.
Aquilo, para ela, era uma cachaça: adorava!
Ao término de cada comício, chegava em casa destruída, suada, coberta de pó e sem voz.
La senõra Babu vinha logo com uma gemada, à qual misturava um cálice de vinho do Porto.
Para recuperar a voz e o ânimo, dizia.
Y, claro, algo más: prrrrrrrrrrr
No último comício, realizado na praça da cidade, compareceram todos os caciques do Partido, além de vários deputados estaduais e federais, candidatos a vereador e assessores da campanha.
Lucrécia queria impressionar, e conseguiu.
Surgiu no palanque usando um conjunto branco de calça e blazer, apesar do calorão.
Era chique usar somente uma cor, dissera-lhe a assessora para assuntos institucionais e outras ervas.
Não convinha mostrar muito os braços, falara outra.
Ninguém ousava fazer a complexa recomendação: contenha-se, candidata; não peide...
Tratando-se da indomável Lucrécia sabiam que de nada adiantaria, pois nela ninguém conseguira, até o momento, colocar freio.
Compareceram naquele memorável comício em torno de duas mil pessoas, a quais acotovelavam-se para ver e ouvir a que seria, sem sombra de dúvidas, a próxima prefeita.
A balbúrdia era grande: misturavam-se os sons das palmas, os gritos, parte de uma bateria da escola de samba de  Lucrécia ( sim, ela era a l u c i n a d a por Carnaval), as bombas, o apito dos  pipoqueiros, dos vendedores de algodão doce e de churrasquinho.
Milhares de bandeiras do PUNM tremulavam, alegremente.
Lucrécia, a última a falar naquela noite fantástica, foi recebida com uma ovação do público que mais parecia um tsunami:
 Lucrécia, Lucrécia, Lucrécia, gritava o povo, alucinado.
E ela, enrolada na bandeira do Partido, tão feliz estava que soltou todos os peidos possíveis e imagináveis, ria sem parar olhando, de esguelha, as caras constrangidas dos expoentes da política remexendo-se, loucos para sair dali.
Sou coerente, ela pensava: afinal, a política está, ou não está, uma podridão?
Por essa razão entrei nesta briga: vou mudar esse estado de coisas!
O resultado de tamanha empatia com sua gente não poderia ter sido outro.
Lucrécia, a Peidorreira, sagrou-se vencedora e, no primeiro dia de janeiro do ano seguinte, tomou as rédeas do município!
Imagine, querido leitor(a), quantas histórias virão por aí...



















Traga-me Uma Flor

Traga-me uma flor
Surpreenda-me
Colha para mim
a florzinha do jasmim

Traga-me uma flor
Presenteie-me
Pode ser a margarida
alegre e cheia de vida

Traga-me uma flor
Encante-me
Vá lá e colha uma rosa
De qualquer cor
Poderosa

Traga-me uma flor
Quem sabe uma sempre-viva
Para que eu possa sentir
A magia do amor

Traga-me uma flor
Qualquer flor
Não importa
Pois quem bate a minha porta
Com uma flor na mão
Traz o que há de mais belo
Puro, lindo e singelo
Toca meu coração
















terça-feira, 3 de outubro de 2017

Piccolomini Caleche

Impressionante como um simples objeto pode evocar tantas recordações e me fazer sentir saudade.
Saudade da minha Mãe Maravilha, já estamos em outubro, talvez seja isso, memórias de um lapso de tempo que foi tão difícil para ela e para todos nós, e mal sabíamos que também ela iria logo embora.
Certo dia falei a uma amiga: eu era uma Lia, agora sou outra.
Com eles.
Sem eles.
Às vezes, sequer me reconheço.
Acredito que aprendi a viver longe deles.
Mas é, no mínimo, complexo.
A saudade, entretanto, aparece quando menos se espera.
Um dia tão lindo de primavera e eu ali, organizando alguns enfeites, e eis que me deparo com um pequeno pratinho, de fundo branco, onde de vê, pintada em tons de verde,  uma pequena carruagem e a inscrição: Piccolomini Caleche.
Eu sempre tive predileção por esse pratinho, o qual ficava, na casa da Mãe,  sobre em um móvel, equilibrando-se num suporte.
Decidi guardá-lo dentro de uma armário, talvez por medo que se quebrasse, e acabei esquecendo e hoje, justo hoje, me cai nas mãos o prato, lindo como sempre, perfeito em sua expressiva simplicidade.
Então fiquei repetindo, em voz baixa, piccolomini caleche, piccolomini caleche, e nada mais foi necessário para que as lágrimas começassem a cair.
Tirei o prato e o respectivo suporte do armário e coloquei-o sobre uma mesinha, bem à vista.
Ele é tão belo que não merece ficar encerrado, para que ninguém o veja.
Vou cuidar para que não se quebre, para que permaneça inteiro como o amor que sinto e que distância alguma será capaz de fazer diminuir ou desbotar.
A saudade é assim, quando menos se espera, vem.
Eu bem que tentei fugir dela, escondendo-me aqui e ali.
Não adiantou.
Ela chegou, pegou a minha mão e, sentadas lado a lado,  entabulamos uma silenciosa troca, suave e leve como o andar de uma piccolomini caleche.
Da mesma forma que chegou ela foi embora,  não sem antes secar minhas lágrimas e deixar um rastro de perfume no ar.
O perfume da minha Mãe, aquele cheiro de alfazema que só ela tinha.
Mãe, tenho absoluta certeza que, de onde estás, teu amor me ampara e me protege.
Pois, como afirmei incontáveis vezes, o amor nunca morre.