segunda-feira, 19 de maio de 2014

O Radinho Preto

Quando fui para Porto Alegre em 1978, com dezesseis aninhos, achava que sabia o que era bom e não sabia era nada.
Pensava que fazia sucesso no Itaqui de costumes provincianos e não fazia era coisíssima  nenhuma, e ainda achava, pasmem, que entendia alguma coisa de música, só porque estudei piano com a Dona Dilema e com a Teresinha Cabral, tocava Pour Elise ou Le Lac de Come em algumas festas, e que sabia dançar, pois tinha feito balé com a Dona Sueli Cacciatore quando as salas do Mercado Público ainda eram habitáveis.
Quanta ingenuidade!
Passei trabalho e paguei cada mico que faria desistir a alguma outra, mas eu, ah, eu não! Eu sou brasileira e não desisto nunca!
 Minha primeira grande aquisição na Capital do Estado, ao menos para tentar não parecer tão fora de foco, foi um radinho de pilha. Economizei (não me pergunta onde fica o Alegrete, logo quem, economizando) um pouco da mesada que o Dr. Edgard mandava e fui numa loja do Centro, de onde voltei com o rádio, que era preto, de tamanho médio, tinha uma baita antena e um som fantástico.
" Continentalllllll"...mas credo, dava vontade da gente se atirar pela janela do terceiro andar, onde ficava meu quarto, cada música, uma melhor do que a outra!
Meu radinho era meu parceiro fiel, e começávamos cedo, às 6h30min., quando tocava o despertador, eu passava a mão nele e plim, fazia-se a mágica, o som inundava o quarto, eu sabia a hora certa, a previsão do tempo e ...mais música.
Nos finais de semana, onde a solidão pegava, aí sim, ele se impunha e mostrava seu valor, tocava as mais belas melodias e, não raro, eu chorava, chorava de saudade do meu Itaqui, da minha casa enorme, do meu pátio, do cachorro, da minha terra, da minha gente.
Eta coisa séria é a saudade de casa!
Meu radinho acompanhou todo meu primeiro e sofrido ano no Portinho, e foi testemunha de um dos mais belos momentos de minha vida.
Olhem só:
Em janeiro de 1979, fiz vestibular,  e o da PUCRS foi o último. O resultado sairia somente à tarde, e a família tava toda na praia, para onde me dirigi, de ônibus. Numa sacola ( mas que coisa mais brega, Deus do céu), eu carregava o indefectível radinho preto, pois queria saber do listão, que começaria a ser lido as 14 horas.
Já estávamos na metade do caminho para Capão,  meu coração parecia que ia saltar pela boca e eu ali, firme na paçoca com o radinho colado no ouvido, até que ouvi, alto e bom som, o locutor falar meu nome.
Foi o mico do século, pois fiquei em pé e gritei para todos os passageiros, " pessoal,  eu passei no vestibuláááááárrrrrrrrrrr!!!
E o ônibus inteiro me aplaudiu.
Depois que passou o primeiro surto de euforia, tive outro: beijava o rádio, beijava o radinho preto, abraçava-me  a ele,  provocando o riso espantado das pessoas que estavam perto de minha poltrona, e eu, nem boletas.
Tinha passado no vestibular, estava louca de faceira e precisava dividir aquela vitória com o primeiro amigo que fiz na Capital, aquele com quem cantei junto, chorei, curti fossa, dividi momentos lindos e, claro, tinha que ser com ele, que me aturava há um ano, a comemoração do grande feito de minha vida naquele ano de 1979: universidade, lá vamos nós!
Passamos muitos anos juntos, até que, numa das tantas mudanças que fiz, derrubei o meu amigo e ele espatifou-se no chão. Tentei juntar os cacos, mas não deu, não tinha conserto.
Foi-se o radinho preto, companheiro inseparável de tantas horas, doces e amargas, alegres e tristes.
Como estava em outra fase, comprei um som, um "três em um". Muito lindo, muito bom.
Não, de jeito nenhum.
Bom, mas bom mesmo, era o meu radinho preto!







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