quarta-feira, 5 de setembro de 2018

O Galã Da Praça

Há uma praça linda que fica a quatro quadras do apartamento das minhas filhas e lá costumo caminhar, sempre que possível.
É bom que se diga que chego ali e me jogo num banco para recuperar o fôlego, sureco em razão da quimio,   observar o entorno, que é muito bonito, repleto de árvores, flores, muitos pássaros, grama verdinha, e um clima de muita tranquilidade.
Após algum tempo, começo a caminhar lentamente, pois também não consigo andar rápido, mas isso não me impede de curtir muito aqueles momentos.
Dia desses, havia um casal fazendo, também, sua caminhada.
Passaram por mim e ficaram me olhando.
 Certamente eu, com a careca brilhando ao sol e com a boca pintada de batom bem vermelho devo ser uma figura, no mínimo, pitoresca.
Sem contar as orelhas de abano!
Nem tô!
A ausência de cabelo nunca me incomodou, não comprei perucas nem lenços e uso touca em razão do frio, mas quando está calor, saio bem campante pra sentir o sopro do vento me esparramando a melena que, de momento, não possuo.
Sei que o casal me cumprimentou com um boa tarde, ao qual, educadamente, respondi.
Na outra volta, o senhor, que deveria estar com seus setenta e vários, ao passar por mim, perguntou: tá caminhando sozinha, amiga? e eu, sim.
No dia seguinte, logo ao chegar na praça me deparei com o senhor, que veio ao meu encontro e lascou: hoje vou caminhar contigo!
Eu não sabia muito bem se ria, se chorava ou se disparava, mas como fui educada pela Dona Kila e estudei do Colégio das Freiras, o nosso amado Santa Teresa, dei uma paradinha e falei um tá...
Aquele sem um pingo de vontade, abestalhado, uma mistura de cansaço, sol na careca, quimio...
E muito, sobretudo, porque sou cem por cento interiorana, não consigo internalizar aquele viés de desconfiança que as pessoas de cidades grandes têm, é algo inato: não fale com estranhos...
Não possuo esse instinto, à primeira vista confio, acredito, sei que não é bom, mas não me aguento, chego na padaria do supermercado e cumprimento os funcionários, que já me conhecem e me dizem oi, meu anjo, oi, querida, tudo bem contigo, entro e saio do prédio e converso com os porteiros, com as pessoas da manutenção, que igualmente me tratam muito bem e sempre querem saber de mim, vou a três salões de beleza e todos me conhecem.
E adoro interagir com as pessoas, essa é a Lia.
Como diria minha Mãe, com sua voz tão suave e  um misto de escândalo e riso no olhar: pero nena...
Volta.
A praça estava cheia de gente.
Não caminhei e me sentei no primeiro banco que encontrei, vai saber...
E a sua esposa, não veio hoje? perguntei.
Eu sou viúvo, aquela senhora é minha vizinha, aliás, ando procurando uma companheira, sabe, detesto ficar sozinho, qual é teu estado civil?
Assim, na bucha!
O senhor queria saber o meu estado civil!
Francamente!
Certas coisas acontecem somente comigo, fala sério!
Não é possível, pensei: estou levando uma cantada barata, às 15 horas, careca, orelhuda e com muitas rugas à mostra, com a cara no sol.
Que tal, hem!
Analisei minhas possibilidades, caso fosse algum tarado ou coisa parecida: havia muitas pessoas ali e o cidadão, bem mais velho que eu, magro; talvez eu conseguisse fugir com facilidade...o sol e a quimio estão afetando tuas faculdades mentais, por favor!
Fato é que dei um desdobre no galã da praça e me arranquei de volta pra casa.
Não deu pra caminhar.
Afinal, era só o me que faltava na vida caminhar a passo de tartaruga com um desconhecido numa praça de Porto Alegre, escutando sandices.
Com um gosto amargo na boca,  me senti uma completa imbecil ante aquela situação tão inusitada.
Não voltei mais à praça, mas fiquei ruminando com aquilo.
Mas que desaforo daquele homem! Pensa que sou idiota! 
E a minha voz interna, rindo litros, respondendo: sim, ahahahahah!
Tenho um defeito grave, não deixo nada sem resposta e, naquele dia, deixei.
Esse fato só piora o bate papo com a maldita vozinha interna.
Resumindo: a educação do Colégio das Freiras está sendo substituída pela minha porção Felipe Néry que até então se resguardara (tempos maravilhosos em  que eu era selvagem e brigava na saída do colégio com pedradas e muito cuspe).
O tempo chuvoso dos últimos dias me impediu de sair para caminhar, o que conta a meu favor, já que estou pegando pressão.
O galã da praça que me aguarde!
E minha insuportável voz interna, também.







2 comentários:

  1. Porto Alegre, 21.10.18. Lia Helena, os teus textos são lindíssimos. Tua sensibilidade é infinita, desmedida. Parabéns. Um grande beijo. Sylvio Waldman

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  2. Sylvio, muito obrigada por tuas palavras, fico muito feliz!
    Desculpa pela demora em te responder.
    Um grande e afetuoso abraço!

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