quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

La Espiral

Lembro que, nas noites de verão na casa de minha avó materna, Adelaida, que ficava em Alvear, usavam um repelente para mosquitos chamado Espiral.
Era uma espiral verde,  pequena, engatada num pedacinho de metal. Acendiam a ponta daquela coisa fedorentíssima, a qual transformava-se em brasa e passava a queimar, lentamente, durante toda a noite.
Era um cheiro insuportável, mistura de flit com cheiro de queimado , e meu nariz, imediatamente, entupia.
Tá aí uma coisa que sempre detestei, dormir longe de casa.
Mas minha mãe maravilha adorava.
Para ela, era um programa e tanto ir passar unos dias en Alvear, en mi casa paterna, como ela dizia, à guiza de explicação.
Ocorre que não há, efetivamente, lugar melhor de se estar que na casa que nos viu nascer, crescer e embalar sonhos.
Eu, na condição de filha mais nova, criança ainda, com meus sete, oito anos, era arrastada, a contragosto para aquela
temporada, só que nada podia fazer.
Meu pai ficava no Itaqui, fulo da vida, mas não dizia nada, e nem precisava, apenas olhava para minha mãe com olhos de fogo.
O Alvear de minha infância era triste e poeirento, com seu silêncio de sepulcro na hora da sesta, momento venerado pelos argentinos mas por mim detestado, eu queria brincar, correr, nadar, mas precisava ficar quietinha, estirada sobre uma colcha que minha mãe colocava sobre o chão de ladrilhos vermelhos do corredor de entrada da casa da avó, el saguan.
Não se podia dar um pio, ou apareceriam Carlanco e Cambireca,  um casal que ficava andando sob o sol escaldante do verão apenas para levar consigo crianças teimosas que não queriam sestear.
Passava o dia, naquela base, mas o brabo, mesmo, era a noite.
Sentavan -se todos na calçada sob a luz da lua e das estrelas, pois havia uma única lâmpada no meio da rua, destinada a iluminar toda a quadra.
Os mosquitos zuniam adoidado, mas ninguém parecia se importar com eles, a conversa e as risadas ecoavam, minhas tias Alba e Maria Luísa, a avó Adelaida e minha mãe, uma alegre reunião das mulheres Fernández.
Chegava a hora de dormir e o tormento começava, lembro-me tão bem da voz de minha avó para minha mãe,  Kila, prede la Espiral.
Noite dos infernos, eu passava, chorando baixinho, louca de saudades do meu pai, da nossa casa, da minha cama.
Passados dois ou três dias, voltávamos para Itaqui.
Eu chegava e me atirava nos braços do meu pai, chorando e reclamando muito, e ele ria, ria a bandeiras despregadas, uma vez que ele, por seu lado, igualmente detestava o cheiro de espiral.
Muitos anos depois, me apaixonei por um argentino e aí, o Alvear transformou-se na cidade mais linda do mundo, e o cheiro de espiral ou de flit que minha tia Maria Luísa colocava no quarto usado por mim em nada me incomodava.
Eu chegava ao raiar do dia e, depois de ter dançado a noite inteira nos braços de aquel morocho divinome jogava na cama e dormia sorrindo, inebriada com tanta felicidade.
O que não faz o amor, hem?
Mas essa é uma outra história.

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