quarta-feira, 21 de maio de 2014

Teteka

Fazia mais de ano que eu morava sozinha quando, numa segunda feira, a caminho da faculdade, vi aquele pequeno bichinho encolhido em meio a alguns jornais, meio dormindo, parecia.
Segui meu caminho mas, no dia seguinte, outra vez meu olhar foi puxado para o cãozinho e sua cama de jornais amassados, e nossos olhares se cruzaram pela primeira vez. Eu, curiosa e apressada, ele, triste, o legítimo cachorro abandonado.
Entrei no ônibus pensando no animalzinho,  e aquele olhar suplicante não saiu mais da minha cabeça, passei a manhã toda lembrando dele e, na saída, já tinha decidido: se ele ainda estivesse ali na calçada,  então, seria meu.
Loucura total, só que eu sabia, de antemão, que levaria o bicho para casa, até porque fui criada em meio a cães e gatos, galinhas, pássaros e até garças, que certa feita meu pai resolveu trazer para dentro de um viveiro que tínhamos no fundo do pátio e elas fizeram tal estrago que minha Mãe, no terceiro dia, saiu-se com esta: " Gagá (era o apelido do meu pai), o las garças, o yo, si no sacás estos bichos de acá me voy ahora mismo para Alvear, y muy probable que no vuelva!, o que levou o pai a dar sumiço nas garças num passe de mágica.
Voltemos ao cão.
Passava do meio dia e, da esquina, avistei o pequeno cachorrinho que jazia, entre a vida e a morte, atirado ali, naquele frio espantoso, coberto de feridas, tapado de sarna e louco de fome.Estava ali, e seria meu.
Andei mais duas quadras e entrei numa clínica veterinária, expliquei o caso e voltei com a Veterinária a tiracolo para recolher o cão, que revelou  ser uma cadelinha de apenas seis meses, segundo me disseram.
Lá se foram minhas economias, guardadas a duríssimas penas porque sempre fui perdulária, para pagar o tratamento.
Volta para buscar daqui uma semana, disse-me a Veterinária.
Semana longa, mas terminou e, quando cheguei para buscar a cachorrinha, quase não a reconheci: estava de banho tomado, não tinha mais feridas, parece que a sarna também sumira, tinha engordado e agora revelava seu pelo, que era preto, negro retinto, somente uma nesga de pelo branco debaixo do pescoço.
Saí dali radiante, cheguei em casa e acomodei minha amiga numa caminha que improvisei na área de serviço, um potinho de leite e outro para a comida.
E tratei logo de batizá-la, e seu nome era Teteka.
Meus amigos, que maravilha foi ter aquela cadelinha comigo!
Nós nos entendíamos muito bem, ela era excelente companheira e nunca me deu motivos de arrependimento por tê-la trazido para dentro da minha casa, ao contrário.O bichinho só não falava, mas entendia tudo, especialmente quando vínhamos para Itaqui, e eu entrava no ônibus com ela enrolada em alguma manta qualquer, ou dentro de uma sacola, não sem antes falar: Teteka, nem um pio, silêncio total! Ela apenas me olhava, com aqueles olhos doces, e vinha toda a viagem sem se mexer.
Por três felizes anos, fomos inseparáveis. Eu estava no final da faculdade e ela acomodava-se, 
pacientemente, perto de mim e ficava observando aquela montanha de livros e anotações, se tocava varar a noite, dava uns cochilos e me espiava com o rabo do olho, parecia dizer, apaga a luz, tô com sono!
Um domingo à noite saí com ela para passear e, de repente, ela se soltou da coleira e saiu correndo, rua afora: tinha avistado um cachorro no outro lado da calçada, e decidiu ir até lá.
Não me perguntou nada, não me deu tchau, saiu em disparada e foi-se embora para sempre porque um carro bateu nela em cheio, não teve como desviar. Fui até o meio da rua para recolhê-la e a vi, sem nenhum ferimento, o mesmo pelo brilhante, os mesmos olhos doces, a mesma carinha, minha querida amiga Teteka decidira buscar outras paisagens.
E nada mais me restou, a não ser chorar.



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