terça-feira, 5 de agosto de 2014

Para O Meu Amor - II

Meu Pai adorava um Tribunal do Júri.
Estudava muito, dedicava-se durante semanas a fio analisando o processo, atento a cada detalhe para bem defender o cliente - sempre atuou na defesa, não gostava da acusação e, dentro da profissão, era o que mais gostava de fazer.
Formou-se na Faculdade de Direito no ano de 1939, morou no Hotel Majestic, onde hoje funciona a Casa de Cultura Mário Quintana, e me contava cada história!
Foi de trem para Porto Alegre naquele janeiro de 1934, acompanhado por meu Avô Atílio, que deixou-o muito bem instalado no melhor hotel da Capital.
Contava-me ele:
 Liazinha, o papai me deu um monte de contos de réis, que teriam que durar até dezembro; contratou uma lavadeira para lavar, passar e engomar minhas camisas de linho, me abraçou longamente e me disse: já vou indo, meu filho. Não me faz nenhuma cagada, ouviste bem? Ou mando te buscar a relhaços! E se foi.
A solidão dos primeiros tempos, matava-a com meu mate, trouxera minha chaleira e um fogareiro da estância, erva ainda tinha um pouco e logo descobri uma banca no Mercado Público onde podia comprá-la por quilo. 
Nos primeiros meses, chorava de saudades de minha mãe, tua avó Mathilde... interrompia a narrativa para secar as lágrimas que caíam e ficava repetindo para mim, a mamãe era tão doce, Liazinha.
Mas em seguida fiz amizade com uma turma de rapazes que também tinha vindo da Fronteira, havia gente de São Borja, de Uruguaiana e do Alegrete, muitos bem mais abastados que eu, que não tinha dinheiro para cair na farra. Isso não me impediu de namorar muito, afinal, tinha um quarto de hotel somente para mim...
Cursei  a Faculdade no tempo normal de cinco anos, mas nunca me esqueci do nosso Itaqui, contava os meses, as semanas e os dias para que chegasse logo o mês de dezembro para poder voltar, para ver outra vez a mamãe, o papai e meus irmãos. Meus cuscos, ir à estância, andar à cavalo.
No meu último ano de Capital, estava indo pela Rua da Praia quando uma cigana me atacou e quis ler minha sorte.
Eu, sorridente, deixei.
Sempre gostei de ciganas.
Ela olhou a palma de minha mão e vaticinou:
Vais te casar com uma castelhana, moreno.
O quê?
E ela, sorrindo, repetiu: vais te casar com uma castelhana, moreno, e vai ser um amor tão grande que ficarás com ela até morrer, e morrerás velho, bem velhinho.
Estas, e muitas outras histórias ouvi de meu Pai, sentados na cozinha de casa, mateando sem pressa, vendo a tarde indo embora, lentamente,  e olhando as primeiras estrelas surgindo no céu.
Por isso, cada vez que olho para o céu estrelado do Itaqui, sinto-o bem perto de mim.

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