quarta-feira, 30 de abril de 2014

Secretária do Futuro

A Marisa (vou chamá-la assim) andava pulando a cerca. Riscando fora da caixa. E aquilo não era coisa de agora não, a Marisa andava enlouquecida e fora da casinha há mais de um ano.
Cuidava-se de tudo e de todos, prestava atenção, olhava em volta - será que não estou sendo seguida? sempre nervosa e tensa, a vida da Marisa transformara-se num círculo vicioso entre o céu e o inferno.
Quando estava com o João Pedro(vou chamá-lo assim) era o céu, a vida parecia sorrir e todos, absolutamente todos os problemas que ela tinha desapareciam. Todinhos. Ué, sais, quem é que tem problemas aqui? A vontade de estar com ele superava tudo, a Marisa caíra de amores pelo cara.
Guilherme, o terceiro personagem fictício desta história, o  marido traído da Marisa, era o responsável por fazê-la sentir-se no inferno. Tudo nele era chato,  extremamente monótono e previsível e,  não bastasse a barriga incomensurável, tinha o fator ronco. Foram os roncos do Guilherme os responsáveis pelo fim daquele amor que já vinha entre San Juán y Mendoza fazia um tempão. A Marisa deitava e, 1 minuto depois,  o Guilherme começava " rr...rrr...rrrr...rrrrrrrrr...e, dali um tempo soltava um bufo: RRRccc, um fio de baba escorrendo pelo canto da boca. Era de matar o guarda, aliás, o Guilherme. A Marisa ali, deitada, insone e furiosa, virava-se de um lado para outro até cair, exausta, num sono perturbado, porque morria de medo de falar dormindo e chamar pelo amante.
A Marisa e o João Pedro encontravam-se nos lugares mais disparatados que se possa imaginar, tal era o desespero; coisas que a química explica, diz que. Mas havia um lugar onde costumavam ir mais seguidamente, o apartamento do João Pedro onde, de um lado do prédio funcionava uma clínica dentária e, do outro, uma pastelaria. A secretária da clínica, invariavelmente, costumava ficar encostada na porta, observando o movimento da rua e dos transeuntes. Fiscalizava tudo, e a Marisa já cantara a pedra pro João Pedro: "Jojô, essa velha aí da clínica não tira os olhos da gente", e ele, naquela fala mansa que pirava o cabeção da Marisa" calma, linda, ela é tipo secretária do futuro, entendeu?" Não, a Marisa não entendia e nem queria saber de nada, só de passar umas horinhas no Paraíso para, depois do amor, entrar na pastelaria e se atracar em dois pastéis fritos com uma Coca Cola estupidamente gelada.
O marido andava desconfiado. Conferia tudo e não achava nada e nem ia achar, porque a Marisa era danada de esperta. Sua única preocupação era com a secretária do futuro, a velhota cujo cabelo parecia um ninho de gorrião, uma casinha de joão de barro.
Estava ficando nervosa com a situação. Ao menor estalo, dava um salto. Por qualquer coisa, chorava. O Guilherme, de soslaio, observava-a, mudo. E a Marisa, naquela base.
Certo dia, a Marisa saiu do apartamento do João Pedro e tááá´,  foi direto pra pastelaria. Estava com uma fome de leão, ou melhor, de leoa, a tarde fora looonga...
Mal terminara de sentar e a secretária do futuro puxou uma cadeira e sentou do lado dela.
"Oiiii, diz uma coisa..."
A Marisa quase teve um treco, mas conseguiu se controlar.
"Como é que tu consegues?"
Ai, meu Deus...
"Faz tempo que eu venho te observando...andas comendo bem, hem? " E soltou uma risadinha.
Era uma cilada, claro que era, só podia ser uma baita arapuca armada pelo Guilherme!
A Marisa não sabia se continuava mastigando o pastel,  se respondia alguma coisa ou se, simplesmente, fugia dali. O instinto de sobrevivência fê-la pensar " vou ficar muda". Seguiu comendo o pastel, vorazmente, os olhos esbugalhados, fixos na secretária do futuro.
" Olha,  desculpa eu te falar, viu, não queria te perguntar isso assim,  mas é que, na verdade..."
Aquilo foi demais, cansou a beleza da Marisa:
 Fala logo,  falaaaaa!
" Diz uma coisa, qual é o andar mesmo do teu dermatologista?"
O quê? A Marisa tava quase desmaiando...
"Sim, meu bem, teu dermato, sempre vejo vocês juntos, entrando ou saindo...Que tratamento, hem, tua pele tá simplesmente espetacular!!!"
Foi-se, a raça da Marisa. Empurrando a cadeira,  pagou os pastéis e a Coca Cola e saiu porta afora, engasgada, não sabia se com uma ervilha, o restinho da coca ou com o papo furado da secretária do futuro.
Dali da esquina mesmo, mandou um recadinho pro João Pedro:
Terminou, Jojô! Fedeu, pintou sujeira. Te falei, eu sabia...e a culpa de tudo é da secretária futuro!









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