quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Codinome: Beija Flor - Parte 1

Alvear, 1940.
Os dias e as noites eram longos, preguiçosos, naquela cidade do interior da Província de Corrientes, República Argentina.
Para completar, havia a Guerra, embora não chegasse, nem de longe, até ali, mas seus eflúvios deixavam a atmosfera densa, e os dias e anos arrastavam-se numa pasmaceira que nada tinha de romântica.
Alvear, com seus quatro, cinco mil habitantes, talvez mais, quem sabe menos, parecia uma cidade melancólica e triste, embora o verde das folhas de suas árvores fosse sempre brilhante, e o canto dos pássaros, somado ao vento, fossem os únicos sons que se ouviam naqueles tórridos verões.
Nada disso importou ou fez a menor diferença para o que se desenrolou naquela primavera...
Elas eram duas irmãs gêmeas, ambas de tez morena, cabelos negros, olhos amendoados, boca grande, dentes alvos, riso fácil.
Florência e Graciela.
Quando nasceram, numa esplendorosa de noite de lua cheia, justo dia 31 de outubro de 1920, a parteira, depois de observá-las por algum tempo, vaticinou:
Un  gran amor no será capaz de separar-las. Solo despues de la muerte...
Falou tão baixo que ninguém escutou, salvo doña Fábia, tia das recém nascidas.
O tempo passou e,  vinte anos depois, as gêmeas faziam sucesso por onde passavam, deslumbrando a todos com sua beleza.
Mas ninguém  prestava mais atenção a uma delas que Maurício.
Eram vizinhos e brincaram juntos durante toda sua infância, até que, adolescentes, Maurício e Florência viram que não havia amor maior neste mundo que o deles e ali, na modorrenta Alvear, trocaram juras de amor eterno.
Tinham apenas treze anos quando tudo começou, mas sabiam que suas almas eram tão iguais que nada conseguiria separá-los, e que nem ninguém seria capaz de truncar aquele sentimento sublime.
Iam e voltavam juntos da escola, encontravam-se no armazém da esquina, na padaria, en la misa de domingo.
A paixão eclodia a cada olhar, a cada roçar de mãos, a cada palavra que dizia nada e, ao mesmo tempo, dizia tudo.
Ambos com tão pouca idade e sempre sob a vigilância dos pais e, Florência, observada por doña Fábia, combinaram um código, uma assinatura daquele amor, um codinome:  beija flor, era como ambos chamavam um ao outro.
Com amor imenso, de teu beija flor.
Com toda minha ternura, meu beija flor.
Vivo apenas para te encontrar, beija flor.
Florência era doce, sorridente, afável, de muitos amigos.
Tinha luz.
Graciela era rude, bruta, séria e emburrada.
Era escura.
Enlouquecida de inveja e corroída pelo ciúme, acompanhava o desenrolar das peripécias amorosas da irmã estando, ela também, caída de amores por Maurício.
E sabia que jamais, ao menos nesta vida, conseguiria arrancar dele um mísero olhar que fosse.
A não ser que o caminho ficasse livre, e caminho livre significava o fim de Florência.
Será?

* Continua amanhã.


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