quarta-feira, 30 de abril de 2014

Secretária do Futuro

A Marisa (vou chamá-la assim) andava pulando a cerca. Riscando fora da caixa. E aquilo não era coisa de agora não, a Marisa andava enlouquecida e fora da casinha há mais de um ano.
Cuidava-se de tudo e de todos, prestava atenção, olhava em volta - será que não estou sendo seguida? sempre nervosa e tensa, a vida da Marisa transformara-se num círculo vicioso entre o céu e o inferno.
Quando estava com o João Pedro(vou chamá-lo assim) era o céu, a vida parecia sorrir e todos, absolutamente todos os problemas que ela tinha desapareciam. Todinhos. Ué, sais, quem é que tem problemas aqui? A vontade de estar com ele superava tudo, a Marisa caíra de amores pelo cara.
Guilherme, o terceiro personagem fictício desta história, o  marido traído da Marisa, era o responsável por fazê-la sentir-se no inferno. Tudo nele era chato,  extremamente monótono e previsível e,  não bastasse a barriga incomensurável, tinha o fator ronco. Foram os roncos do Guilherme os responsáveis pelo fim daquele amor que já vinha entre San Juán y Mendoza fazia um tempão. A Marisa deitava e, 1 minuto depois,  o Guilherme começava " rr...rrr...rrrr...rrrrrrrrr...e, dali um tempo soltava um bufo: RRRccc, um fio de baba escorrendo pelo canto da boca. Era de matar o guarda, aliás, o Guilherme. A Marisa ali, deitada, insone e furiosa, virava-se de um lado para outro até cair, exausta, num sono perturbado, porque morria de medo de falar dormindo e chamar pelo amante.
A Marisa e o João Pedro encontravam-se nos lugares mais disparatados que se possa imaginar, tal era o desespero; coisas que a química explica, diz que. Mas havia um lugar onde costumavam ir mais seguidamente, o apartamento do João Pedro onde, de um lado do prédio funcionava uma clínica dentária e, do outro, uma pastelaria. A secretária da clínica, invariavelmente, costumava ficar encostada na porta, observando o movimento da rua e dos transeuntes. Fiscalizava tudo, e a Marisa já cantara a pedra pro João Pedro: "Jojô, essa velha aí da clínica não tira os olhos da gente", e ele, naquela fala mansa que pirava o cabeção da Marisa" calma, linda, ela é tipo secretária do futuro, entendeu?" Não, a Marisa não entendia e nem queria saber de nada, só de passar umas horinhas no Paraíso para, depois do amor, entrar na pastelaria e se atracar em dois pastéis fritos com uma Coca Cola estupidamente gelada.
O marido andava desconfiado. Conferia tudo e não achava nada e nem ia achar, porque a Marisa era danada de esperta. Sua única preocupação era com a secretária do futuro, a velhota cujo cabelo parecia um ninho de gorrião, uma casinha de joão de barro.
Estava ficando nervosa com a situação. Ao menor estalo, dava um salto. Por qualquer coisa, chorava. O Guilherme, de soslaio, observava-a, mudo. E a Marisa, naquela base.
Certo dia, a Marisa saiu do apartamento do João Pedro e tááá´,  foi direto pra pastelaria. Estava com uma fome de leão, ou melhor, de leoa, a tarde fora looonga...
Mal terminara de sentar e a secretária do futuro puxou uma cadeira e sentou do lado dela.
"Oiiii, diz uma coisa..."
A Marisa quase teve um treco, mas conseguiu se controlar.
"Como é que tu consegues?"
Ai, meu Deus...
"Faz tempo que eu venho te observando...andas comendo bem, hem? " E soltou uma risadinha.
Era uma cilada, claro que era, só podia ser uma baita arapuca armada pelo Guilherme!
A Marisa não sabia se continuava mastigando o pastel,  se respondia alguma coisa ou se, simplesmente, fugia dali. O instinto de sobrevivência fê-la pensar " vou ficar muda". Seguiu comendo o pastel, vorazmente, os olhos esbugalhados, fixos na secretária do futuro.
" Olha,  desculpa eu te falar, viu, não queria te perguntar isso assim,  mas é que, na verdade..."
Aquilo foi demais, cansou a beleza da Marisa:
 Fala logo,  falaaaaa!
" Diz uma coisa, qual é o andar mesmo do teu dermatologista?"
O quê? A Marisa tava quase desmaiando...
"Sim, meu bem, teu dermato, sempre vejo vocês juntos, entrando ou saindo...Que tratamento, hem, tua pele tá simplesmente espetacular!!!"
Foi-se, a raça da Marisa. Empurrando a cadeira,  pagou os pastéis e a Coca Cola e saiu porta afora, engasgada, não sabia se com uma ervilha, o restinho da coca ou com o papo furado da secretária do futuro.
Dali da esquina mesmo, mandou um recadinho pro João Pedro:
Terminou, Jojô! Fedeu, pintou sujeira. Te falei, eu sabia...e a culpa de tudo é da secretária futuro!









terça-feira, 29 de abril de 2014

El Pañuelo de Mamá

Como está chegando o Dia das Mães e sou de véspera, comecei a dar  meus costumeiros volteios, sempre que quero evitar um fato ou condição da qual não tenho como escapar: sim, eu não tenho mais mãe.
É uma pena, um desastre, é algo que deixa a gente tão infeliz e com uma sensação de desamparo que, passe o tempo que passar, ela fica ali, como se fosse um ínfimo espinho encravado no coração.
Depois que não temos mais nossa mãe,  tudo fica bastante brutal, no sentido de que aquele amor incondicional  que desfrutávamos, na maravilha dos dias, das semanas, dos meses e dos anos que corriam lentamente, e que tivemos a ventura de viver,  nunca mais.
Não há palavras para descrever o que produz na gente a ausência da mãe.
Entretanto, para homenagear a minha Mãe Maravilha, a dona Kila, como todos a conheciam, embora seu nome fosse Célia Angélica,  não falarei de tristeza, deixarei de usar palavras como saudade, eterno, e deixarei  de fazê-lo porque ela não gostaria de me ver triste e, como dizia meu pai, com lágrimas.
Quando falar de minha Mãe, lembrarei da alegria de seu riso, exaltarei sua sabedoria,  honrarei o sobrenome que ela me deu - Fernández, tem sobrenome mais bonito que esse? só o Mondadori, tão bonito quanto.
Desculpem-me, amigos queridos, vejam vocês o que minha Mãe é capaz de evocar em mim.
Somente sentimento bons, é o que a lembrança dela me traz porque jamais a ouvi gritar, o contraponto perfeito à figura do meu pai,  que falava bem alto com seu vozeirão, a suprema ternura com seu andar lento, seus cabelos castanhos e curtos, quase na altura dos ombros, fininhos como seda, olhos castanho escuros sempre luminosos e sua voz, que  entremeava  expressões em espanhol e em português, num dialeto único, só seu.
Para homenagear minha Mãe, cantarei muchos tangos y boleros, especialmente aqueles que ela mais gostava.
Sim, a minha Mãe era um ser iluminado e é assim que a vejo sempre, porque penso nela e nos ensinamentos que meu passou,  todos os dias,  não somente no segundo domingo de maio.
Minha Mãe era vaidosa e elegante, andava perfumada e bem vestida e tinha uma gaveta em sua cômoda onde guardava uma coleção de lenços e echarpes para todas as ocasiões. Cada vez que abria a gaveta, dela exalava um perfume inconfundível, um cheiro que lhe era peculiar, uma delícia!
Aquilo exercia sobre mim uma espécie de encantamento; enquanto ela escolhia o lenço ou a echarpe, eu ficava ali, muda, observando aquele ritual. Ela percebia meu olhar e, rindo, me dizia: " Mirá que lindos, nena, los pañuelos de mamá!"
Para te homenagear, Mãe, no teu dia, colocarei um pañuelo colorido e perfumado como tu, uma forma de te sentir mais perto de mim.
Sei que, de onde estiveres, sorrindo, dirás: " que hermoso pañuelo, nena,  igualito al de mamá!"




segunda-feira, 28 de abril de 2014

De Relancina

Dia desses nos juntamos, um grupo de mulheres,  e o assunto andou daqui e dali e plá...caímos na questão da inexorável passagem do tempo, que não perdoa nada a ninguém, desse, não tem escapatória e, no final das contas, o jeito é rir para não chorar no cantinho com a situação, por vezes calamitosa, a que vamos sendo relegadas.
O espelho é, indiscutivelmente, nosso maior algoz, sempre a nos apontar aquela ruga nova que apareceu entre o sábado e o domingo, é, do nada ela se postou ali e dali não arredará pé a menos que nos submetamos a algum procedimento, nos mostra, sem nenhuma piedade as gorduras que vão se acumulando em lugares nunca antes visitados na história do nosso corpo, ri dos nossos cabelos que, sem uma boa escova e chapinha ficarão um misto de crespo com ondulado, ou seja, simplesmente horríveis, e, o pior de tudo, debocha de nossos peitos, outrora orgulhosamente empinados e agora, reduzidos a peitos-pera: peraqui.
É a treva!
Pensando no assunto, para variar ...um pequeno parentese: eu queria, um dia que fosse, parar de pensar um pouco, mas esta inesgotável fonte de bobagens que é minha cabeça não para.
Sigamos.
Sigue el corso.
Pensando no assunto, conclui e comentei com minhas amigas que urge fazermos alguns retoques enquanto a coisa não desaba de vez porque, se assim acontecer, nem uma junta com 10 cirurgiões plásticos resolverá a parada. Puxa um pouco, levanta, tira, bota - pra toda ruga, gordura localizada ou peito pera existe um procedimento salvador, desde que tenhamos grana mas, acima de tudo, coragem para fazer o que é necessário.
Enquanto não chega o dia em que iremos, resolutas, em direção a uma clínica de cirurgia plástica, algumas soluções paliativas, meramente paliativas, vejam bem,  me ocorreram, medidas simples que podem (e devem) ser adotadas, antes que você tenha um faniquito e resolva cortar os pulsos. Ou os peitos, o que seria um completo desastre.
A regra número um, a regra de ouro, eu diria, é jamais, jamais, olhar-se no espelho sob uma iluminação feérica.
Isso, nunca!
Feche as cortinas e deixe entrar apenas uma leve penumbra.
Regra dois: mantenha uma distância considerável do inimigo - não se esqueça, seu espelho odeia você, e vice versa.
Regra três: tire os óculos, ou as lentes de contato - atenção, cuidado para não perdê-las ou derrubar e pisar nos óculos, olha que você já está na penumbra!
Feita essa importantíssima preparação, coloque-se levemente de lado, observe sua imagem de relancina.
Assim, meu bem, na penumbra, de longe, sem óculos e de lado, ahhh, você vai enxergar apenas e tão somente o que seus olhos, que já não são lá essas coisas, né, quiserem enxergar!
Depois dos 50, não dá pra comprar briga com o espelho porque, desculpa se te magoo, ele sempre vai levar a melhor.

Pgraia

Quando morava em Porto Alegre, isto lá pelo ano de 1985, tinha um colega de trabalho que costumava acrescentar a letra G antes da letra R, ou, então, simplesmente engolia alguma sílaba e enfiava outra completamente diferente, nada a ver com nada, mas a letra G, essa não faltava.
Quando chegava alguém novo no escritório, ele, prontamente, se adiantava e, estendendo a mão, lascava:
Muito pragzer, Alfredgo.
O recém chegado olhava em volta, assim, meio em falso, tipo será que entendi bem? e o povo sufocava o riso.
Quando atendia o telefone, Pgrocuradogria, Alfredgo, às ordgens.
Aquilo era motivo de comentários no escritório e fora dele, nos almoços entre colegas e, a tal ponto a coisa ficou engraçada que, sempre que podíamos, começávamos a imitar o camarada. Chegamos, certa feita, a fazer um campeonato para quer quem o imitava melhor; o ganhador levaria para casa uma caixa de bombons.
Francamente...
Essa mania de fazer pouco dos defeitos alheios é algo feio, sim, mas a vontade de rir que toma conta da gente é deveras incontrolável.
A cada almoço, se ele ia junto, nem dava para almoçar direito, o Alfredo olhava o bufe e voltava, anunciando:
hoje tem salada de magnese, tem um monte de verdugras e, de sobregmesa, cregme de fgrutas. Um podegue!!!
Difícil almoçar com um barulho desses. Um bagrulho!
Certo dia, saímos, uma turma de amigos, e, entre uma caipira e outra, o pileque foi pegando e, quando nos demos conta, estávamos todos falando na língua do G, ou melhor, arremedando o pobre Alfredo que, por ser véspera de feriado, tinha declarado, solenemente, que não poderia nos acompanhar porque iria para a praia.
Ou melhor, para  a pgraia.
As gargalhadas estavam já tão altas que o pessoal das mesas nos olhava e ria também, mesmo sem saber qual a razão de tamanho estardalhaço.
Nós nos perguntávamos, uns aos outros:
E aí, não quis ir pra pgraia?
Então, me conta, porque desististe de ir pra pgraia?
Deixaste de ir pra pgraia só porque o Alfredgo foi, é?
E dê-lhe risadas e tapas na mesa e nos ombros uns dos outros.
De repente, o Auri ficou mudo. Mudinho da silva. Branqueou, depois ficou vermelho até a raiz dos cabelos, as orelhas de abano meio que arroxearam.
Um a um, fomos parando, intrigados com o silêncio do Auri.
Mas que diabos...
Do nada, surgiu, entre nós, o Alfredo.
Sério que nem guri cagado, ele nos disse, meio chorando:
Pessoal, pergdi a cagrona pra pgraia. Tanto que eu queria ir pra pgraia...eu adogro pgraia; posso ficarg aqui com vocês?
Fez-se um silêncio de sepulcro.
As pessoas das outras mesas pararam de olhar, nem te ligo, não sei de nada.
Acabou-se a noitada, um a um fomos nos levantando e saindo de fininho, ninguém ousou encarar o Alfredo, salvo o Auri que, na condição de chefe do setor, ficou pra tentar ajeitar o que não tinha conserto.
E nós, bem, nós, até hoje estamos nos perguntado se o Alfredo não escutou, se fez de louco pra passar bem, ou então, se ficou rindo da nossa cara.
Vergdadeigro mistégrio!





domingo, 27 de abril de 2014

Aspira!

No finalzinho de junho, terminado o semestre na faculdade, me largava pra Itaqui no mesmo dia,  para as tão esperadas férias, não aguentava a saudade de casa, dos amigos, da cidade.
Mês de férias, 40 dias atirada sem pensar em nada a não ser curtir  meus pais, as festas que nossa turma fazia e, claro, esperar a chegada dos aspirantes, o pessoal do CPOR que vinha fazer estágio no quartel local..
Atualmente, isso soa ridículo mas, em 1981, a novidade servia para quebrar a monotonia dos dias e aquecer o inverno da fronteira, sempre rigoroso.
Eles costumavam chegar em grupos de 10, 12 aspirantes e logo, logo, se enturmavam.
Naquele ano não foi diferente.
Ou melhor, foi.
Para mim, foi.
Estávamos no clube com nossa turma de sempre jogando conversa fora e aquele moreno lindo me olhava, me olhava sem parar.
Perguntei a minha amiga, tô vendo bem, será? claro que eu sabia que sim, mas, aquelas coisas, os ataques de idiotice que a gente tem de vez em quando, até que ele se aproximou, sorridente, e me tirou pra dançar.
Conversa vai, conversa vem, o aspira era de Porto Alegre e, como se não bastasse, éramos praticamente vizinhos, morávamos a duas quadras de distância um do outro, e o destino quis que nos encontrássemos  em Itaqui.
O estágio terminou, ele foi embora e eu ainda fiquei mais 10 dias, esperando o final das férias e, de repente, tudo ficou feio e sem graça e aquele tempo não passava nunca, e eu queria, desesperadamente, voltar pro Portinho para encontrar outra vez aquele morenaço que, além de lindo, parecia ser um cara muito legal.
Voltei no início de agosto e, para minha felicidade, o aspira também estava loucamente apaixonado por mim, e dali engatamos um namoro que durou dois ano e meio e terminou porque eu,  vê se pode, euzinha aqui achei que, bem, estava na hora de terminar.
Às vezes me pego pensando no porquê daquela atitude tresloucada, de ter deixado um amor que era bom, alegre, o aspira era um parceiro e tanto, inteligente, culto, ambos gostávamos das mesmas coisas e nos divertíamos muito juntos.
Foi um tempo de felicidade total.
Em tempos de repensar nas coisas da vida, o fim do namoro com o aspira entrou para minha  lista de mancadas do século!

Cinquentinha

Uns meses antes de completar 50 anos fiz altos planos, um mais mirabolante que o outro: festa faraônica, viagem a lugares exóticos, um ano sabático, quem sabe?  enfim, tudo o que a mente levemente enlouquecida de uma geminiana é capaz de imaginar.
De tanto planejar, a coisa foi indo de tal forma que acabou acontecendo exatamente o que eu mais temia, ou seja, nada.
O dia dos meus 50 anos amanheceu como qualquer outro e não houve espoucar de foguetes, nem banda marcial ou orquestra para saudar o meio século de minha existência.
Apenas uma simples comemoração com meus colegas de trabalho, uma saída para jantar mais tarde, e isso foi tudo.
Uma decepção, confesso.
Mas a decepção foi, de fato, comigo mesma, por conta daquele velho hábito que insisto em afastar de mim, de esperar demais dos outros.
Meu presente de aniversário para mim mesma foi um choque de realidade e uma conversa tête a tête, sem retoques e sem nenhuma condescendência, não tive a menor chance de escapar e não vislumbrei outra saída a não ser enfrentar meus medos, abrir o armário e tirar de dentro dele todos os fantasmas que me assombravam, as realizações, os caminhos que percorri, os desvios que tomei, é, foi uma conversa e tanto, daquelas em que a gente vara a noite e vê o dia surgindo...não dá pra sair incólume de um papo desses, não mesmo.
Por que razão precisamos esperar pelos outros para fazer o que desejamos e para realizar nossos sonhos?
Esta foi a primeira questão que se impôs e que ficou ali, incômoda, me cutucando.
E descobri que eu, e somente eu, sou a responsável absoluta por estes ou aqueles feitos em minha vida, pela viagem que desmarquei, pelo erro cometido, pelo amor que deixei passar com medo de vivê-lo, pela história que cortei pela metade apenas para me sabotar, pelos acertos, pelas vitórias.
Os 50 chegaram e se, de um lado, me empurraram de forma definitiva para resolver questões há muito tempo pendentes, é bem verdade que, de outro, me trouxeram uma certa urgência em colocar do lado de fora de minha vida alguns pesos inúteis, praticamente me obrigaram  a descarregar  os fardos que se tornaram pesados demais, e a focar apenas no que realmente interessa.
Então, quase chegando nos 53 e depois daquele papo cabeça comigo mesma, a coisa ficou mais ou menos assim:
Faço somente o que gosto, desde que não prejudique ninguém;
Digo não sem a menor cerimônia, porque meu tempo de aturar amolações já era;
Fico apenas na companhia de quem gosto muito e que sei que gosta muito de mim;
Não cultivo mágoas nem rancores, de todo que me hicieran de malo, me olvidé;
Procuro viver com alegria, rezo várias vezes ao dia e agradeço imensamente a dádiva de estar aqui, de acordar pela manhã e ver o Sol que vem surgindo, de observar as estrelas, ouvir a chuva, cuidar de minhas plantas, de ser senhora de mim e de meus desejos;
Estou tentando, bravamente, comer menos e andar mais, mas sem stress ou neura;
Cultivo os amigos que tenho, procuro dar a eles o melhor de mim;
Não tenho mais bagagem, levo apenas o estritamente necessário;
Leveza,  joie de vivre...punto e basta!







quarta-feira, 23 de abril de 2014

Supermercado Mimimi

Numa das minhas tantas idas ao Portinho,  precisei ir ao super.
Até aí, normal.
Cheguei num estabelecimento lindo, enorme, enfeitado, bá, espetáculo de supermercado.
Como boa interiorana, comecei a andar calmamente pra lá e pra cá, sem pressa alguma, afinal, tinha tantas coisas para ver. O povo passava  apressado por mim e eu, nem boletas, só desviando com o carrinho vazio.
Não me deixei impressionar, e continuei meu lento caminhar por aquele sem fim de prateleiras, observando tudo.
Aliás, observar pessoas e objetos é um dos grandes prazeres que sinto quando estou no Portinho, mas isso é outro papo.
Seguindo na função do super, parei na padaria, of course, e pedi, sorridente, " dez pãezinhos, por favor".
A pessoa que me atendeu não estava em seus dias. Nem uma palavra, nem uminha palavrinha, nada! Apenas ensacou os dez pães e, estendendo o pacote através do balcão, olhou para o lado e bradou:
 " próximoooo".
Credo!
Aquilo me espantou, viu, acostumada que estou a chegar no Supermercado Duda, onde sou tratada a pão de ló, sempre recebida com atenção, carinho e o sorriso do pessoal da padaria, que me pergunta " que vamos levar hoje? ", me entregam o pacote com um" obrigada, volte sempre", ninguém acha estranho se perambulo de um lado para o outro, se paro no meio do caminho porque encontrei algum conhecido e fico conversando, todos, todos tratam a gente muito bem.
Refeita do choque, comecei a pensar seriamente em sair dali  e fui em direção ao caixa.
A menina que atendia deu um resmungo: dinheiro ou cartão? e falou tão baixo que não deu para ouvir. Perguntei: como? O mesmo resmungo, dinheiro ou cartão? desta vez, com certa impaciência na voz.
Aí, fui me emburrando. Fechei a cara. Ué, sais, mas afinal de contas...Dinheiro, falei.
A medida que as coisas iam passando, ela começou a abrir freneticamente as sacolas plásticas, plá, plá, plá...
Esperava que eu guardasse as compras.
E é claro, é " ovos", como diz minha amiga Vera, que não guardei, minha porção matuta do interior que até então se resguardara aflorou e, propositalmente, encostei-me no balcão e cruzei os braços.
Ela me olhou, fula da vida, porque viu que eu não ia guardar nada. Eu olhei pra ela, fula da vida, fuzilando com os olhos, avisando que sim, ela estava certa, eu não ia guardar nada. Afinal, aquela tarefa era dela que, além de mal educada, pretendia transferir para mim um trabalho que não era o meu.
Conclusão:
Enquanto transcorria aquela cena, eu pensava: mas que supermercado mimimi, isto é, metido a besta, cheio de noves fora zero, atulhado de coisas e loisas, todo politicamentiiiii corrréééétooo, mas em matéria de atendimento, te devo e truco!
Passei a mão nas sacolas e não me contive: " francamente, que horror isto aqui!!!
Fui para a fila do táxi caindo e levantando e ali, naquele momento,  senti uma saudade louca da minha cidade, do meu Itaqui, do super que não é meu mas é onde me sinto em casa, onde levam, pasmem, levam minhas compras até o carro, um luxo de atendimento!
Supermercado mimimi do Portinho, never more!









O Abraço do Pai

Sempre sinto saudade do meu Pai, sempre. Não há um dia sequer que eu não lembre dele.
Meu Pai, meu amigo, meu colega, meu companheiro de tantas manhãs e tardes de conversas e risadas, de viagens lindas, das idas para a estância do meu avô Atílio, dos banhos de mar, meu porto seguríssimo!
Hoje,  mais do que nunca,  senti a  falta de suas mãos protetoras, de sua voz de trovão e daquele abraço apertado que ele costumava me dar cada vez que nos víamos.
Invariavelmente, abria um sorrisão  e exclamava: " que tal, China querida?"
E me abraçava, me abraçava muito.
Hoje, por duas vezes, em diferentes circunstâncias que não vem ao caso, pensei nele, senti falta dele, até me pareceu, num dado momento, tê-lo visto, parado, olhando para mim. Seu sorriso era triste, como tristes eram as questões que me tocaram resolver e que, pela graça de Deus, resolvi.
Mas depois, a sensação foi a de  ter escalado uma montanha rochosa, uma subida íngreme que consumiu minha energia, meu sono, meu sossego.
Consegui chegar até o topo, e cheguei carregando uma bagagem de verdades que fui recolhendo ao longo do caminho, e nenhuma delas foi agradável.
Um duro aprendizado sobre as transformações do ser humano, a mudança de valores...
Hoje, Pai, eu queria demais poder ter o teu abraço, afinal, " cariño como ese,  jamas existió".
De uma forma ou de outra, te senti presente, e foi justamente essa presença silenciosa e invisível,  mas constante, que me deu a força necessária para continuar a subida.
Desculpem, amigos, este texto triste.
Muitas vezes, vertemos no papel as lágrimas que tentamos, valentemente, segurar, como se a página em branco fosse o abraço que tanto queremos e precisamos.
Por sorte, o amor que recebemos fica gravado, não se perde, perdura.
Sei, Pai, que se estivesses lendo este texto, dirias " mas o que é isso, China querida? O Papai não gosta de ter ver assim, com lágrimas".
E, com isso, me farias sorrir.
Obrigada, Pai, pelo amor que me deste: ele continua, intacto, no meu coração.










O Fim do Amor

Quando descobrimos que o amor acabou?
 Foi em um dia qualquer da semana, ou naquele ano em que aconteceram tantas coisas que mudaram tudo, ou,  simplesmente,  a prática reiterada de determinados comportamentos tornou tudo  tão sem sentido que concluímos que ali não existe mais nada, e só nos resta colocar o ponto e virar a página.
Aqui não me refiro somente ao amor entre duas pessoas, mas ao amor que sentimos por pais, irmãos, filhos, amigos, a todos os tipos de amor, a pessoas que são detentoras de nosso afeto. E, justamente por serem sabedoras do amor que por elas nutrimos, acreditam piamente que ele será eterno e que por mais que o pisoteiem, ele seguirá, incólume, em nosso coração.
Ledo engano.
Há tempo para amar, e há tempo para enxergar que o amor que sentíamos terminou.
Amarga decisão, a de deixar aquela pessoa que um dia amamos sair da nossa vida, ir embora. Não no sentido físico, ela até poderá continuar ali perto, ao nosso lado;  poderemos vê-la esporadicamente, não importa.
O que vale é que o fim foi decretado pelo coração e, quando isso acontece,  não tem mais volta.
Quebrou-se o elo.
Somaram-se as incontáveis desavenças e as intermináveis discussões, a crueldade foi se tornando uma constante, os anos foram passando e a mudança de sentimentos, ou a exposição dos verdadeiros motivos que levavam aquela(s) pessoa(s) a ficar perto de você foram aparecendo com uma nitidez impressionante e dolorosa.
E aí, um dia, um belo dia, você diz basta. 
Talvez  a sua decisão tenha levado um mês, um ano, dez anos. Às vezes, a vida toda.
Entretanto, nunca es tarde cuando la dicha es buena, diria minha Mãe.
Por isso, embora seja difícil apartar-se de um amor que terminou, trata-se de uma decisão de vida, de sobrevivência.
Muitas vezes, tentamos enganar a nós mesmos achando, inclusive, que a culpa pelo desfecho desta ou daquela situação é nossa, tal o grau de dependência afetiva que sentimos. O outro, aquele ser idealizado, é perfeito, jamais detentor de maus sentimentos.
Um dia, um belo dia, as máscaras caem e nos deparamos com a realidade e, por mais dura que ela seja, enfrentá-la de frente é preciso, num processo lento e diário de reconstrução.
Coragem, é a palavra que me vem à cabeça.
E, claro, João Guimarães Rosa:
" O correr da vida embrulha tudo.
A vida é assim: esquenta e esfria,
aperta e daí afrouxa,
sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem."



quinta-feira, 17 de abril de 2014

Sinceridade Rude

Não pretendia me manifestar sobre o brutal assassinato do inocente de Três Passos, porque tenho opinião formada sobre certas coisas e essa mesma opinião desagrada profundamente os que gostam de passar a mão na cabeça de bandido, acham que quem comete um delito gravíssimo tem todo o direito de receber visitinha e ficar fazendo crochê e fabricando cesta de jornal amassado e que nós, daqui de fora, temos obrigação, sim senhor, obrigaçãoooo de ir até lá, amaciar a fera. Sei que isto é algo extremanete polêmico e possui correntes de pensamento e as mais diversas teorias, mas esta opinião é a minha. Quem se sentir incomodado, que pare de ler ou vá procurar no Google " batatinha quando nasce, esparrama pelo chão".
Sinceridade rude, como expliquei, já no título.
Calar, numa hora destas, é omissão, é medo de botar pra fora o que todo pai e toda mãe que se preze está sentindo: nojo, raiva, indignação. E não sou de me calar e muito menos de ficar quieta e ainda menos de seguir a corrente dos que fingem que não é no seu quintal que a merda foi cagada, e fingem, apenas fingem que está tudo bem obrigada, e que, afinal, nada se pode fazer, não foi na nossa cidade, não pertencem ao nosso círculo social, são pessoas que não conhecemos, então, calam-se.
A sociedade, como um todo, tem que verbalizar seu desprezo por tão ignóbil ato. Ao menos isso.
Estas leis frouxas, essa moda que vem sendo adotada de uns tempos pra cá, de vitimizar o bandido, de
tentar tapar o sol com a peneira, sinceramente, não creio que isso sirva para melhorar ninguém que cometeu um ato bárbaro. Tenho certeza que um tarado desses, depois de uma entrevista ou da  visita de algum  ser abnegado, deve rir. Rir muito.
Não acredito no arrependimento de monstros, nem em suas lágrimas de crocodilo, não mesmo!
Notem bem,  não estou criticando o trabalho que tantas pessoas desenvolvem, de forma alguma. Louvo-as e até invejo, porque jamais teria essa paciência, essa pureza de alma, tanto desprendimento, não adotaria uma atitude assim. Água mole em pedra dura tanto bate até que fura, diz o ditado. Só que, para determinado tipo de gente, não tem reza no mundo que resolva.
Há crimes e crimes.
Talvez para aqueles de menor potencial ofensivo funcione.Talvez.
Agora, tentar ajudar essa trinca de monstros que arquitetou friamente a morte daquele pobre gurizinho de apenas 11 anos, valha-me Deus. Sou contra, radicalmente contra.
Sim, porque arquitetaram, pensaram, pesaram, mediram.
Confabularam.
A trinca maldita deve ter se reunido diversas vezes e não tenho a menor sombra de dúvida que a sentença de morte do inocente foi prolatada dia 11 de fevereiro deste ano, imediatamente após a famigerada audiência de "tentativa de conciliação". Mas de que conciliação me hablas? O pobre guri andava pra lá e pra cá - ninguém via isso? Viam, claro, só que não levavam a sério. Não queriam se envolver. Evidente que, após a audiência, o trio de facínoras de reuniu e bateu o martelo: esse daí, só matando, pra parar de incomodar.
Todos tem direito a defesa?
É, " dizque"...así dicen los muchachos.
Gente que faz o que o trio de vagabundos fez com esse garoto indefeso não tem.
Não tem!
Que direito teve o pobre inocente?
Nenhum.
Fazia anos que pisavam, solenemente, no meio da cara daquela pobre criança.
Como ele pode se defender?
Não pode!
Aliás, esta noite, na qual perdi o sono e andava pela sala pensando nessa vítima da barbárie humana, como se meu parente fosse, cheguei a rezar e pensei, " tomara Nossa Senhora tenha protegido esse inocente e ele não tenha se dado conta do que vinha pela frente".
Tomara.
Mas, pouco provável.
O guri era esperto, atilado.
Vão omitir certos detalhes e é bom que omitam mesmo, sob pena de a população invadir o local onde estão os três vagabundos e linchá-los.
A gente fica se peguntando, como pode um cara que é médico, a outra, enfermeira, a outra assistente social, como, como?
Respondo:
Isso é o resultado de um ódio antigo, beeeeem antigo.
Ódio nutrido e alimentado pela camarada enfermeira que, logo após a morte da mãe do guri, " prontificou-se" para cuidá-lo - então tá...e mais depressa ainda, casou com o pai do garoto. Ódio nutrido pelo pai em relação à ex mulher, pela partilha dos bens.
Ódio cozinhando em banho maria e fogo baixo durante anos.
Loucos por dinheiro, pelo vil metal pior que peru por merda.
Um dia, o ódio eclodiu.
O trio de facínoras começou a urdir desde a fatídica audiência, no me cabe duda.
Como dizia meu professor de Direito Penal, quem perde é o morto, o resto do povo, sacode daqui e dali, termina por se ajeitar.
Ele, a vítima inocente, ele não.
Por isso me revolta  tanta condescendência com bandido.
Se meia dúzia mofasse na cadeia e outra meia dúzia apanhasse até ficar aleijado, quem sabe pensassem melhor antes de cometer atrocidades.
Enfim, o que sobra é um gosto amargo na boca da gente, e aquela sensação terrível de impotência, mesmo morando longe, mesmo sem saber quem são, mesmo sem conhecer.
Mataram uma criança indefesa e inocente.
Choremos por ele.
A Justiça, infelizmente, neste caso(como em tantos outros), não vai servir de consolo.












terça-feira, 15 de abril de 2014

Amigos

Considero-me um ser extremamente feliz, por ter os amigos que tenho, e falo de boca cheia que eles estão nos mais variados pontos deste mundão de Deus.
Tenho a suprema ventura de ter amigos e pessoas que me cercam em diferentes ocasiões e horas do dia, da semana, dos meses. Amigos de anos, gente que conheço desde que me conheço por gente.
Amigos de fé, que me acompanham desde sempre, que eram amigos de meus pais antes de serem meus amigos e, por tabela, meio que em adotaram.
Amigos do tempo da faculdade, do tempo do colégio - do Santa Teresa, amigos dos tempos do Felipe Néry, que ainda hoje vejo e que moram no meu bairro do coração, meu bairro maravilhoso, Cerrinho - Dois Umbus.
Passando por qualquer um deles pela rua, faço questão de acenar, de dar meu popular grito " oiiiiii, mas e aíííííí" e como isso alegra minha alma, posso ter o maior pepino para descascar, a maior bucha para desmontar, não importa, o simples sorriso de um deles me traz tranquilidade e me dá um tremendo ânimo para continuar.
Ao longo da vida, a gente vai juntando afetos, conhecendo pessoas, e não me canso de repetir que, sem meus amigos, eu nada seria, minha vida seria cinza - a cor da tristeza, para mim. Com eles por perto, meus dias são coloridos.
Esta pequena introdução para contar duas coisas que me aconteceram, ontem e hoje, respectivamente.
A primeira foi um convite que recebi de uma amiga de minha filha Marina, ambas se conhecem desde os tempos de colégio, ela mora aqui, lembrou de mim... fui parar, ontem a noite, no Teatro Prezewodwski, para uma palestra com Tânia Zambon.
Simplesmente, um espetáculo!  E nada mais vou dizer, porque o principal é que você, que agora está lendo isto, se um dia tiver a oportunidade, saia de sua zona de conforto e vá conferir de perto - é muito, muito bom: crescimento e aprendizado, assim, de cara. O resto, mova-se e descubra!
E tudo isso graças a Patrícia, amiga da Marina, que muitas vezes veio aqui em casa nos tempos da escola e da invernada do CTG, a  Patrícia, que até ontem era uma guriazinha, e que agora é uma linda mulher  muito bem sucedida em sua carreira, que sempre que me vê, me abraça, me beija. Mas é como é bom isso, meu Deus do céu!
O outro fato aconteceu hoje: estou trabalhando e eis que surge uma outra amiga de longa data das minhas filhas, que não mora mais aqui, e foi ali apenas para me dar um abraço. Abraçar a tia Lia.
A Lenara, a Lenarinha , como eu costumo chamá-la, é uma linda mulher de 25 anos, Advogada, muito bem posta na vida, graças a Deus, mas deu-se ao trabalho de ir me abraçar.
Nós, mal nos vimos, nos abraçamos longamente e choramos: simplesmente, choramos, celebrando a alegria daqueles breves momentos,  ela, com seus 25 aninhos, eu, com meus 52.
Quero dizer com estes dois fatos que a amizade, esse sentimento maravilhoso, não reconhece  idade, nem a distância, nem a classe social, ou a casa onde seu amigo mora, ela apenas enxerga seu coração, só quer o seu abraço.
Nada mais, e nem precisa.
Poder ser, assim, acarinhada, é um privilégio que agradeço a Deus todos os dias.
Obrigada, amigos, pelo tanto do tempo de vocês que passaram e passam comigo, tornando meus dias muito melhores e completos!
Minha vida tem graça porque tenho vocês para compartilhar minhas vitórias e minhas derrotas, porque as mãos de vocês sempre se estendem para me amparar quando caio, para me abraçar,  ou simplesmente para não dizer nada - amigos se entendem apenas com um olhar.
Um beijo, amo vocês!





segunda-feira, 14 de abril de 2014

Esperando as Filhas

O máximo de tempo que aguento longe de minhas filhas, dos meus três amores, é 20, 30 dias.
Esgotado esse prazo,  a corda estica demais e não dá outra, pá, rebentou. O resultado é uma cara de ferreiro e um humor ácido, digamos assim.
Claro que essa lógica vale para mim, a mãe, porque elas estão vivendo um outro tempo, como eu também já vivi,  e minha mãe me esperava e suspirava e me ligava dizendo,  " nena, estoy doente de saudade"... eu não entendia aquilo, doente de saudade? como pode?
Pois é.
Agora, a dona Lia cinquentinha viu com quantos paus se faz uma canoa,  agora apertou o sapato, agora  me vejo zanzando pelo pátio, ajeitando uma coisa e outra mas o pensamento, ah, esse não me deixa em paz e simplesmente, depois de mais de 20 dias longe das minhas cajazeirinhas eu tô, também, ficando doente de saudade.
Eu tento, valentemente sair da toca.
E saio.Não em entrego, eu me mando!  Trabalho, salão, ginástica, amigas, reunião, enfim.
Mas nadica de nada disso supre a falta que elas fazem.
É na hora do mate, do café, da janta, do almoço - do almoço, então, nem se fala! A mesa ficou muito grande e vazia, sem graça, a mesa também está de mau humor, porque não existe nada mais feliz que um almoço ao redor de uma mesa cheia de filhos com todos rindo e falando, de preferência bem alto, ao mesmo tempo - coisa de italiano, e não nego que adoro isso.
Hoje faz 27 dias que não vejo minhas gordas e agora comecei a contagem regressiva.
Há uma semana, começaram os preparativos, que seguirão até quarta feira - a Rita chegará na quinta, a Marina e a Karina, na sexta.
Arrumação, enfeites, cardápio caprichado, tudo para esperar as pessoas mais importantes da minha vida.
Feriadão, para mim, é sinônimo de muito beijo, muito abraço apertado, papos intermináveis e aquela sensação maravilhosa de união, que te dá uma força incrível e enche o coração da gente de alegria.
Quinta feira, madrugada festiva pra esperar a Ritinha, ao raiar das 6:30; sexta feira, idem, Marina e Karina.
E quem se importa com isso?
Lá pelas 6, Alberto, eu, Bibo e Chiquinha já estaremos acordados, dando os últimos retoques para que tudo esteja lindo, gostoso e acolhedor.
A segunda feira está terminando, nem se conta mais.
Só mais dois dias e,  aí, adeus, saudade medonha!




sábado, 12 de abril de 2014

Quosque Tandem Abutere...

Quosque Tandem Abutere, Catilina, Patientia Nostra?
Até quando, Catilina, abusarás da nossa paciência?
Parte de um dos quatro discursos acusatórios pronunciados no Senado Romano pelo Cônsul Marcus Tullius Cicero - as Catilinarias, para denunciar a conspiração de Lucio Sérgio Catilina  há dois mil anos, aplica-se, ainda hoje, às mais diversas situações da vida.
Mas nunca é tão bem empregada quando alguém está no auge da indignação.
E nada nos causa mais revolta quando constatamos que estamos sendo tomados por idiotas, que a realidade está, há muito tempo plantada bem diante de nossos olhos e insistimos em não enxergar o óbvio, que nossa boa fé vem sendo continuamente solapada.
Como é difícil para o ser humano desfazer os laços, soltar as amarras, deixar o que foi construído e cultivado, muitas vezes, por toda a vida, e recomeçar.
Um belo dia, ele olha intensamente para dentro de si mesmo e conclui que nada do que parece,  é.
Dali para a frente, torna-se imperioso desfazer aquele verdadeiro nó górdio que o amarrou  - e que ele, ingenuamente, ou não, ajudou a atar.
Questão de sobrevivência, questão de honra, questão de amor próprio, llámalo como quieras, pero es necesário salir a flote para poder (tentar)resgatar o que deixou de ser vivido, e usufruir o que a vida trará.
Respirar novos ares, observar outras paisagens.
A paciência, um dia, termina.
C'est  fini!


quinta-feira, 10 de abril de 2014

Fogão a Lenha

Um fogão a lenha tem seus encantos!
Havia um na casa de minha avó materna, Adelaida, na casa do meu avô paterno, Atílio e, claro, na casa dos meus pais.
Na casa de minha avó Adelaida, no Alvear, ele ficava bem no meio da cozinha, sempre aceso, com suas brasas brilhantes e um grande panelão de doce de mamão, borbulhando, dourado,  perfumando a casa toda e deixando a vizinhança com água na boca. Estirados sobre o chão e junto ao calor do fogo, estavam os gatos de doña Adelaida, um preto, outro cinza, um bege, um, cor de burro quando foge; os gatos não perdiam ponto de nada, sempre atentos aos movimentos de Otília, a cozinheira que, uma e outra vez,  jogava para eles uns pedacinhos de carne. No forno, um pan dulce crescia, devagar, como devem crescer os pães, feito especialmente para el té de la tarde, outra das tantas maravilhas que eram preparadas na casa da vó. Nós chegávamos de Itaqui lá pelas 11 da manhã, minha Mãe e eu, e íamos direto para a cozinha, onde tomávamos um chá com leite com pão torrado e manteiga, pão torrado na chapa do fogão - um espetáculo!
Na casa de meu avô Atílio, o fogão a lenha também ficava no meio da cozinha e dali saíram as melhoras iguarias que comi na vida, desde o simples feijão até um suflê de aspargos ou um tatu assado, cujo molho amadeirado mãe Gija, a cozinheira, me fazia provar, embebido em pedacinhos de pão. Nós ficávamos sentadas na cadeira da cozinha, ela e eu, ela sempre destampando as panelas e abrindo a portinhola do fogão para colocar mais lenha, não sem antes gritar para os cachorros Amigo, Tupi  e Chita, sempre latindo e abanando a cola: " saaaiiiiiiiiiiiii ".  Lá pelas tantas, aparecia meu avô para pedir seus dois ovos fritos e um bife na chapa.
Amigos, um bife feito numa chapa de fogão a lenha,  com um pedaço (generoso) de pão d'água, é para alegrar qualquer coração!
Na casa de meus pais, o fogão a lenha ficava no canto da cozinha, perto de uma janela.
Como lembro do meu Pai, em sua cadeira de balanço, tomando lentamente seu matecito, a chaleira sobre a chapa quente, dividindo espaço com uma panela de doce - minha Mãe fazia a mesma coisa que minha avó fazia, e eu  tento fazer igual, porque cheiro de doce, para mim, é sinônimo de felicidade.
O fogão a lenha começava a funcionar logo ao primeiro frio do Outono, e só era deixado de lado no rigor do Verão.
Aquecia a enorme cozinha de nossa casa, exercendo sobre nós, sentados a sua volta observando o estalar das lenhas e as brasas que se formavam, uma espécie de encantamento, até precisar sair para o pátio gelado e buscar mais lenha, e assim passávamos, conversando fiado por horas a fio.
O ventinho frio de hoje me fez  lembrar dos fogões a lenha que fizeram parte de minha vida,  em torno dos quais tantas histórias foram contadas e tecidas, alegrias compartilhadas, almas aquecidas.
Momentos lindos e mágicos que não se perderão, nem com a bruma do tempo.




Ratonita

Certo dia do longínquo ano de 1965, minha Tia Maria Luisa chegou do Alvear com um presente para mim: era uma pequena ratinha de borracha, com um vestido de bolinhas vermelhas e brancas e um tope, também vermelho,  na cabeça.
Imediatamente, encantei-me por aquela rata sorridente, de olhos pretos e brilhantes, a qual passei a chamar de Ratonita,  porque a influência do espanhol era uma constante em nossa casa.
Minha nova amiga e eu andávamos por todos os lugares, não nos separávamos jamais. No  meu imaginário de criança, eu  mantinha longas conversas com ela, que me acompanhava na hora do almoço, nas andanças pelo pátio, na janta, na hora de dormir.
Ratonita era uma amiga leal e, embora fosse de borracha, era como se fosse um ser vivo, tinha alma.
Quando me via triste,  olhava-me com seus enormes olhos negros,  e seu ar risonho logo me fazia esquecer a manha e recomeçar a brincadeira; se me via alegre, sua boca abria-se ainda mais para sorrir.
O vestido de bolinhas vermelhas e brancas estava sujo, encardido, mas ninguém podia chegar perto dela para nada, só eu.
Um belo dia, em uma das tantas arrumações da Dona Kila (minha Mãe), Ratonita sumiu.
Foi num final de tarde que me dei conta que ela não estava em nenhum dos lugares que costumava ficar, jogada displicentemente.
O desespero começou a tomar conta de mim, e toda casa parou e entrou em polvorosa atrás da rata de borracha: meu Pai logo, logo se impacientou e levantou a voz e começou a gritar, fato que levou Pastor, o cachorro, a latir enlouquecidamente, minha mãe abanava-se, agitadíssima, meus irmãos a tudo assistiam, indiferentes, e eu chorava, desconsolada,  estirada sobre o sofá da sala.
Fui dormir sem minha Ratonita, sem poder olhar para seus olhos negros brilhantes e sua boca sorridente que eram como um abraço, sem tocar no vestido de bolinhas vermelhas e brancas, sujo e encardido. Por diversas vezes, naquela noite, acordei chorando, à procura dela, mas seu cantinho estava vazio.
Ratonita nunca mais foi encontrada.
Ficou um ano comigo e foi embora, provavelmente dentro de alguma caixa de objetos inservíveis, só Deus sabe para onde.
Ainda hoje, lembrar dela me emociona.
E, dirão, como pode lembrar, se tinha apenas quatro anos?
É simples: os afetos e o amor deixam marcas em nosso coração, e elas jamais se apagam.
E Ratonita, a ratinha de borracha, sabia disso como ninguém!




quarta-feira, 9 de abril de 2014

Corazón de Manteca

La Maldad le preguntó a la Dulzura:
De que te sirve un corazón de manteca,
Que no sea para que seas el hazme reir?
Para que seas alvo de habladurias
y sussurros?

De donde sacaste ese corazón de manteca
que para nada te sirve,
hubicado en tu pecho
para hacerte sufrir?

Mas vale, en su lugar
quizás pone una piedra,
menos daño te hará...
será?

Para que te sirve un corazón de manteca?

La Dulzura contestó:

Cállate, Maldad!

Mi corazón de manteca me hace ver
la alegria del sol
la delicia de la lluvia
la belleza de las flores
la hermosura de la luna
la imensidad del mar

Vete, Maldad!

Porque mientras me alumbram las estrellas,
en tu rostro no hay nada,
solamente oscuridad.











Poderoso Cavalheiro

"Poderoso Caballero es Don Dinero", dizia minha Mãe maravilha, " pero dinero no es todo", complementava.
E como estava certa!
Com dinheiro, tudo fica muito bem, obrigada.
Até aquelas pessoas que não lhe davam a menor pelota quando você era pobre de marré marré ou era um simples mortal comum e silvestre, passam a adorá-lo. Tudo em você é lindo, é perfeito, é belo.
Tudo que você faz ou diz é copiado e/ou imitado, sim, você é um ser espetacular com ideias geniais que nunca jamais ocorreram a alguém - somente a  você, que descobriu a pólvora.
Tanta hipocrisia é deveras lamentável, para não dizer que é algo nojento, porque até uma criatura de mediana inteligência se flagra de que toda aquela verdadeira pantomima não passa disso: de uma pantomima, arremedo grotesco de um sentimento inexistente.
Astuto, o Poderoso Cavalheiro escolhe a dedo sua presa,  sabendo de antemão que,  no coração daquela pessoa encontrará espaço suficiente para infiltrar-se e fazer  valer suas exigências.
O Poderoso  Cavalheiro sempre cobra seu preço, ninguém fica imune a sua passagem: destrói famílias inteiras, acaba com amizades antigas, quem era bom é taxado de idiota, quem era mau passa a ser idolatrado no altar erguido em sua honra, e assim ele segue seu caminho, altaneiro, zombeteiro, superior, olhando de cima para os que não fazem parte de seu rol, deixando para trás suas vítimas,  estropeadas por seu galope infernal, arrasadas e humilhadas.
Para felicidade geral da nação, ainda há pessoas que não pautam suas vidas apenas pelo dinheiro.
Valorizam a amizade, o companheirismo, o afeto.
Son pocos.
Pocos, pero buenos!




terça-feira, 8 de abril de 2014

Geminianos

Gêmeos é, disparado, o melhor signo do Zodíaco, e afirmo isso porque as pessoas que tem contato com um geminiano autêntico são privilegiadas: estão lidando, na verdade, com dois seres distintos, embora indissoluvelmente ligados.
Quem é de Gêmeos sabe do estou falando.
Se não, vejamos.
De modo geral, o geminiano detesta domingos, porque a maioria deles lhe parece monótono, melhor dizendo, previsíveis.
E nada como a previsibilidade de alguma coisa para aborrecer profundamente um ser agitado, falante e arejado como um geminiano.Aquela pasmaceira do domingo com todo o roteiro escrito é extremamente pesada para um ser que gosta de movimento.
Ué, então vai para o meio da multidão, dirão.
Não é nada disso. No fundo, no fundo, se ele for parar em uma movimentada feira, por exemplo, ficará pensando, mas afinal de contas, o que será que eu vim fazer aqui? Deveria ter ficado em casa, tranquilo e sereno.
Por tais razões, o domingo é um dia no qual o geminiano pensa, e pensa muito, o que costuma causar grande inquietação a sua alma, porque dificilmente não pensará naquele problema quase insolúvel que precisa resolver e não sabe nem por onde começar. Por outro lado, a ausência de algum questionamento maior leva-lo-á, inevitavelmente, a um tédio atroz, e ele pensará, tomara que termine este dia e venha logo a segunda feira.
Caminhando na contramão da humanidade, eis que surge o geminiano em seu local de trabalho na segunda feira, lépido e faceiro, mas não sem antes ter pensado, durante o caminho, nossa, que coisa mais chata, começa tudo outra vez, estou com tanto sono, se hoje fosse feriado, poderia ter ficado até tarde lendo aquele livro maravilhoso...
Ao primeiro gole de café preto, recomeça a  semana e ele sente-se a mil, antenado e pronto para resolver o que for possível. Sim, porque o impossível será realizado, ele pensa,  nada de cansar demais a beleza e nem gastar tanta pólvora com chimango.
Passam-se os dias, e o geminiano segue seu curso com a dualidade que lhe é peculiar: será que vou ao aniversário, ou à academia? se bem que aniversário é só uma vez ao ano, né, academia tem todo dia...
viajo,  para sair da rotina e respirar um ar diferente? melhor, não...muito tempo fora...quem cuidará dos meus gatos? deixarão morrer minhas plantinhas que levei um ano cultivando e pelas quais paguei uma nota preta na floricultura? Ah, que se dane tudo, vou e pronto! Mas, assim que entra no ônibus, começam a cair algumas lágrimas, que ele disfarçadamente seca, porque começa a pensar que, afinal das contas, a vida na paróquia que habita é muito boa...
Jamais cometa a suprema loucura de querer patrulhar um geminiano. Aí, perdeu! Quem é de Gêmeos precisa de ar, de espaço, do abraço que acolhe sem sufocar, do carinho que cuida sem vigiar, do amor cultivado, dia após dia, de alegrias compartilhadas. Aliás, via de regra o geminiano é alegre, agregador. Quieto, ou está com dor de estômago, ou debatendo um assunto de alta indagação com seu outro gêmeo, e o melhor a fazer é sair de fininho e não perturbar.
Geminianos adoram um pouco de suspense, só para deixar seu interlocutor com vários pontos de interrogação no olhar.
Por isso, quando você achar que sabe tudo sobre um geminiano, no te iludas, hermanito: todavia te falta mucho!







segunda-feira, 7 de abril de 2014

Rata de Livraria

O primeiro amor de minha vida foi um livro.
Sei que isso soa um tanto quanto bizarro, mas a verdade é que quando, aos 7 anos, meu pai presenteou-me com Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato, fiquei irremediavelmente apaixonada por aquele história e ligada para o resto de minha vida à leitura, sem a qual seria como viver pela metade.
Tamanho exagero de sentimentos por um livro?
Sim.
Meu Pai era um leitor voraz, minha Mãe, idem, minhas tias maternas, também, e esse fator criou um verdadeiro circuito de informações sobre os melhores livros, os piores, os que estavam no topo, os que não constavam de lista nenhuma mas eram igualmente bons, e assim por diante.
Tamanha mistura achou em mim terreno fértil, a ponto de trocar livros com minhas tias argentinas que, por sua vez, a cada vinda a Itaqui, chegavam sempre  com um livro em punho, podia ser um romance ou de poesias, mas eram lindos.
Desde que aprendi a ler e a escrever, a leitura fez, faz e continuará fazendo parte de minha vida, um hábito maravilhoso...um hábito não; tornou-se um hábito. O amor pela leitura é um verdadeiro legado que meus Pais e minhas tias maternas me deixaram, tão rico e fantástico que seu valor é incalculável, aliás, não tem preço.
De simples livrinhos infantis que continham cinco, seis páginas, em português ou em espanhol, passando por Robinson Crusoé, as Viagens Fantásticas de Gulliver, Contos de Fadas, As Mil e Uma Noites, Quo Vadis, e assim, até os dias de hoje, perdi a conta dos livros que já tive em mãos, livros que vou lendo e passando adiante para minhas filhas e para meus amigos, porque quero compartilhar com todos o prazer inenarrável de uma boa leitura.
Rata de livraria,  El Ateneo, em Buenos Aires, é programa do qual não abro mão, assim como quando vou a qualquer cidade, acho que as livrarias tem algum tipo de imã que me atrai.
Dificilmente saio de mãos abanando.
Saber que disponho de um livro novinho em folha para ler desperta em mim uma alegria infantil, e começo a leitura com um verdadeiro ritual:  a primeira coisa que faço é abri-lo, cuidadosamente, sentindo o cheiro do livro que ainda não foi tocado ( não pensem que sou uma tarada, cheirando livros) e, acreditem, amigos, o livrito novo tem um cheiro peculiar; a seguir, olho o número de páginas: 400, 500? Menos de 250, classifico como livro pequeno, o que já me causa uma certa pena quando imagino que história será boa; então, olho a primeira página, toda ela, a edição, o ano, o título no idioma do autor, a editora - meu Deus, claro que vocês estão concluindo " esta mulher é louca", passando, finalmente, à leitura propriamente dita. Ahh, esqueci de dizer que leio, antes de nada, a contracapa.
Aí começa minha viagem, que poderá ser alegre ou triste, tediosa ou com aventuras alucinantes, envolvendo os mistérios do amor e do ódio, desbravadora de novas culturas e de outros mundos.
Jamais saio de uma leitura indiferente. Ela sempre me acrescenta algo, seja bom ou ruim, sempre soma, até se for para dizer " mas que porcaria de livro".
Para encerrar, uma sugestão: estou lendo Agente 6, de Tom Rob Smith, uma história que começa em Moscou no ano de 1965 e vai até as montanhas do Afeganistão na década de 1980: queeee livroooo!
E a curiosidade que senti sobre o tema  levou-me a pesquisar sobre as raízes da Revolução Russa,  sobre a invasão do Afeganistão, sobre a Guerra Fria, sobre, sobre, sobre...
Por favor, perdoem-me,  os que não são loucos por livros.
Somente quem é rato de livraria entende...






sexta-feira, 4 de abril de 2014

Esperança

Sob o encantamento da Lua,
minha solidão vestiu-se de gala
e saiu para passear.

Voltou abraçada ao amanhecer
que chegava,
repleto de promessas.

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Bullying

Quem sofreu jamais esquece.
Aos 8 anos, meus Pais decidiram que eu iria para outra escola.
Aquilo me doeu, viu.
Trocar o meu Felipe Néry, a minha escola amada por outra, totalmente desconhecida, não era lá coisa para se achar muita graça.
No Felipe, eu era livre.
Livre para comer sopa de trigo até me fartar, subir na árvore do pátio, brincar com meus colegas e, também, brigar com eles na saída.
Isso, aliás, era um caso à parte.
Nós ficávamos nos encarando todo o período de aula, resmungado, entre dentes: me espera na saída...e, em plena rua de terra, resolvíamos nossas pendências com muito puxão de cabelo, algumas cusparadas e uma que outra pedrada.
Sim, éramos selvagens. Doces bárbaros.
No dia seguinte, todos estávamos rindo juntos, e era dessa forma que resolvíamos qualquer tipo de implicância ou ofensa de um para o outro, ninguém levava desaforo pra casa.
No Colégio Santa Teresa de Jesus, mudou a bolachinha.
Simplesmente detestei aquilo. Uma escola enorme, gelada, com uma turma que eu não conhecia e onde uma colega se exibia mais que a outra.
Foi um ano difícil.
Voltava para casa emburrada,  sentava para tomar o café que a Mãe preparava para mim e não dava um pio, ruminando por dentro. A Mãezinha me dizia " que te pása, nena, no te gusta el colegio?"
Nãoooooooo!!!
Nem pedras havia na rua da escola pra gente se divertir na saída!
Como eu era xucra, vinda do Felipe Néry, algumas colegas me olhavam e riam, sabe, aquele risinho insuportável de superioridade.
Eu chegava em casa, e chorava. Não entendia aquilo, não sabia como me defender. Até porque, quando minha Mãe estava por perto, ou a professora, elas me tratavam muito bem.
Quando me viam sozinha, lá vinham elas com o sorrisinho asqueroso e os mais diversos apelidos.
 Um era o predileto: beiçuda.
Eu era uma criança magra, mas o bocão, esse nasceu comigo.
Aquilo me deixava tão mal, todo santo dia eu me olhava no espelho, analisava minha boca, e pensava: como é possível isso?
E chorava.
O Bullying é assim, uma coisa odiosa que te marca para o resto da vida.
Eu, cria do Felipe Néry, louca para dar uns bofetões naquelas idiotas, nada podia fazer. Era feio brigar, aquilo era coisa de piá de rua, não de uma menina educada, era o que me diziam.
Engoli o apelido e a raiva por anos a fio, até a 8ª série, quando o grupinho se dissolveu, uma foi embora, outra saiu da escola, a outra sumiu no mundo.
Foi quando pude respirar e enxergar a escola como ela realmente era: grande, linda, com um pátio imenso, uma biblioteca lotada de livros, a banda, a quadra de esportes, a capela, os professores maravilhosos.
 Mas a marca ficou.
Muitos anos depois, por puro acaso e em circunstâncias diferentes, encontrei o trio que me torrou a paciência por vários anos.
Uma, vi num shopping de Porto Alegre: uma matrona gorda e feia como a morte, em nada lembrava a garotinha loira e magra que fora um dia.
Outra, encontrei numa audiência no Foro, escabelada e com meia dúzia de dentes na boca.
A que sumiu no mundo, avistei faz um par de anos, muito bonitinha, mas vazia e burra de chorar no cantinho.
Nenhuma delas seguiu com os estudos, pararam por ali mesmo.
Claro que a primeira coisa que eu fazia, a cada encontro, quando chegava em casa, era olhar longamente para minha boca na frente do espelho e, depois, para meu belíssimo Diploma pendurado na parede.
Nessa ordem.
Naqueles dias, o risinho de superioridade foi o meu...

As calçadas do Felipe

Com cinco aninhos, e pelas mãos de minha Mãe, comecei a frequentar o Grupo Escolar Felipe Néry de Aguiar, distante apenas meia quadra de casa.
Radiante com meu uniforme de sainha pregueada azul marinho, camisa branca e meias três quarto, um caderno pequeno, um lápis Faber Castell e uma borrachinha, carregando tudo na mão, não havia pasta e muito menos mochila, entrei naquela escola mágica, onde passei os três anos mais felizes da minha infância.
Os preparativos começavam as 11 da manhã, com a Mãe determinando "nena, vamos a tomar un baño para ir a la escuela". Acreditem, jamais eu reclamava, tinha tara pelo colégio. Depois, com meu uniforme impecável, sentava numa cadeirinha alta - eu tinha só cinco anos, com um grande guardanapo sobre a blusa, " para não pingar nada", comia tudo, esganada que fui, desde sempre para, depois da escovação de dentes e arrumação dos cabelos, finalmente sair.
Nós íamos juntas, a Mãe e eu, de mãos dadas, caminhando despacito, embora eu tivesse uma pressa louca de chegar, meus olhos encantados de criança observando a calçada que teríamos que percorrer até o portão da escola.
Meia quadra, apenas meia quadra.
Mas aquelas veredas me pareciam enormes, largas, limpas, lindas. Não enxergava que a rua não tinha calçamento, que a poeira era grande, que as pedras abundavam por ali.
A minha rua era um poema puro, onde apenas a beleza das árvores plantadas nas calçadas( na de minha casa e na da escola) e suas flores alaranjadas, que acenavam alegremente para mim,  importava.
Dentro do colégio, um mundo novo abria-se, todos os dias.
Eu tinha(e tenho ainda) fome de aprender, de pesquisar, de saber, uma curiosidade insaciável  pelas infinitas possibilidades que se descortinavam, e as professoras do Felipe sabiam como ensinar,  eram verdadeiras mestras em seu ofício.
Aprendi a ler e a escrever, a fazer as primeiras operações matemáticas, a pensar, tive lições que carrego comigo até hoje: de dividir com todos o que tinha - o lápis, a borracha, uma folha de caderno, uma balinha,  mas, principalmente, as alegrias de criança, porque não havia coisa melhor que sair para o recreio em verdadeiro tropel e fazer fila para esperar a merenda que a escola oferecia.
As 15 horas batia a sineta e fazíamos fila para saborear, em pequenos copos de alumínio, os manjares que a dona Geni preparava: sopa de trigo, canjica, carreteiro, feijão - às 15 horas!!! Comíamos tudo vorazmente, porque era muito bom, feito com o melhor dos ingredientes: amor. Depois, saímos correndo para subir em uma árvore enorme, plantada bem no meio do pátio, para logo voltarmos à sala de aula.
Com chuva ou com sol, a escola era sempre boa, acolhedora, um lugar onde me sentia acarinhada e protegida.
Tenho amigos, até hoje, que foram meus colegas no Felipe.
A minha escola do coração, a primeira de minha vida, foi decisiva para cimentar em mim muito do que hoje sou.
Simplesmente amor, é o que nutro pelo Felipe Néry de Aguiar.
Talvez por essas e outras, me cause tanto espanto ver crianças e adolescentes que não gostam de estudar, que desrespeitam seus professores - para mim um ser sagrado,  e negam-se a pensar, a descobrir.
Limitam-se a gritar e a exigir de seus pais: " eu queééééé´roooo um 'aipééédiiiiiii'.
Isso é bom ou ruim?
Não sei.
Aliás, sei.
A falta de limites nunca foi uma boa educadora.
Mas, isso foi há dez mil anos atrás.




quarta-feira, 2 de abril de 2014

Jurássica

Ontem terminei de assistir a novela - por sinal, muito ruim e, por estar sem sono e pela curiosidade idiota que às vezes me assola ( aiii que tédioooo), decidi ver o final do Big Brodher, programa que não acompanho mas, por aquelas coisas da vida, fiquei sentadita no sofá olhando. 
Olhando o vazio, porque daquilo nada se aprende.
Dormi mal, acordei pior.
Depois de ter visto tanta baixaria, fiquei me sentindo um ser pré histórico, uma pessoa fora do tempo, antiiigaaaa, quadrada (ops, isso já saiu de moda também), totalmente fora do esquadro.
Considero-me uma pessoa normal ( sim, eu sou normal, fiz todos os exames e o médico me afirmou que sou normal)de 52 anos que vive no século 21 - talvez isso eu deva esclarecer a mim mesma, antes de mais nada, tal o meu espanto ao ver tantas cenas dantescas na TV.
Muitos dirão: e porque não desligou?
Pois é.
Creio que foi masoquismo, ou qualquer coisa pelo estilo.
Mas que fiquei chocada, fiquei.
Chocada pela naturalidade com que as pessoas encaram o excesso, a exibição, a falta de vergonha em mostrar, em rede nacional, peitos, bundas e otras cositas más. Em transar banalmente, como se fossem tomar um copo d'água.
Que problema tem mostrar isso? 
Nenhum. 
Todos.
Aquela velha máxima de que o meu direito termina quando começa o do meu vizinho caiu por terra, esfacelou-se, não tem mais isso não.
Vale tudo, pode tudo, e os incomodados que se mudem.
Mudem para onde? Para onde iremos nós, os jurássicos, os antigos que gostamos de música erudita, de silêncio, que ainda somos românticos (cruzes, que palavrão!), que ainda acreditamos em alguma coisa?
Aí também questiono pessoas que colocam suas músicas, geralmente abomináveis a todo volume e sou obrigada a escutar joãozinho e joaninha por horas a fio. Sim, eu tenho uma vontade louca de ir até lá e sampar uma pedrada naquele equipamento, mas puxo o freio de mão e fico quieta ouvindo aquele som horroroso que perturba minha tranquilidade,  porque quero é escutar o som das ondas, do vento, dos pássaros, e me enfiam aquela porcaria goela abaixo. Quando isso acontece,  tenho pensamentos do tipo  "amanhã colocarei a Nona de Beethoven e aí, quero te ver..."
Hoje acordei mal, sentindo-me emparedada por essa avalanche de novos valores que pululam por aí.
Tive vontade de fugir, mas não tive para onde, então busquei refúgio nos braços do meu inseparável amigo: meu livro.
Ahh, foi como chegar a um oásis, é uma bênção poder mergulhar em uma bela e bem escrita história, onde você vê que o autor pesquisou, entende do riscado, domina o assunto.
Desculpa se te magoo, inculto, mas fui criada em meio a livros, música erudita e gente fina, e isso não fez de mim uma pessoa pedante ou metida a besta, não.
Apenas adquiri o que não se compra em farmácia: educação.