sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Novas Histórias de Lucrécia, A Peidorreira

Lucrécia decidira candidatar-se a prefeita.
Depois de muito pensar e de consultar as bases, estava decidida a lançar-se a mais esse desafio.
Foi fácil passar pela Convenção do seu Partido, o PUNM (o nome era uma infame coincidência que nada tinha a ver com o hábito pouco ortodoxo de Lucrecita, de peidar siempre que se le dava la gana)) - Partido da União Nacional das Manobras, muito embora alguns invejosos de plantão e outros tantos burraldos tivessem torcido o nariz quando ela, microfone em punho, apresentara sua plataforma eleitoral.
Foi um coro de "ohhhh e ahhhh" que, ao fim e ao cabo ela não sabia bem se eram de aprovação ou escárnio, mas o fato é que agora ela era candidata.
C a n d i d a t a.
Sacramentada essa condição, jogou-se com tudo na busca pelo voto, dentro da mais absoluta legalidade, evidentemente, eis que não queria incômodos.
E do que ela mais gostava era de participar dos comícios que, durante a semana aconteciam  nos bairros da cidade.
Sempre acompanhada de sua fiel escudeira, sua mãe, la señora Babu a qual, de tanto caminhar pelas ruas sem calçamento e tapadas de buracos, torcera um dos joelhos.
Lucrécia tinha advertido, "Mãe, não tens condições de andar assim, horas a fio, comendo poeira e ralando os pés".
Não teve argumento, pois la señora Babu  alegava que nada costumava escapar de seus olhos de lince.
Ademais, precisava estar junto para tentar controlar Lucrécia, a incontrolável peidorreira.
Aquilo ficava chato, afinal.
Lucrécia, como sempre,  nem tava!
Caminhava rápido com uma enorme bandeira do PUNM tremulando ao vento e, a cada passo dado, peido largado.
Uma vergonha!
Será que ela pensava que ninguém ouvia aqueles sons?
Azar do guarda, andam comigo por que querem e sabem do meu valor, do tamanho dos meus projetos, o resto é figuração.
A campanha ia de vento em popa e Lucrecita era líder em todas as pesquisas:
" a candidata mais votada", diziam, a boca miúda; "ganha de lavada", vaticinavam.
A chegada de Lucrécia aos  comícios era uma verdadeira apoteose, todos queriam vê-la e ouvir suas promessas, pouco importando quão mentirosas fossem:
- Educação para todos!
E o povo gritava: huhuhuhuhuhuhuhu!!!
- Asfalto!
Eeeeeeeeeeeeeeeeeeeee!!!
- Saúde!
Rufar de tambores!!!
Lucrécia, radiante, acenava para todos do alto do palanque.
Aquilo, para ela, era uma cachaça: adorava!
Ao término de cada comício, chegava em casa destruída, suada, coberta de pó e sem voz.
La senõra Babu vinha logo com uma gemada, à qual misturava um cálice de vinho do Porto.
Para recuperar a voz e o ânimo, dizia.
Y, claro, algo más: prrrrrrrrrrr
No último comício, realizado na praça da cidade, compareceram todos os caciques do Partido, além de vários deputados estaduais e federais, candidatos a vereador e assessores da campanha.
Lucrécia queria impressionar, e conseguiu.
Surgiu no palanque usando um conjunto branco de calça e blazer, apesar do calorão.
Era chique usar somente uma cor, dissera-lhe a assessora para assuntos institucionais e outras ervas.
Não convinha mostrar muito os braços, falara outra.
Ninguém ousava fazer a complexa recomendação: contenha-se, candidata; não peide...
Tratando-se da indomável Lucrécia sabiam que de nada adiantaria, pois nela ninguém conseguira, até o momento, colocar freio.
Compareceram naquele memorável comício em torno de duas mil pessoas, a quais acotovelavam-se para ver e ouvir a que seria, sem sombra de dúvidas, a próxima prefeita.
A balbúrdia era grande: misturavam-se os sons das palmas, os gritos, parte de uma bateria da escola de samba de  Lucrécia ( sim, ela era a l u c i n a d a por Carnaval), as bombas, o apito dos  pipoqueiros, dos vendedores de algodão doce e de churrasquinho.
Milhares de bandeiras do PUNM tremulavam, alegremente.
Lucrécia, a última a falar naquela noite fantástica, foi recebida com uma ovação do público que mais parecia um tsunami:
 Lucrécia, Lucrécia, Lucrécia, gritava o povo, alucinado.
E ela, enrolada na bandeira do Partido, tão feliz estava que soltou todos os peidos possíveis e imagináveis, ria sem parar olhando, de esguelha, as caras constrangidas dos expoentes da política remexendo-se, loucos para sair dali.
Sou coerente, ela pensava: afinal, a política está, ou não está, uma podridão?
Por essa razão entrei nesta briga: vou mudar esse estado de coisas!
O resultado de tamanha empatia com sua gente não poderia ter sido outro.
Lucrécia, a Peidorreira, sagrou-se vencedora e, no primeiro dia de janeiro do ano seguinte, tomou as rédeas do município!
Imagine, querido leitor(a), quantas histórias virão por aí...



















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