quinta-feira, 11 de setembro de 2014

O Relho

O meu pai, meu adorado pai,  Dr. Edgard, tinha um relho.
Aliás, um não.
Eram dois, lembro-me bem.
E costumava guardá-los, postos em pé, atrás da porta da lavanderia.
Nunca entendi qual  era o sentido de guardar dois relhos atrás da porta da lavandeira, que ficava fora do corpo da casa, até um tanto distante mas, vá lá, isso era com ele.
Fato é que, volta e meia, o Dr. Edgard ia  lá, passava a mão nos dois relhos e trazia-os para a cozinha.
Sei lá...
Ele gostava dos relhos de tamanho médio que mandara fazer sob medida, de um couro fininho e trançado e cabo de madeira.
E eles intimidavam.
O cachorro, só de olhar para eles, parava de acoar e deitava-se, mansinho, aos pés do meu Pai.
A gurizada da rua, que adorava jogar pedras no portão da garagem e ficava espiando pela fresta, quando via  o Dr. Edgard levantar de sua cadeira de balanço e sair na calçada com seu relho em mãos, disparava.
Inclusive, tinha uma história que ele contava:
Quando namorava minha Mãe e ia ao Alvear, precisava  ir do Porto até o centro da cidade de carruagem, a qual era puxada por dois cavalos magros. O cocheiro surrava os pobres bichos sem dó nem piedade embora, por diversas vezes, meu Pai tivesse pedido a ele para que parasse. Lá pelas folhas tantas, furioso com a situação, mandou o cocheiro parar, e descer. E deu uma surra de relho no cocheiro que, segundo dizem, apanhou mudo, e foi tamanha a repercussão do fato que o mesmo desapareceu do mapa e foi embora do Alvear.
Acredito que, de tanto ver e ouvir contar histórias com os tais relhos, também passei a nutrir por esses objetos uma especial predileção.
É que eles me fazem lembrar do meu Pai, e de uma lição que aprendi com ele e carrego comigo: não se leva desaforo pra casa. Dá de relho...
Isso me marcou, meus amigos queridos.
Essa frase, trago-a gravada no peito.
Para escândalo do poliiiitiicamentiiii corréééétos, obviamente.
Então, certa feita, tinha uma criatura que andava infernizando minha vida.
Eu pensei, pensei, pensei...
Engoli.
Mas, um belo dia, a frase, a famosa frase do meu Pai ficou bailando na minha frente: não se leva desaforo pra casa. Dá de relho...
Eu sorri, ri alto para os meus botões.
Um relho, um simples relho, foi o que resolveu a questão.
Apenas mandei um recadinho: me deixa em paz, ou vais apanhar de relho...
Como todo covarde, que na hora do pega, dispara, essa pessoa nunca mais me incomodou.
Se assustou com a possibilidade de levar uma tunda de laço, aliás de relho, de uma mulher: eu.
É.
Tomara que não.
Mas, vai que um dia...



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