quinta-feira, 3 de abril de 2014

As calçadas do Felipe

Com cinco aninhos, e pelas mãos de minha Mãe, comecei a frequentar o Grupo Escolar Felipe Néry de Aguiar, distante apenas meia quadra de casa.
Radiante com meu uniforme de sainha pregueada azul marinho, camisa branca e meias três quarto, um caderno pequeno, um lápis Faber Castell e uma borrachinha, carregando tudo na mão, não havia pasta e muito menos mochila, entrei naquela escola mágica, onde passei os três anos mais felizes da minha infância.
Os preparativos começavam as 11 da manhã, com a Mãe determinando "nena, vamos a tomar un baño para ir a la escuela". Acreditem, jamais eu reclamava, tinha tara pelo colégio. Depois, com meu uniforme impecável, sentava numa cadeirinha alta - eu tinha só cinco anos, com um grande guardanapo sobre a blusa, " para não pingar nada", comia tudo, esganada que fui, desde sempre para, depois da escovação de dentes e arrumação dos cabelos, finalmente sair.
Nós íamos juntas, a Mãe e eu, de mãos dadas, caminhando despacito, embora eu tivesse uma pressa louca de chegar, meus olhos encantados de criança observando a calçada que teríamos que percorrer até o portão da escola.
Meia quadra, apenas meia quadra.
Mas aquelas veredas me pareciam enormes, largas, limpas, lindas. Não enxergava que a rua não tinha calçamento, que a poeira era grande, que as pedras abundavam por ali.
A minha rua era um poema puro, onde apenas a beleza das árvores plantadas nas calçadas( na de minha casa e na da escola) e suas flores alaranjadas, que acenavam alegremente para mim,  importava.
Dentro do colégio, um mundo novo abria-se, todos os dias.
Eu tinha(e tenho ainda) fome de aprender, de pesquisar, de saber, uma curiosidade insaciável  pelas infinitas possibilidades que se descortinavam, e as professoras do Felipe sabiam como ensinar,  eram verdadeiras mestras em seu ofício.
Aprendi a ler e a escrever, a fazer as primeiras operações matemáticas, a pensar, tive lições que carrego comigo até hoje: de dividir com todos o que tinha - o lápis, a borracha, uma folha de caderno, uma balinha,  mas, principalmente, as alegrias de criança, porque não havia coisa melhor que sair para o recreio em verdadeiro tropel e fazer fila para esperar a merenda que a escola oferecia.
As 15 horas batia a sineta e fazíamos fila para saborear, em pequenos copos de alumínio, os manjares que a dona Geni preparava: sopa de trigo, canjica, carreteiro, feijão - às 15 horas!!! Comíamos tudo vorazmente, porque era muito bom, feito com o melhor dos ingredientes: amor. Depois, saímos correndo para subir em uma árvore enorme, plantada bem no meio do pátio, para logo voltarmos à sala de aula.
Com chuva ou com sol, a escola era sempre boa, acolhedora, um lugar onde me sentia acarinhada e protegida.
Tenho amigos, até hoje, que foram meus colegas no Felipe.
A minha escola do coração, a primeira de minha vida, foi decisiva para cimentar em mim muito do que hoje sou.
Simplesmente amor, é o que nutro pelo Felipe Néry de Aguiar.
Talvez por essas e outras, me cause tanto espanto ver crianças e adolescentes que não gostam de estudar, que desrespeitam seus professores - para mim um ser sagrado,  e negam-se a pensar, a descobrir.
Limitam-se a gritar e a exigir de seus pais: " eu queééééé´roooo um 'aipééédiiiiiii'.
Isso é bom ou ruim?
Não sei.
Aliás, sei.
A falta de limites nunca foi uma boa educadora.
Mas, isso foi há dez mil anos atrás.




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