terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Um Dia de Brucutu

Ontem foi um dia em que desejei ser, ardentemente, um homem de 1m90 e 120 kg.
Um verdadeiro brucutu, um homem daquele tipo que bate e depois vê o que acontece.
Aquele tipo de pessoa que não se importa, a bem da verdade: passa de trator, depois dá uma olhadinha  para trás, só pra ver o resultado.
Pois  creiam, amigos que eu, uma pacata cidadã de 1m64 e 70 kg, que adora salão de beleza, cremes, perfumes, sapatos e bolsas, livros, música, cinema, cristais e porcelanas, ontem eu teria dado tudo para, por um par de segundos - tempo suficiente para resolver a questão, ter me transformado em um brutamontes.
Certo é que avaliei as possibilidades, mas a chance de dar uma tunda de laço no verme que tem a ousadia de me atazanar era ínfima.
Ainda mais agora, com o cóccix quebrado.
É, porque se eu não estivesse quebrada, não sei não.
Eu tenho um desafeto.
Uma pessoa desprezível que, sempre que pode, faz um gesto de desdém em relação a minha pessoa.
Larga uma piadinha.
Ri, debochadamente.
Balança a cabeça quando me enxerga, e sorri, de forma irônica.
Ou, o que é infinitamente pior, sob o ângulo que se analise, persigna-se.
Faz o sinal da cruz, vejam!
Logo ele, esse ser do mal.
Sei, também, que anda por aí, fuçando, qual porco no meio da sujeira, procurando algum fato de minha vida, perguntando.
Sei de tudo, de tudinho.
Pueblo chico, infierno grande.
Pensa ele, quem sabe, que sou um lixo, uma pessoa solta no mundo, indefesa, uma completa imbecil.
Pois não sou, e talvez aí resida a origem para tanta bronca: uma inveja insuportável deve corroer o traste, um completo ignorante, burro de dar dó, esse ser  opaco e insignificante.
E ontem, estando eu na casa dos meus Pais - porque é, e sempre será a casa dos meus Pais e, por tabela, a minha casa, embora a documentação diga o contrário, e já afirmo também que não estou nem aí para o que dizem os papéis...pois bem, eis que surge este Lúcifer.
Primeiro, a surpresa e o olhar de ódio, pois não esperava me ver ali, pachorrentamente sentada na cozinha, conversando e rindo.
Seus olhos soltavam faíscas.
A boca, retorcida, não conseguia articular palavra.
O ar ficou tão pesado que chegava a doer.
Então, balbuciou algumas palavras para os demais que ali estavam e,  para não perder o costume, largou uma farpa na saída.
Falou baixo, o desgraçado, o covarde, o alcaide.
Falou baixo.
Quase um resmungo.
Mas ouvi, eis que ouço muito bem, graças a Deus.
Ouvi, e não gostei, e me estragou a tarde e a noite e a madrugada, pois não há coisa pior que dormir com raiva entalada.
Ali, num átimo, eu teria dado tudo, mas tudo, para voar sobre essa asquerosa cria de Satanás  e surrar muito o ordinário, pois tenho certeza que lhe faltou foi laço, quando era criança.
Freio, quando era jovem.
E vergonha na cara e falta de caráter, agora que é homem.
Homem?
Não, aquilo ali pode ser qualquer coisa, menos um homem.
Homens com H, que fazem jus ao que tem no meio das pernas não se comprazem em infernizar alguém pelo simples prazer de infernizar.
Não mesmo!
Homens com H são dignos.
Respeitam.
Sabem o que precisam fazer, onde e quando, e de que forma.
Aquilo não é homem.
É, no máximo, um homúnculo.
E nem isso não é!
Como sempre, senti uma saudade insuportável do meu Pai.
Chorei muito.
Hoje cedo, entretanto, recuperada ( pela milésima vez), retomei a antiga e saborosa ideia de comprar um relho.
Um relho...
Como aquele que meu Pai tinha.
Eu vou comprar um relho.
Porque da próxima vez -  que espero, ardentemente, que não aconteça -  que esse muquirana de quinta tiver a audácia de me perturbar, eu vou me transformar num brucutu.
Vou ter 1m90 de altura e 120 kg.
Vou esquecer os perfumes e os cristais, a cultura e a finesse.
Anos a fio aturando deboche, fofocas, intrigas e maledicências desse  jumento recalcado e maligno precisam ter um fim.
Terão.
E seremos, eu e o meu relho, os que iremos colocar o ponto final.








Um comentário:

  1. Texto de grande qualidade literária que deve ter parceiros e irmãos, tão bem a autora escreve.
    Aguardamos os outros.l
    Frankin Cunha

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