quinta-feira, 10 de abril de 2014

Ratonita

Certo dia do longínquo ano de 1965, minha Tia Maria Luisa chegou do Alvear com um presente para mim: era uma pequena ratinha de borracha, com um vestido de bolinhas vermelhas e brancas e um tope, também vermelho,  na cabeça.
Imediatamente, encantei-me por aquela rata sorridente, de olhos pretos e brilhantes, a qual passei a chamar de Ratonita,  porque a influência do espanhol era uma constante em nossa casa.
Minha nova amiga e eu andávamos por todos os lugares, não nos separávamos jamais. No  meu imaginário de criança, eu  mantinha longas conversas com ela, que me acompanhava na hora do almoço, nas andanças pelo pátio, na janta, na hora de dormir.
Ratonita era uma amiga leal e, embora fosse de borracha, era como se fosse um ser vivo, tinha alma.
Quando me via triste,  olhava-me com seus enormes olhos negros,  e seu ar risonho logo me fazia esquecer a manha e recomeçar a brincadeira; se me via alegre, sua boca abria-se ainda mais para sorrir.
O vestido de bolinhas vermelhas e brancas estava sujo, encardido, mas ninguém podia chegar perto dela para nada, só eu.
Um belo dia, em uma das tantas arrumações da Dona Kila (minha Mãe), Ratonita sumiu.
Foi num final de tarde que me dei conta que ela não estava em nenhum dos lugares que costumava ficar, jogada displicentemente.
O desespero começou a tomar conta de mim, e toda casa parou e entrou em polvorosa atrás da rata de borracha: meu Pai logo, logo se impacientou e levantou a voz e começou a gritar, fato que levou Pastor, o cachorro, a latir enlouquecidamente, minha mãe abanava-se, agitadíssima, meus irmãos a tudo assistiam, indiferentes, e eu chorava, desconsolada,  estirada sobre o sofá da sala.
Fui dormir sem minha Ratonita, sem poder olhar para seus olhos negros brilhantes e sua boca sorridente que eram como um abraço, sem tocar no vestido de bolinhas vermelhas e brancas, sujo e encardido. Por diversas vezes, naquela noite, acordei chorando, à procura dela, mas seu cantinho estava vazio.
Ratonita nunca mais foi encontrada.
Ficou um ano comigo e foi embora, provavelmente dentro de alguma caixa de objetos inservíveis, só Deus sabe para onde.
Ainda hoje, lembrar dela me emociona.
E, dirão, como pode lembrar, se tinha apenas quatro anos?
É simples: os afetos e o amor deixam marcas em nosso coração, e elas jamais se apagam.
E Ratonita, a ratinha de borracha, sabia disso como ninguém!




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