sábado, 11 de março de 2017

Deu O Clic

Nada como ficar por nove horas na estrada, dirigindo sozinha, para pensar na vida.
São viagens que costumo fazer de Itaqui a Porto Alegre, percorrendo uma distância de setecentos e trinta quilômetros.
Não é pouco, se considerarmos que praticamente atravesso o estado, saindo da Fronteira Oeste, na divisa com a Argentina, até a Capital.
Não me impressiono e tampouco me apicho, pois já fiz tantas vezes esse percurso que, para mim, é normal.
O primeiro trecho, Itaqui/Uruguaiana, faço-o ainda carregando os problemas do dia a dia: contas, os gatos, o pátio da casa, os reparos necessários...
Entretanto, à medida em que vou avançando, quilômetro por quilômetro e a estrada se abre para mim, deixo-me levar pelos pensamentos, e estes me envolvem, num afetuoso abraço que me conduz a outras viagens, algumas ótimas, outras, nem tanto.
São as memórias que vem chegando para me acompanhar, trazidas pela música que ouço, ou pelo silêncio, interrompido apenas pelo som do vento, ou por minha própria voz, cantarolando boleros e outras melodias em espanhol, a língua materna - uma constante em minha vida.
As lembranças desagradáveis, afasto de plano.
Cedo espaço tão somente ao que me é familiar, acolhedor e alegre, a sonhos que viraram realidade, a amores, sabores e prazeres.
Nada mais.
Muito mais!
Numa dessas tantas voltas, lembrei do primeiro amor que tive na vida, aos quinze anos.
Eu era uma adolescente gorda, com dez quilos acima do peso, tímida, sem jeito algum para o romance, trancada dentro de mim mesma onde, ali sim, sobravam ideias e ideais.
Um dia, fui convidada para uma festa na cidade de Concórdia, na Argentina, onde morava minha tia Albita, irmã de minha Mãe.
Eu iria de carona com um casal de amigos de meus pais.
Saímos de Alvear num dia lindo e gelado de inverno, perto do meio dia.
No banco de trás do carro, pensava em como seria monótona aquela vigem de cinco horas, o casal de meia idade e eu, até que paramos na frente duma casa e a senhora, virando-se para mim, explicou: vamos buscar meu sobrinho, que também irá conosco.
Bem tranquila estava eu, até aparecer o dito sobrinho, que resultou ser un hermoso muchacho!
Fiquei sem fala, sem ar, sem nada, eu ia viajar com aquele gato do meu lado durante cinco horas?
Sim.
Nós nos olhamos com desconfiança, num primeiro momento.
Ele era alto, magro,  tinha uns olhos marrom escuros maravilhosos, uma melena castanha e ondulada, como todo argentino que se preze, boca grande e, quando sorriu pela primeira vez, eu nem sabia direito para onde estávamos indo;  a paisagem se diluiu e, assim, após uma meia hora de poucas palavras mas de muitos olhares, deu o clic.
O clic é algo mágico, que acontece poucas vezes na vida da gente.
É uma força desconhecida e nova, contra a qual não vale a pena lutar pois será uma luta inglória.
Ademais, resistir, quem quer?
Nós começamos a nos (re)conhecer devagar, porque, sim, parecia que éramos conhecidos de toda uma vida.
Rimos a viagem inteira, de tudo, de nada, um riso de pura felicidade, pois sabíamos, ambos, que estávamos sob o encantamento do amor.
Não tinha escapatória, e não teve.
Namoramos dois anos e, nesse período, lembro-me bem, emagreci os dez quilos que tinha para mais.
Como dizia meu Tio Tata, meu amado Tio, que Deus o tenha: no comia, no dormia, el amor la consumia, ahora canta todo el dia!
Verdade, o amor me consumia e eu cantava o dia todo, não sentia fome alguma, contava os dias e as horas que faltavam para que chegasse a quarta feia, dia que ele vinha a Itaqui, e sexta feira, dia que eu ia para Alvear, passar o final de semana na casa de minha tia Maria Luisa, a outra irmã de minha Mãe, e ficar com o meu amor.
Terminamos nosso romance porque eu fui estudar em Porto Alegre e ele em Buenos Aires.
Tínhamos dezessete e dezenove anos, respectivamente.
Foi um final igualmente feliz, como foi todo o tempo que namoramos, pois nos gostávamos muito e nenhum queria atrapalhar a vida do outro.
Nunca mais o vi  nem soube do paradeiro dele, e nem me interessa, como tantas vezes frisei, não curto sessão nostalgia.
Mas o fato é que as coisas boas que vivemos deixam sua marca, como uma tatuagem, símbolo de bem querer e de afeto; é aquela lembrança que nos faz suspirar, sorrir e percorrer, sem sentir,  um longo trecho de estrada.
Volto ao tempo atual de alma leve, agradecendo a minha boa estrela e, logo adiante, avisto meu destino:
Cheguei a Porto Alegre!

















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