quarta-feira, 27 de setembro de 2017

A Lagartixa do Teatro

Manu nasceu e se criou no Teatro Prezewodowski.
Desde pequena, embrenhava-se pelas cortinas do palco e passava despercebida das pessoas que, diariamente, apareciam por ali.
Não que ela sentisse medo, mas sua mãe, a lagartixa Tibérei, que viera do mundo das fadas, dissera-lhe que deveria ter muito cuidado com os humanos, para que estes não a machucassem.
Entre luzes e sombras Manu passava seus dias, encerrada em seu pequeno mundo, caçando mosquitos, moscas e outros insetos que habitavam por ali.
No verão, dona Cotinha, a encarregada da faxina, abria todas as janelas e a luz do sol e a brisa do dia inundavam todos os espaços, trazendo uma sensação agradável que fazia Manu suspirar, e sonhar.
Sonhar, era o que ela mais fazia.
Acreditava que lá fora, para além do Teatro, certamente descortinava-se um outro mundo.
Entretanto, sentia medo.
Ficava insegura pois não sabia o que poderia haver para além das cortinas, que a deixavam invisível, o que não deixava de ser confortável; de suas velhas conhecidas, as paredes, nas quais dependurava-se quando queria; dos estofados onde, no inverno, petiscava uma que outra baratinha.
Entretanto, Manu cresceu e aquela inquietação só fez aumentar, e chegou ao ápice no dia em que, deslumbrada, assistiu a um espetáculo de balé, um show de luzes e cores que fez seus olhinhos arderem, mas ela não conseguiu parar de olhar.
Colada na cortina do palco, viu toda a movimentação dos bailarinos, as entradas e as saídas, os passos, os giros, os saltos.
Escutou a música inebriante, os aplausos e a alegria ao término do espetáculo e ali, naquele instante, resolveu que desceria da cortina, caminharia até a porta e iria embora do Teatro.
Passara toda sua vida sem correr qualquer risco.
Por um lado, pensava ela,  isso era muito bom: a previsibilidade dos dias.
Por outro lado, tal inércia não lhe permitia conhecer novos palcos e, via de consequência, comungar de outros espetáculos.
Quando se fecharam as cortinas, Manu permaneceu ali, quieta.
E, à primeira claridade do dia que nascia, esgueirou-se Teatro afora, e saiu.
A luz do dia quase a cegou, mas logo ela encontrou o tronco de uma árvore e, dali, abraçou o mundo.
Adaptou-se às mudanças, e quando sentiu o gosto incomparável da liberdade, jurou para si mesma que nunca mais permaneceria escondida pelas cortinas: nascera para ser protagonista, e não coadjuvante!






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