quarta-feira, 4 de junho de 2014

Laranjas da Estância

Meu avô paterno, Atílio Mondadori, tinha uma estância que ficava a uns 15 km da cidade, e para lá nos dirigíamos, invariavelmente aos sábados e aos domingos, meus pais e eu.
Digo estância, embora atualmente  as pessoas se refiram às propriedades rurais como fazenda, pois era assim que chamávamos aquele lugar mágico, com suas árvores imensas que sombreavam as casas, a horta, a parreira, a mangueira, o caminho de pedregulhos, bem lisinho, o açude e a lagoa.
Lá existiam duas casas, a de baixo, que era a sede, e a de cima, que ficava em um local mais alto, distando mais ou menos duas quadras uma da outra, ambas igualmente lindas, a de cima ainda mais bela, com um imenso moinho, girando lentamente ao sabor do vento.
E as laranjeiras.
As laranjeiras em flor, dando frutos, podadas, no rigor do verão, as laranjeiras, plantadas pelas mãos de meu Avô e seus empregados, cuidadas por ele, que a tudo via e por tudo zelava, eram um cenário de beleza e encantamento permanente para mim.
Muitas, incontáveis vezes, caminhei com meu Pai sob a sombra de seus galhos que, no inverno, carregavam-se de laranjas tão perfeitas quanto doces, uma calda, um manjar.
Saímos,  ele e eu, naquelas tardes frias, ele, com seu pala marrom, eu,  com um casaco vermelho que minha Mãe tinha mandado tecer no Alvear, de faquinha em punho, para colher as laranjas e comê-las ali mesmo, lambuzando-nos com aquele suco delicioso e nada mais precisávamos dizer e nem falar, para quê?
Tínhamos tudo!
Tínhamos um ao outro, a família enorme e, como se não bastasse, a ventura de ter aquela terra maravilhosa com suas laranjas e todos os demais frutos e legumes que ela produzia, sem contar o leite morninho tirado na hora, saboreado ao pé do fogo, no galpão.
Que tempos!
Toda a semana, em nossa casa da cidade chegavam os produtos da estância: ovos, leite, pão caseiro, queijo, lenha para a lareira e, claro, as laranjas.
Meu Pai gritava, louco de faceiro, Liasinha, ajuda a abrir o portão, vamos descarregar as laranjas da estância! E abriam-se as bolsas, de onde rolavam as frutas encantadas!
Meu Avô Atílio morreu, e tudo mudou.
Começaram a rarear as entregas de leite, de laranjas, as idas ao campo, a lenha não vinha mais e meu Pai, amargurado, sorvendo seu mate junto ao fogão à lenha de nossa casa,  não raro, chorava.
Deram-lhe o pior pedaço de terra da estância, quando da partilha: sem casa, sem mangueira, sem açude, sem lagoa, sem sede.
Sem nada.
Terra nua.
Terra pelada.
Sim.
Trinta anos depois, a justiça divina botou o dedo na moleira dos que fizeram meu pai chorar: o banco hipotecou tudo, mas tudinho o que era de meus tios.
A única terra que sobrou, ilesa, foi a do meu Pai, que não tinha cola e nem devia um fiapo a ninguém.
Lembrei de tudo isso quando avistei, hoje, uma laranjeira carregadinha de frutos.
Pensei no legado de amor e companheirismo que recebi de meus pais, do quanto aprendi com eles,  de como superaram tantas coisas, de como eram doces.
Tão doces quanto as laranjas da estância!




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