quarta-feira, 13 de agosto de 2014

A Grande Surra

Quando criança, eu tinha um hábito um tanto quanto esquisito, feio, até: colocar apelidos nas pessoas.
Mas como!
Sim.
Desde que me conheço por gente, apresentavam-me a alguém e, quase que de imediato, associava a pessoa a alguma coisa e, obviamente, nunca era a uma coisa boa.
Isso vem desde os meus tempos - maravilhosos! do Felipe Néry, no qual eu vivia em estado selvagem, digamos assim, e tudo que vinha à cabeça a boca repetia.
Por lá começaram os apelidos, que meus colegas e eu colocávamos em algum próximo, nossa vítima da vez, e ali surgiram o gordo, bugre, miss cavalo, seca, burro, e por aí afora.
Um escândalo para uma menina bem nascida e que, presumia-se, tinha boa educação.
Minha Mãe Maravilha decidiu que su nena andava aprontando demais, por isso fui para o Colégio Santa Teresa de Jesus, onde apenas um olhar das freiras bastava para fazer a gente tremer na base.
Sei...
Acontece que, junto comigo, também foram duas colegas, as quais, igualmente, adoravam apelidar os outros.
Vejam vocês como a coisa vem de longa data!
No primeiro ano do Santa Teresa nós nos comportamos muito bem.
Adequadamente, eu diria.
Claro, na verdade, estávamos reconhecendo o terreno.
No segundo ano, entretanto, nosso eu anarquista que até então se resguardara saiu à baila, e logo recomeçamos com a historieta dos apelidos, dos quais não se salvava ninguém.
Perto da escola havia uma loja e em sua porta postava-se o dono, e nós, todo santo dia, passávamos por ali na saída da escola, olhávamos para aquele senhor, cochichávamos e ríamos.
Credo!
Hoje, daria processo por danos morais.
Era uma brincadeira ingênua, idiota, de mau gosto, eu sei, mas nós achávamos uma graça tremenda naquilo e mais ainda em ver o olhar furioso da pessoa para nós, que servia como uma espécie de combustível para aumentar ainda mais o volume das risadas.
Passaram-se meses.
Certo dia - um sábado, lembro-me bem, meu pai apareceu diante de mim com um olhar de fogo, e eu, de imediato, farejei que algo não estava bem.
Nada bem.
Piorou quando vi o tal dono da loja sentado numa poltrona do escritório, olhando para mim.
Agora, era ele quem sorria.
Senti uma dor na boca do estômago e pensei, agora fedeu, e fedeu muito, certo que desta não escapo.
Não ouvi o que falaram, pois o diálogo foi rápido, e nem precisaria.
Tentei me esconder mas logo escutei a voz de trovão de meu Pai:
Liaaaaaaaa Helenaaaaa!
Ai...
Apareci com cara de ré e já levei a primeira palmada, assim, de cara, sem direito ao contraditório e nem à ampla defesa.
Foi uma surra monumental, a primeira e a única que levei de meu Pai, mas olha o tempo que faz - eu deveria ter uns 9 anos, e até hoje recordo desse fato.
Feito o estrago, eu chorava a moco tendido, como diz o correntino, e nem minha Mãe e nem ninguém veio me socorrer.
Lá pelas folhas tantas, meu Pai falou, sobe no carro, vou te lavar pra casa do teu Avô.
Eu subi sem dar um pio, mas quando vi minha tia Édina, de quem eu era a sobrinha mimosa, abri os tarros novamente.
Meu Pai apenas disse, esta guria de merda andava importunando o seu fulano, chamando-o por apelidos. Imagina!
Lembro-me tão bem que minha tia controlou o riso, me abraçou carinhosamente,  me deu um copo de água com açúcar e falou, calmamente, mas que feio, Liazinha, a gente não fica fazendo esse tipo de coisa.
E, virando-se para meu Pai, falou: agora sai daqui, Edgard, deixa ela comigo, vamos passar a tarde juntas.
Meu Pai saiu, meio desconcertado, e eu passei, realmente, a tarde com minha tia, que adorava limpar o jardim, e ali ficamos entre rosas, jasmins e margaridas.
Ela me falou tantas coisas lindas, conversou muito comigo, com um carinho imenso.
Desse fato, aprendi duas lições:
Não gostei de apanhar, claro, mas mereci, e isso não me traumatizou, apenas me mostrou que tudo na vida tem limite e que a brincadeira termina quando começa a perturbar o outro;
Carinho, afeto e uma conversa comprida, como fez minha tia, também são formas de educar.
As duas experiências, cada uma a seu modo, valeram para mim.
Passei um bom tempo muy tranquila, sem fazer qualquer tipo de arte, até porque já sabia o que me esperava em caso de reincidência.
Minhas colegas, que também apanharam, e eu,  congelamos os apelidos, até a poeira baixar.
Entretanto, um meio ano depois, recomeçamos.
Afinal, apelidar era preciso.
Somente quem é cria do Felipe Néry entende...








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