quinta-feira, 9 de outubro de 2014

O Lado Negro da Alma

A escrita é caprichosa: você está disposta a continuar escrevendo sobre  determinado tema quando aparece um fato novo, inusitado, e tudo muda,  o foco e a direção.
Assim foi hoje, quando deveria seguir com as peripécias de Lucrécia, a peidorreira, mas surgiu um assunto sobre o qual não posso me calar, sinto uma necessidade premente de dividir com meu querido fã clube de meia dúzia de gatos pingados o que me vai na alma.
Há pessoas que tem o condão de extrair o pior de mim, de provocar dentro do meu ser um sentimento tão primitivo quanto ruim: raiva.
A raiva faz mal à saúde.
A minha saúde, faz, pois me provoca suor excessivo, taquicardia e uma vontade incontrolável de sair de minha zona de conforto e dizer tudo, absolutamente tudo o que está entalado há vários anos.
Entretanto, após incontáveis exercícios de tolerância e auto controle, aprendi a respirar, a sair de perto,  a olhar de longe para o cenário, pois a raiva nunca é boa companheira.
Hoje, por esses caprichos do destino, me vi  diante de uma situação que me deixou completamente fora da casinha.
Pela manhã, precisando ir até o prédio da Receita Federal, deparei-me com o portão da casa de meu Avô Atílio Mondadori - parêntese: aquela sempre será a casa de meus Avós, sempre será a casa dos Mondadori, embora, documentalmente, pertença a outras pessoas(que, graças a Deus, não tem meu sobrenome!) - e vi o muro que antes separava a casa do jardim completamente derrubado, que não dizer das grades de ferro torneado.
Apenas um monturo de escombros, foi o que vi pela abertura do portão.
Obras.
São apenas construções de mais de cem anos que vem abaixo, que é que tem?
Os novos donos estão pouco ligando para a história do lugar, para o verdadeiro sentido do legado, cultural e familiar, para a noção de continuidade, de preservar sem destruir, de inovar sem arrasar.
Por mais que me digam, jamais aceitarei, sem protestar,  que arrasem com a história que também é minha.
Minha e de todos os outros netos de Atílio e de Mathilde.
Não, não aceito.
Respeito as decisões e os papéis, entendo disso perfeitamente, aliás,  sou Advogada há mais de trinta anos - ao contrário de muitos burros que dão pinta de inteligentes mas nunca conseguiram passar no Exame de Ordem.
Isso é uma coisa.
Mas contra o que me insurjo, na verdade, é em como a vida é caprichosa e irônica.
Pois, a toda certeza, se meus Avós vissem tamanho descalabro naquilo que, ao longo de suas vidas, cuidaram e zelaram,  revirar-se-iam  na tumba.
Muito doloroso ver aquele espetáculo de destruição!
Estragou minha manhã, minha tarde e um pedaço da noite, até que cheguei em casa, fiz meu matecito sagrado e me pus a pensar.
Pensei no meu Pai, como sempre.
Pensei nos meus Avós.
Refiz toda a história de minha vida junto com eles, até o dia de hoje.
Não há o que fazer, a não ser rezar, como me disse, hoje, um Colega, à guiza de consolo, quando viu meu desamparo.
Rezar para que o lado negro de minha alma receba um facho de luz.
Fui informada que ali, naquele lugar onde antes era o jardim mágico de minha Avó Mathilde,  será erguida uma clínica para cachorros.
Considerando o atual contexto, não poderia haver nada mais adequado!










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